Fonte: Agência Fenapef
Em mensagem dirigida a todos os servidores, na última semana a Direção-Geral da Polícia Federal propôs uma minuta de atribuições que retira a essência de um cargo especializado que existe há mais de um século, e possui o termo “papila” na sua nomenclatura de cargo. Contrariando as diretrizes do MPOG que pregam a valorização do servidor, essa espécie de amputação funcional desmoraliza e provoca a indignação de centenas de policiais federais.
Esse direcionamento político do órgão máximo da PF contradiz um século de história do cargo que surgiu encantado pelas inovações científicas que possibilitaram a identificação pelas papilas dérmicas, e lutou para posicionar a identificação forense do órgão na vanguarda mundial.
O Instituto Nacional de Identificação (INI) foi criado em 1965, assim como sua Seção de Perícias e Estudos, ambos chefiados por papiloscopistas, conforme o Decreto Federal n. 56.510/65, há quase 50 anos. Nos arquivos do instituto estão dezenas de laudos periciais produzidos por papiloscopistas já falecidos.
Desde sua remota origem, o cargo de identificador, depois datiloscopista, e hoje papiloscopista cresceu (uma tendência normal em qualquer ramo profissional), acompanhando o desenvolvimento científico da Polícia Federal e dos demais cargos que compõem a carreira.
Diga-se de passagem, a evolução profissional do servidor, pela lógica e bom senso, deveria ser incentivada e, sobretudo, reconhecida pela Administração. Mas afinal, por que o papiloscopista sempre realizou perícia, se existe um cargo denominado perito?
A explicação é bem simples. A identificação pelas impressões papilares, assim como a comparação balística, exame grafoscópico e outras perícias, exigem uma especialização científica. E este conhecimento não é vinculado a uma formação universitária específica.
No caso do papiloscopista, seus concursos públicos demandam formação universitária, exames de nível superior em Biologia, Química e Física, e a especialização acadêmica em Papiloscopia é adquirida na ANP. Em situação semelhante, no caso das perícias que não demandam formação universitária específica, realizadas pelo cargo de perito, todos os peritos, com qualquer formação superior, também adquirem o conhecimento específico na ANP.
No caso do papiloscopista, sua condição de especialista (palavra que é sinônima de perito) é centrada na comparação papiloscópica, prevista normativamente desde 1965. E o conhecimento aplicado nos exames de comparação necessários para o arquivamento, classificação e individualização das impressões digitais, seja em arquivos físicos ou sistema AFIS, é o mesmo conhecimento necessário para classificar e comparar um vestígio papilar revelado num local de crime.
O Departamento de Polícia Federal recebeu a atual denominação através da Constituição Federal de 1967, pois antigamente era chamado de Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). E antes disso, foi o Decreto-Lei 6.378/1944, que transformou a antiga Polícia Civil do Distrito Federal no DFSP, diretamente subordinado ao Ministro da Justiça.
Os funcionários da seção de identificação da Polícia Civil do Distrito Federal (à época no Rio de Janeiro) já realizavam exames periciais desde 1903, há mais de um século, quando o Decreto Federal 4.764/1903 criou o Gabinete de Identificação e de Estatística, com a competência expressa dos exames periciais de classificação e confronto das impressões digitais e perícia necropapiloscópica (a identificação dos cadáveres).
Nessa época o método de classificação de impressões digitais de Juan Vucetich, citado expressamente em lei, era considerado inovador. E seguindo a evolução natural, o Decreto 14.078/1920 previu o cargo de identificador no Gabinete de Identificação, e expressamente atribuiu ao precursor do papiloscopista o exame de locais de crime relacionado às impressões digitais, pegadas, e demais indícios que possibilitassem a identificação do criminoso.
No início do século XX, o Decreto 14.078/1920 estabelecia que todos os exames realizados pelos identificadores do Gabinete de Identificação deveriam ser lavrados na forma de laudo.
Ironicamente, quando se constata a resistência das atuais associações de peritos em reconhecer o trabalho científico exercido pelos papiloscopistas, é curioso perceber que o cargo de nomenclatura “perito” só veio surgir em 10 de janeiro de 1933, através do Decreto n. 22.332, sendo que os peritos, à época, surgiram subordinados ao Instituto de Identificação.
Seguindo a evolução legislativa, veio o Decreto n. 56.510/65 que reformulou o DFSP, já citado. Quase 30 anos depois, a atribuição pericial do papiloscopista, e sua formalização em laudos, continuaram previstas explicitamente na Portaria Ministerial n. 523/89 – MPOG, que classifica os cargos da carreira policial federal.
Por décadas milhares de laudos periciais papiloscópicos continuam sendo emitidos por papiloscopistas em todo o país, e milhares de ações criminais são neles embasados. O único julgado da justiça federal que não reconheceu o trabalho do papiloscopista policial federal foi gerado por um episódio lamentável.
No julgamento do caso do furto de euros, dólares e cocaína da SR/RJ, um dos piores episódios de corrupção da Polícia Federal, através do Ofício n. 3437/06, a atual diretora da APCF e ex-diretora do Instituto Nacional de Criminalística, Perita Criminal Federal Zaira Hellowell, respondeu a um questionamento feito por e-mail (anexo ao final do ofício 3437) por um dos advogados de defesa dos policiais presos.
O ofício 3437 cita a Portaria n. 523/89 – MPOG como referência, mas apesar deste normativo prever explicitamente a atribuição pericial do papiloscopista, no ofício a ex-diretora do INC declara que todo laudo da Polícia Federal deve ser assinado pelo cargo de perito criminal. Esse documento, que continha anexada cópia do e-mail, foi obtido na secretaria do INC.
Esse documento oficial da então diretora do INC foi amplamente usado pelos advogados de defesa, na sustentação oral, para confundir os ministros do STJ e tentar destruir a tese de acusação baseada na dilação premiada de um advogado preso, cuja impressão digital foi revelada por papiloscopistas que trabalharam na investigação.
Esta situação confundiu a ministra relatora, e ocorreu o primeiro julgado que não reconheceu o trabalho secular dos papiloscopistas, o HC-71.563/RJ, tão citado por aqueles que historicamente tentam construir um monopólio da atividade científica na PF. E para evitar a ruína de um trabalho gigantesco de inteligência e investigação, o Ofício 3437 conduziu a decisão do STJ, e o laudo produzido pelos papiloscopistas teve de ser reproduzido e assinado por peritos criminais.
Para evitar fatos lamentáveis como o citado, hoje existe uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, com julgado unânime no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que obriga a União a reconhecer a perícia realizada pelo papiloscopista da PF. Ou seja, foi necessária a intervenção da justiça federal para que o DPF reconhecesse o trabalho do seu servidor.
Pelos fatos acima expostos, é fácil concluir que diante da notória retroatividade da lei penal mais benéfica, não bastasse o desprezo demonstrado em relação aos papiloscopistas ao extirpar sua atividade pericial e elaboração dos respectivos laudos, a Direção-Geral publicamente descumpre uma sentença judicial, e é colocada em risco a segurança jurídica de milhares de ações judiciais baseadas nas provas produzidas pela dedicação de seus servidores.
Afinal, por que o DPF não reconhece o trabalho desempenhado por policiais federais que sempre tiveram a atribuição pericial expressa em todos os tipos de normas, foram capacitados pela ANP, com atividades previstas, inclusive, nos editais dos concursos? E por que a evolução profissional de colegas policiais é visto como uma ameaça por outros?
A representação do papiloscopista que gerou a citada ação civil pública fez questão de declarar como fundamento a Súmula n. 339-STF, que veda a equiparação judicial de subsídios baseada na similitude de atribuições. Esta medida foi uma prevenção aos mentirosos argumentos que tentam desmoralizar uma luta por respeito profissional, como se fosse uma manobra salarial.
Segundo as Corregedorias da Polícia Federal, a conduta da ex-diretora do INC foi lícita e não houve nenhuma violação disciplinar. Já o papiloscopista que representou junto ao MPF foi processado, julgado e condenado por se manifestar de forma depreciativa aos atos da administração. Conseguiu liminarmente anular sua condenação, e um dos itens do seu indiciamento disciplinar foi ter usado a fonte itálica como forma de depreciação.
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