O caso envolvendo empresários e um político de renome nacional, deflagrado pela Operação Satiagraha, tem causado polêmica quanto a ação da polícia. Criticada até mesmo pelo Ministro do STF, Gilmar Mendes, agora é a imprensa que coloca em xeque a atitude da Polícia Federal ao divulgar suas operações, chamadas, inclusive, de pirotécnicas.
Esta semana, as revistas Veja e Isto É trazem na capa o caso envolvendo especialmente Daniel Dantas, Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta e uma grande reportagem sobre a ação da Polícia. Leia abaixo ambas reportagens.
Uma investigação explosiva
Como a operação da PF, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, desencadeou uma crise institucional, dividiu a Justiça e desembocou num jogo de ameaças que ainda está longe de terminar
LUIZA VILLAMÉA E HUGO MARQUES
O banqueiro Daniel Valente Dantas, dono do Opportunity, usou um celular internacional para chamar o investidor Naji Robert Nahas às 9 horas, 31 minutos e 25 segundos do dia 13 de maio. Perguntou onde Nahas se encontrava. Ao saber que era
As revelações do computador do Opportunity
Batizada como Operação Satiagraha, uma referência à expressão “firmeza na verdade”, usada pelo líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), a ação da PF, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, impressiona pelos seus números. Foi a primeira vez que se quebrou o sigilo bancário e fiscal completo de um banco e de todos os seus investidores, com a análise das informações armazenadas em disco rígido de 120 gigabytes do servidor do Banco Opportunity, apreendido em 2004, durante outra operação policial. Aos dados obtidos no disco rígido e em diligências realizadas nos últimos três anos, a Polícia Federal somou informações coletadas por meio de interceptação telefônica, ambiental e até telemática. Ou seja, grampeou inclusive trocas de e-mails de funcionários e diretores do banco e concluiu que Dantas e Nahas seriam os chefes de organizações distintas, “mas interligadas para cometimento de crimes”. Desde a semana passada, os dois são formalmente acusados de formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. “As duas organizações envolvem uma engenharia financeira que pouco se viu”, diz o procurador da República Rodrigo De Grandis.
De acordo com documentação enviada ao Supremo Tribunal Federal pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6a Vara Federal de São Paulo, especializada em crimes contra o sistema financeiro nacional o Opportunity de Dantas criou um fundo nas Ilhas Cayman para que residentes no Brasil e no Exterior aqui investissem sem a devida comunicação à Receita Federal e ao Banco Central. Nahas, por sua vez, teria criado uma espécie de sistema bancário paralelo, que possibilitava a lavagem de recursos de origem ilícita. Nahas é acusado ainda de especular com ações graças a informações privilegiadas, inclusive em relação ao megacampo de petróleo de Tupi. Uma semana antes do anúncio da descoberta do campo, o investidor, segundecido relatório da PF, pediu que o doleiro Miguel Jurno Neto comprasse “mais ações da Petrobras”. Diante do alerta do doleiro de que as ações da companhia “estavam caindo”, Nahas disse que era para fazer o que ele estava “mandando” e para “não comentar nada”. Celso Pitta entrou na investigação como agente e beneficiário do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas montado por Nahas, a quem solicitava semanalmente “vultosas quantias” em dinheiro vivo.
Diante do noticiário da prisão de Dantas, a primeira reação coube a investidores do próprio Opportunity, que administra uma carteira de R$ 19 bilhões. O volume de retiradas diárias do fundo mais que dobrou esta semana. De dentro da cadeia, Dantas substituiu na direção do fundo seu diretor Dório Ferman, que estava na cela ao lado, pelo ex-diretor de Política Econômica do Banco Central Afonso Bevilaqua. Coube a Bevilaqua a missão de acalmar investidores.
Se o que a Polícia Federal identificou foi a montagem de um complexo esquema de procedimentos para mascarar investimentos e fugir do Fisco, o golpe mais duro para Dantas, porém, deuse em outra esfera. Depois de ser beneficiado por um habeas-corpus concedido pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, o banqueiro ficou menos de 11 horas em liberdade na quintafeira 10. Livre da prisão provisória, Dantas acabou preso preventivamente pelo mesmo juiz Sanctis. A mudança na forma jurídica foi uma maneira que a polícia encontrou para contornar a decisão do Supremo e foi justificada com base no depoimento de um dos presos, Hugo Chicaroni. Ele é a pessoa que tentou corromper o delegado federal Vitor Hugo Rodrigues Alves Pereira, com o propósito de que ele intercedesse para livrar Dantas e sua irmã, Verônica, da investigação. Na casa de Chicaroni, a PF encontrou R$ 1,28 milhão em dinheiro vivo. No depoimento à polícia, ele disse ter sido contratado pelo Opportunity para subornar o delegado. Na busca e apreensão feita no apartamento de Dantas, no Rio, a PF encontrou um documento que serviu para embasar o segundo pedido de prisão. Intitulado “Contribuições para o Clube”, fica evidenciado que, em 2004, o banqueiro pagou 1,5 milhão (não se sabe se em reais ou em dólares) a título de “contribuição para que um dos companheiros não fosse indiciado criminalmente”. Assim, o juiz entendeu que manter Dantas em liberdade seria um risco à livre atuação da polícia e da Justiça.
Os desdobramentos dessa segunda prisão, encerrada no final da tarde da sexta-feira 11, por força de nova decisão do STF, agravaram o bate-boca institucional iniciado logo após a deflagração da operação. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, reclamou da “espetacularização” da PF e do uso de algemas em quem não oferecia perigo aos agentes. “O maior problema é que a operação pegou pessoas de destaque, que têm exacerbação do sentido de defesa”, ironizou, imediatamente, o ministro da Justiça, Tarso Genro. “A PF não tem critério de classe. Se for feita uma lei dizendo que pobre pode ser algemado, jogado no camburão e exposto à execração pública, e rico não pode, a PF vai ter de cumprir, mas não comigo como ministro da Justiça”, disse. No Vietnã, onde se encontrava na quinta-feira 10, o presidente fortaleceu essa atitude. Declarou, quase em tom de comemoração: “Andar na linha é o único jeito de escapar da PF.” Com isso, acabou abrindo a guarda para quem viu nesse episódio uma perseguição a um desafeto do governo. Afinal, Lula ignorou a prudência demonstrada em casos anteriores, como o que envolveu os conhecidos aloprados petistas, os favorecidos pelo Mensalão e até o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti. Em todos esses casos, o presidente recomendava que seria necessário aguardar um julgamento final para não se cometer uma injustiça, enquanto corre o processo legal. O problema dessa nova reação está no risco de, sob a aparente euforia de novidade, que é a investigação de grandes banqueiros e empresários, se esconder uma máxima da velha República: “Aos inimigos, a lei.
O mais grave no que toca às entradas e saídas de Daniel Dantas da carceragem da PF é a crise institucional que se desenha dentro da própria Justiça. O presidente do Supremo Tribunal foi informado por um desembargador de São Paulo que teria sido monitorado pela Polícia Federal, a pedido do juiz Sanctis – o que foi negado por Tarso Genro. Entre o material levantado pelos policiais, haveria inclusive um vídeo mostrando assessores da presidência do STF conversando com advogados de Dantas – um procedimento corriqueiro no tribunal, mas que foi divulgado como indício de prática criminosa. O problema é que em qualquer escola de direito se aprende já no primeiro ano que a Justiça se faz com um tripé: a acusação, a defesa e o magistrado. Portanto, a não ser que se comprove a prática de crimes, é natural que procuradores, advogados, juízes e até ministros do STF conversem. Nos relatórios encaminhados à Justiça, a PF também menciona o fato de Dantas manter conversas com “jornalistas de sua confiança”, nas quais seria “discutido o teor de reportagens”. Também nesse caso, a não ser que o texto final incorra em crimes como calúnia, injúria ou difamação, trata-se de uma relação corriqueira. Jornalistas no exercício profissional procuram ter a confiança de suas fontes, sejam elas banqueiros, sejam empresários ou ainda delegados e procuradores. Em todos os casos, as fontes passam para os jornalistas os seus próprios pontos de vista – e cabe a eles verificar a única coisa que realmente conta nessa história: a veracidade das informações.
40 HORAS FORAGIDO
Carlos Rodenburg é acusado de lavar dinheiro com mineradora e agronegócios
Entre as 11 pessoas ligadas a Daniel Dantas que tiveram a prisão temporária decretada, um deles deixou de passar duas noites na cadeia porque não foi encontrado pela PF. Trata-se de Carlos Rodenburg, ex-cunhado e um dos mais próximos de Dantas. Foi o braço direito do banqueiro no Opportunity onde fazia contatos com políticos e com a mídia. Há cerca de cinco anos, criou a Fazenda Santa Bárbara e se tornou o maior pecuarista do Brasil, com freqüente participação nos leilões de elite de embriões. Conversas gravadas pela polícia apontam que ele e a exmulher Verônica usariam o fundo do Opportunity para lavar dinheiro a partir do agronegócio e de mineração. Na quinta-feira 10, foi favorecido por habeascorpus concedido pelo STF.
O tiroteio, na seqüência da rumorosa ação da PF, jogou ainda mais holofotes sobre a figura do banqueiro, que, embora agressivo nos negócios, é conhecido pela discrição na vida pessoal.Filho de um empresário do ramo têxtil na Bahia, Dantas começou sua ascensão meteórica nos anos 1980, quando chamou a atenção de um amigo poderoso de seu pai, o político Antônio Carlos Magalhães. Estimulado por ACM, estudou na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, na qual se destacou como um dos mais brilhantes alunos do economista e ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen.
O relacionamento entre aluno e professor foi mais do que profícuo. Indicado por Simonsen, Dantas foi contratado para gerir a fortuna de Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, no então recém-criado Icatu. Estava vinculado à instituição quando, em 1990, quase se tornou ministro da Economia do então presidente eleito Fernando Collor de Mello, com quem se encontrou em Roma, na Itália. Nunca foi dele o plano de confisco feito por Collor, mas esse é um dos mitos da sua fama de gênio das finanças.
Em meados dos anos 1990, ao decidir pela carreira solo, criou o banco Opportunity, para onde levou duas figuras de peso: Elena Landau, antiga diretora do BNDES, e Pérsio Arida, que tinha sido presidente do Banco Central.
Com a ajuda de ambos, surfou na onda das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Logo no começo do governo Lula, Dantas se aproximou do então todo-poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu, mas ganhou a antipatia da equipe econômica e, mais especificamente, do ex-ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação Estratégica. Gushiken sempre quis que os fundos de pensão, em especial o Previ, do Banco do Brasil, controlassem a Brasil Telecom e isso o colocou em rota de colisão com Dantas.
O tiroteio, na seqüência da rumorosa ação da PF, jogou ainda mais holofotes sobre a figura do banqueiro, que, embora agressivo nos negócios, é conhecido pela discrição na vida pessoal.Filho de um empresário do ramo têxtil na Bahia, Dantas começou sua ascensão meteórica nos anos 1980, quando chamou a atenção de um amigo poderoso de seu pai, o político Antônio Carlos Magalhães. Estimulado por ACM, estudou na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, na qual se destacou como um dos mais brilhantes alunos do economista e ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen.
O relacionamento entre aluno e professor foi mais do que profícuo. Indicado por Simonsen, Dantas foi contratado para gerir a fortuna de Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, no então recém-criado Icatu. Estava vinculado à instituição quando, em 1990, quase se tornou ministro da Economia do então presidente eleito Fernando Collor de Mello, com quem se encontrou em Roma, na Itália. Nunca foi dele o plano de confisco feito por Collor, mas esse é um dos mitos da sua fama de gênio das finanças.
Em meados dos anos 1990, ao decidir pela carreira solo, criou o banco Opportunity, para onde levou duas figuras de peso: Elena Landau, antiga diretora do BNDES, e Pérsio Arida, que tinha sido presidente do Banco Central.
Com a ajuda de ambos, surfou na onda das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Logo no começo do governo Lula, Dantas se aproximou do então todo-poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu, mas ganhou a antipatia da equipe econômica e, mais especificamente, do ex-ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação Estratégica. Gushiken sempre quis que os fundos de pensão, em especial o Previ, do Banco do Brasil, controlassem a Brasil Telecom e isso o colocou em rota de colisão com Dantas.
CACCIOLA, O TROFÉU
Lula receberá os louros pela captura do responsável pelo maior rombo financeiro do governo FHC
O esforço da Polícia Federal para prender Daniel Dantas pode até ser interpretado por alguns como resultado de uma orientação política do governo Lula. Afinal, além de ter sido um dos grandes players do processo de privitalização das teles no governo FHC, Dantas criou inimigos de peso no entorno lulista por conta da disputa do Opportunity com a Telecom Italia. Já a prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola – que abalou a credibilidade do PlanoReal com uma operação fraudulenta para tentar salvar seus bancos – caiu por acaso no colo do governo Lula. Com isso, o presidente Lula ficará com o troféu nada desprezível de “prender” o responsável pelo maior escândalo financeiro do governo anterior.
A operação de Cacciola junto ao BC para comprar dólares a câmbio favorável para salvar seus bancos Marka e FonteCindan depois da desvalorização do real, em 1999, provocou a demissão e a posterior condenação do então diretor do Banco Central, Francisco Lopes. O prejuízo aos cofres públicos foi de R$ 1,57 bilhão. Cacciola foi preso em 2000, mas ficaria apenas 37 dias na prisão: libertado por força de um habeas corpus concedido pelo STF, fugiu para a Itália. Em 2005, o ex-banqueiro foi condenado a 13 anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta. Cacciola vivia tranqüilo na Itália, onde, por ter dupla nacionalidade, não podia ser alcançado por um pedido de extradição do Brasil. A sensação de impunidade o levou a passear um fim de semana
Uma última tentativa de Cacciola de adiar sua extradição para o Brasil foi ensaiada por seus advogados na quartafeira 9. Eles impetraram um novo pedido de habeas-corpus, que foi negado pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. A previsão do Ministério da Justiça é de que o exbanqueiro esteja no Brasil até o dia 20 deste mês. Seu retorno será uma verdadeira operação secreta. Agentes da Polícia Federal já estão em Mônaco tratando dos trâmites burocráticos da extradição. Como a apresentação às autoridades monegascas de um “laissez-passer” (do francês “deixe passar”), um documento especial para permitir o trânsito de Cacciola. O detalhe mais delicado dessa operação de retorno do banqueiro é o fato de que ele terá de passar pelo território da França antes de chegar ao Brasil. O aeroporto de Mônaco, na verdade, fica na cidade francesa de Nice. Como não foi o governo francês quem prendeu nem autorizou a extradição de Cacciola, o Ministério da Justiça teme que ele tente alguma manobra com seus advogados ao chegar a Nice. Daí a necessidade de que a operação seja secreta, e que nem o dia nem o formato da sua volta sejam conhecidos. Há três hipóteses avaliadas para o deslocamento de Cacciola para o Brasil: ele pode vir em vôo comercial, escoltado por agentes da PF; num jato da Força Aérea Brasileira; ou num avião da própria Polícia Federal. Chegando ao Brasil, Salvatore Cacciola deverá ficar preso no Rio de Janeiro.
RUDOLFO LAGO
Ao contrário do reservado banqueiro, o libanês naturalizado brasileiro Nahas tem um estilo de vida menos discreto. Ele chegou ao País em 1969, trazendo US$ 50 milhões na bagagem. Nos anos 1980, controlava 28 empresas. Era, no entanto, mais conhecido pelo estilo glamouroso de vida e por trazer ao Brasil celebridades como Alain Delon, Gina Lollobrigida e Omar Sharif. No mercado financeiro, ganhou fama por realizar operações de alto risco na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Não demorou a entrar em confronto com o então presidente do conselho administrativo da Bovespa, Eduardo da Rocha Azevedo, transferindo todas as suas operações para o Rio de Janeiro. Em 1989, na seqüência da suspensão de empréstimos bancários que obtinha costumeiramente, Nahas faliu e acabou acusado de provocar a quebra da Bolsa do Rio. Alijado do mercado, ele só deu a volta por cima em 2004, ao ser inocentado pela Justiça Federal das acusações de crime contra o sistema financeiro e a economia popular. Poucos meses depois, comemorou em alto estilo o casamento da filha, com a presença do ator Omar Sharif e show do cantor Paul Anka, canadense de origem síria. Voltou a operar no mercado e, na semana passada, aos 56 anos, estava em sua mansão, no Jardim América,
“Eu estou chocado”, disse Nahas à ISTOÉ na sextafeira 11, depois de ser solto. “Nem na cortina de ferro soviética aconteceria isso.” Os quatro filhos de Nahas também tiveram a prisão temporária pedida – apenas a de Fernando foi aceita pelo juiz, mas ele não foi encontrado pela PF. Sua filha, Natalie, estava em viagem à Europa, mas a casa teve a porta arrombada para cumprimento de mandado de busca. Ao tentar retomar suas atividades, Nahas não conseguiu entrar no próprio escritório. “Tudo isso para dizer que eu tenho a taxa do Fed?”, ironizou, em referência a uma das acusações da PF: de que ele teria manipulado o mercado ao ter a informação privilegiada de que o Banco Central dos Estados Unidos iria aumentar a taxa de juros.
EIKE NA REDE
NOVO ALVO Eike Batista, dono da MMX
Na ação da PF, que colocou 300 policiais nas ruas na terça-feira 8, há outros personagens poderosos. O ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, conhecido por libertar presos políticos durante o regime militar de graça, é acusado de fazer lobby em favor de Dantas no governo. “Estou muito puto com a PF e com as declarações do Tarso”, diz ele. Greenhalgh vinha auxiliando o principal advogado do Opportunity, Nélio Machado. “Comecei a trabalhar ajudando o Nélio em março do ano passado, ajudei no inquérito da Kroll, na história da Telecom Italia e da Brasil Telecom, na feitura de peças do acordo”, diz o ex-deputado. Greenhalgh pode até ter ficado “puto”, mas reconhece que fez mesmo o que diz o relatório da PF: buscou junto ao governo informações sobre se havia de fato uma operação policial que poderia levar à prisão de Dantas. Nessa busca, chegou a recorrer ao chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho. “Tinha gente da Abin atrás de um dos investigados. Liguei para Gilberto e disse: 'Gilberto, o que é isso?'. A informação se confirmou, era gente da Abin.”
A Operação Satiagraha, que deixou boa parte do meio político e empresarial em polvorosa na semana passada, tem potencial para manter elevada a tensão nos bastidores do poder, como confirmam declarações feitas por advogados dos acusados que acenam com a possibilidade de tornar públicos documentos sigilosos que tramitam nos EUA e na Itália. Em Milão, corre na Justiça um processo segundo o qual a Telecom Italia, que firmou um contrato de consultoria de US$ 3,5 milhões com Naji Nahas, distribuiu propina à larga no Brasil. Nesse caso, há também documentos que comprovam o fato de adversários de Dantas terem enviado ao Brasil emissários com o intuito de corromper policiais federais e comprar jornalistas para que publicassem reportagens contrárias ao Opportunity.
A guerrilha na PF
Divisões internas minam a instituição e as investigações
O inquérito produzido pelo delegado federal Protógenes Queiroz, que embasou o pedido de prisão do banqueiro Daniel Dantas e companhia, é um texto confuso, eivado de convulsões ideológicas e pródigo em julgamentos sem nenhuma base na realidade. É um exemplo de como não deve ser conduzido um trabalho policial com ambição de ter impacto no resultado final do julgamento sobre seus alvos. O inquérito tem relatos imprecisos sobre os investigados e intermináveis transcrições literais de grampos telefônicos a partir dos quais são feitas suposições e emitidas opiniões. Perpassa todo o relatório um viés esquerdista na linha “somos contra tudo isso que está aí”. O capítulo dedicado à imprensa é dos mais disparatados. Sem uma única prova e até diante de evidências em contrário coletadas por ele mesmo, o delegado se contorce para concluir que jornais e revistas, entre elas VEJA, estariam ajudando Daniel Dantas a se safar ou a se fazer de vítima (veja o boxe). Seria apenas risível, não fizessem essas acusações parte de um inquérito produzido por uma autoridade do estado brasileiro, com poder de dar voz de prisão e influenciar togados. Ao fim e ao cabo, o amadorismo demonstrado pelo delegado Protógenes, como diz a Carta ao leitor desta edição, facilitará, provavelmente, a impunidade dos acusados. Daniel Dantas e o especulador Naji Nahas decerto têm muito a explicar à Justiça, mas nada do que realmente interessa ou possa levá-los a uma condenação está no inquérito que motivou a prisão de ambos e dos demais envolvidos.
A prisão de Dantas, em especial a segunda, deveu-se ao flagrante armado de forma engenhosa pelos policiais, e não à má literatura do delegado Protógenes, que só vai beneficiar os acusados. Mandante de ações de espionagem empresarial mirabolantes, o banqueiro Dantas foi feito de bobo no plano da realidade mais terrena, ao tentar subornar, via intermediários, um delegado da PF. Em 11 de junho, o delegado Victor Hugo Ferreira recebeu um telefonema de Humberto Braz, ex-presidente da Brasil Telecom e funcionário do banco Opportunity, de Dantas. Ele dizia ter informações de que a Polícia Federal estava investigando seu chefe e que gostaria de marcar uma reunião para tratar do assunto com Ferreira, pois sabia que o delegado estava no caso. Ambos, então, combinaram um encontro para 18 de junho, na churrascaria El Tranvía, na região central de São Paulo. Ferreira avisou seus superiores e a Justiça sobre o contato e decidiu gravar a conversa. Quando chegou ao restaurante, deparou com Hugo Chicaroni, que se apresentou como amigo de Braz e lhe pediu que fosse confirmada a existência da investigação. Diante da resposta positiva, tentou comprar o delegado. Ofereceu a ele 50 000 reais por ter aceitado ir à reunião e disse que lhe entregaria mais 500 000 dólares se Dantas e sua família fossem excluídos do relatório final da PF. Ferreira fingiu aceitar a oferta. Foi até a casa de Chicaroni, no bairro paulistano de Moema, e saiu de lá com os 50 000 reais prometidos. Combinaram de se encontrar novamente, para liquidar o restante do pagamento.
O ex-delegado-geral Paulo Lacerda (à esq.) e seu amigo Protógenes: teorias conspiratórias
No dia 23, voltaram ao restaurante El Tranvía. Dessa vez, além de Chicaroni, Braz também estava presente. O encontro foi filmado pela polícia com uma câmera oculta. O delegado apresentou documentos para comprovar a existência da investigação. Quando viu a papelada, Braz disse que estava autorizado por Dantas a aumentar a oferta de suborno para 1 milhão de dólares, em duas parcelas. A primeira a ser paga antes do fim da operação e a última, depois que a investigação estivesse concluída. Dois dias mais tarde, Chicaroni e o delegado reencontraram-se, dessa vez no restaurante Paddock de Moema. O preposto de Dantas deu ao delegado mais 80 000 reais. Não voltaram a se falar até que, no dia
Gilmar Mendes, presidente do STF: “Os órgãos estatais agem no limite do justiçamento”
Deixando de lado as razões de fundo, como a falta de um sistema educacional eficiente, capaz de gerar uma quantidade suficiente de profissionais competentes nas mais diversas áreas, há uma razão de circunstância que explica o fenômeno Protógenes: a balcanização da PF. Ela hoje se encontra dividida entre uma parte boa e uma banda ruim. A primeira está sob a batuta do delegado-geral Luiz Fernando Corrêa. Além de estar empenhado em limpar a Polícia Federal dos quadros corruptos, ele quer melhorar a qualidade técnica dos policiais federais, para, desse modo, produzir inquéritos e ações mais bem fundamentadas. A banda ruim, por sua vez, age à revelia do delegado-geral e obedece a instintos de vingança pessoal e política, o que enfraquece o trabalho policial e lhe tira a substância e o vigor necessários para prevalecer na Justiça. Paulo Lacerda, ex-delegado-geral da PF e hoje na direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), tem ainda devotos na instituição que comandou e há a suspeita de que eles cumpram missões a seu pedido.
Lacerda odeia Dantas porque o banqueiro mandou a empresa Kroll espioná-lo em 2004. Suas impressões digitais foram vistas na organização e no deslanche da Operação Satiagraha. O delegado Protógenes confiou a espiões da Abin parte do trabalho de vigilância e monitoramento dos suspeitos. A estratégia de ação e o resultado das diligências eram compartilhados apenas por Protógenes e pelo atual diretor da Abin, Paulo Lacerda, ex-diretor da PF. A explicação para isso: os superiores do delegado atuariam no interesse de Dantas. Segundo a teoria conspiratória, o delegado-geral Luiz Fernando Corrêa foi alçado ao posto por pressões de políticos ligados a Daniel Dantas, e sua missão seria acabar com todas as investigações contra o banqueiro. Suspeitando de tudo e de todos, Protógenes recorreu à Abin para ajudá-lo na investigação e mandou recados a colegas seus da PF de que tinha provas e gravações que mostravam que eles estavam trabalhando a favor de Dantas. Não se sabe que provas são essas e nem se elas efetivamente existem. Em público, Corrêa elogiou e defendeu o trabalho da polícia, mas, assim como o ministro da Justiça, Tarso Genro, eles só souberam da operação quando ela já estava em andamento.
Foi uma das ações da Abin, aliás, que quase pôs o sigilo da Satiagraha abaixo. Dantas soube que estava sendo investigado no dia 27 de maio passado, quando Humberto Braz levava sua filha à escola no Rio de Janeiro. O motorista do carro percebeu que estava sendo seguido por um Astra preto, com placa de São Paulo. A delegacia anti-seqüestro foi alertada e o veículo suspeito foi interceptado. Seus ocupantes, então, identificaram-se como agentes da Abin. Disseram que estavam em uma operação para prender contrabandistas russos. Procurada por VEJA, a agência não quis se pronunciar. A assessoria do Gabinete de Segurança Institucional avisou que não comentaria se o ministro Jorge Felix sabia ou não da participação da Abin na investigação.
Dinheiro apreendido na casa de Hugo Chicaroni, ligado a Dantas: tentativa de subornar delegado
O delegado Protógenes, perdido nas névoas de sua teoria conspiratória, atira para todo lado. Entre seus alvos aparece o próprio ministro presidente do STF, Gilmar Mendes. Na semana passada, o ministro encaminhou uma representação ao Conselho Nacional de Justiça pedindo investigações sobre uma provável invasão de seu gabinete, onde teriam sido instaladas câmeras de vídeo com o objetivo de espioná-lo. Em conversas com auxiliares, Protógenes revelou que a polícia tinha imagens gravadas no gabinete do ministro que mostrariam uma estranha proximidade de assessores do tribunal com os advogados de Daniel Dantas. A insinuação: o presidente do Supremo Tribunal Federal teria concedido o habeas corpus libertando o banqueiro mediante um acerto prévio com os advogados.
Mendes tomou conhecimento da suposta invasão por meio da vice-presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo, a desembargadora Suzana Camargo. A magistrada ouviu do juiz Fausto de Sanctis, o responsável pelo processo de Daniel Dantas, a informação de que a Polícia Federal havia gravado reuniões dentro do gabinete do ministro, inclusive revelando detalhes das conversas – numa delas, havia críticas à fragilidade dos argumentos jurídicos do juiz. Procurada por VEJA, a desembargadora classificou o episódio como um “mal-entendido”, disse que a história “não foi bem assim” e pediu que o ministro fosse procurado para confirmar. O juiz De Sanctis divulgou nota informando que não autorizou o monitoramento contra Gilmar Mendes ou contra qualquer outra autoridade da Justiça superior. Portanto, se houve a gravação, como confidenciou o juiz à desembargadora, ela foi feita de maneira clandestina pelos policiais ou pelos espiões da Abin. O presidente do STF levou o caso ao ministro da Justiça e ao diretor da Polícia Federal. Os dois afirmaram desconhecer qualquer ação ilegal da PF – e não poderiam, é óbvio, dizer outra coisa. “Os órgãos estatais, há algum tempo, estão atuando no limite do que poderíamos chamar de justiçamento. Embora muito grave, isso não me surpreende mais”, disse Gilmar Mendes. O tribunal fez uma varredura no gabinete do ministro e nada foi encontrado.
A atuação e o inquérito do delegado Protógenes, que abriga contrabandos de Lacerda contra seus desafetos, só não podem ser classificados como típicos de um estado policial, porque os estados policiais costumam ser mais competentes. Em determinados momentos, ele parece um aluno de faculdade de sociologia tentando impressionar o mestre esquerdista com frases de efeito. Para justificar a renovação da autorização dos grampos telefônicos, Protógenes recorre a uma frase do destrambelhado lingüista americano Noam Chomsky: “A mídia é um veículo independente, comprometido com a verdade e imparcial, certo? Errado!”. Ao ritmo de uma revolução por parágrafo, cita, ainda, o suíço Jean Ziegler, autor do livro A Suíça Lava Mais Branco: “Se prevalecem grandemente da deficiência dos dirigentes da sociedade capitalista contemporânea. A globalização de mercados financeiros debilita o estado de direito, sua soberania e sua capacidade de agir”. Ele também acha que Freud não explica: “Comparar a gigantesca organização criminosa comandada por D. Dantas com a de N. Nahas seria um ‘paradigma ingênuo’ ou aplicar a simetria das condutas criminosas estaríamos diante de um método freudiano primitivo e ridículo”. Não tente entender. Não tem sentido.
No inquérito, há uma “análise” segundo a qual o banco Opportunity “tem pessoas infiltradas no Comando do Exército, onde estes indivíduos promoveriam os interesses do grupo, principalmente espionando ações militares estratégicas e secretas”. Será que Dantas planejava montar uma base de mísseis em sua cobertura na Vieira Souto? O delegado Protógenes mostra também que não baixará a guarda “contra tudo isso que está aí”. Ao abordar uma suposta tentativa do deputado Delfim Netto”, articulista da revista Carta Capital, de emplacar Naji Nahas na gestão do fundo soberano planejado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ele vocifera: “Ante as ameaças de corsários saqueadores das riquezas do nosso país, deixo aqui registrado que o ‘amanuense’, que ora subscreve a presente peça, e por ‘cautela’ alerto aos incautos, seja de forma individual ou organizados criminosamente para tal finalidade, que estarei de prontidão comparado a um integrante da Brigada dos Tigres, fazendo um acompanhamento detalhado do futuro Fundo Soberano”. Ouvido por VEJA, Delfim Netto disse: “Esses métodos de investigação têm de ter limites dentro do estado de direito. Eles não só invadem a privacidade das pessoas que não têm qualquer relação com a investigação – o que, por si só, é gravíssimo – como também, neste caso específico, violentam a lógica. A investigação diz que eu planejo tirar vantagens escusas da criação do fundo soberano. Como, se fui contra o fundo soberano desde o começo? Isso aí é público. Isso não é trabalho da Polícia Federal. É produto de um insano dentro da PF. Deve ser um neonazista. Sabe Deus o que a cabeça do sujeito imagina”.
Nas partes referentes a Naji Nahas, toda a mitomania do especulador é levada a sério por Protógenes. Uma das sandices que mais ganharam repercussão na imprensa foi aquela em que se atribui ao especulador a posse de informações privilegiadas do Federal Reserve, o banco central americano: “Homem não identificado fala aparentemente de New York e antecipa para Naji a queda da taxa de juros, controlada pelo Fed americano, em até 0,5%… N. Nahas, segundo ele próprio revela que foi o presidente do Banco Mundial que lhe repassou esta informação. Tal fato ocorreu com vinte dias de antecedência, podendo então direcionar seus investimentos com certeza, aonde o mercado financeiro globalizado tinha dúvidas”. O Banco Mundial nada tem a ver com o Fed, ambos ficam em Washington e as mudanças da taxa de juros americana são antecipadas corretamente pelo mercado em 99% das vezes.
No inquérito, há a transcrição de uma conversa entre “possivelmente” Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do pre-sidente Lula, e Humberto Braz, homem de Dantas. O diálogo gira em torno de uma “conta-curral”, na qual aparentemente seria depositada uma quantia em duas vezes, em troca de um trabalho de “consultoria”. Carvalho, na conversa, é chamado de “Giba”. Procurado por VEJA, o chefe-de-gabinete da Presidência, por meio da assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, afirmou que jamais conversou por telefone com Humberto Braz, a quem não conhece. Disse ainda que ninguém o chama de Giba. “Meu apelido é Gil.” E concluiu: “Isso tudo é uma maluquice”. É mesmo. Só que, por causa dela, Dantas e companhia talvez não paguem por seus crimes – os de verdade.
A “mídia” também é inimiga
Os espasmos ideológicos do inquérito da Polícia Federal são particularmente violentos nas partes dedicadas à “mídia” – expressão preferida pelos inimigos da liberdade de expressão quando se referem à imprensa. O delegado Protógenes chegou a pedir a prisão da repórter Andréa Michael, do jornal Folha de S.Paulo, porque ela noticiara, em abril, a existência de uma operação em curso para prender Daniel Dantas. De acordo com o delegado, que a ela se refere como “travestida de correspondente na cidade de Brasília”, isso teria dificultado a ação policial. Problema seu, doutor Protógenes, se a PF foi incompetente para manter o segredo da operação. O que não pode, numa democracia, é punir o mensageiro porque ele fez o seu trabalho. No inquérito, há menções a conversas que Dantas e Nahas teriam mantido com outros jornalistas da Folha, do jornal Valor Econômico, das revistas Época e IstoÉ Dinheiro. As referências a VEJA são sórdidas e especialmente desprovidas de evidências mínimas – porque, de fato, elas não existem. Em várias passagens, o delegado Protógenes tenta estabelecer uma ligação entre a revista e Daniel Dantas. Não apresenta uma única prova e, pior, distorce as provas
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