O governo federal sofreu ontem derrotas no STF (Supremo Tribunal Federal) envolvendo dois de seus principais integrantes. Na primeira, o ministro Marco Aurélio de Mello abriu inquérito criminal contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e determinou a quebra do sigilo fiscal dele para apurar indícios de crimes contra o sistema financeiro, sonegação fiscal e crime eleitoral.
Na segunda derrota, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, pediu ao STF a abertura de inquérito para investigar o ministro Romero Jucá (Previdência) por supostas irregularidades no empréstimo concedido à empresa Frangonorte, de Roraima (leia texto na página A7).
O porta-voz da Presidência, André Singer, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu com tranqüilidade as notícias em torno das investigações do ministro Jucá e de Meirelles. A idéia do presidente é evitar que transpareça uma espécie de prejulgamento dos casos.
Por telefone, segundo a Folha apurou, Jucá disse a Lula que está tranqüilo com o pedido de abertura de inquérito no STF. Já o recado de Meirelles ao presidente chegou por meio do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda). No Planalto, Palocci disse a Lula que o presidente do Banco Central sente-se à vontade no cargo.
Relator do inquérito, Marco Aurélio determinou a quebra do sigilo fiscal de Meirelles a partir de 1996 e ordenou ao BC e à Receita Federal que enviem cópia de processos existentes contra ele.A quebra do sigilo fiscal -envio das declarações de Imposto de Renda- atingiu o presidente do BC, pessoalmente, e três das empresas que seriam controladas por ele: Silvania One, Silvania Two e Silvania Empreendimentos e Participações.
Segredo de justiça
Marco Aurélio acolheu praticamente todas as providências sugeridas pelo procurador-geral da República, mas ordenou que a investigação tramite em segredo de Justiça e excluiu a Polícia Federal da apuração, o que reduz o risco de vazamento e de um desgaste político maior ainda.
Para preservar o sigilo dos dados, o próprio ministro receberá a documentação, em 60 dias, se não houver atrasos, e a repassará ao procurador-geral, que decidirá então se pedirá abertura de ação penal, prosseguimento do inquérito ou arquivamento do caso.
Esse exame será feito provavelmente pelo sucessor de Fonteles, cujo mandato termina no final de junho. A nomeação para esse cargo é de livre escolha de Lula.
Inquérito
Fonteles havia pedido ao STF a abertura do inquérito para apurar se foram praticados crimes eleitoral, de remessa de dinheiro para o exterior e de sonegação fiscal. Em sua decisão, Marco Aurélio falou expressamente na suspeita de outro crime: lavagem de dinheiro.
Em defesa prévia de Meirelles, apresentada espontaneamente na última segunda-feira, os advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Roberto Pasqualin Neto desqualificaram as acusações e sugeriram falta de necessidade de abertura do inquérito.
Marco Aurélio considerou que havia indícios suficientes de irregularidades para aprofundar a apuração, que fora iniciada pelo procurador da República em Brasília Lauro Pinto Cardoso Neto.
“O curso do inquérito pressupõe tão-somente a existência de indícios de prática delituosa”, disse o ministro. “Descabe, nesta fase, avaliar o envolvimento ou não do indiciado [Meirelles].”
Os advogados afirmaram que seu cliente tem interesse absoluto em esclarecer todos os fatos. “Tratando-se de homem público, detentor de cargo da maior importância no cenário nacional, outra postura não seria de se aguardar”, comentou Marco Aurélio.
O procurador-geral tinha pedido oito diligências.O ministro excluiu uma delas -a apresentação da lista de advogados de um escritório de São Paulo- porque a considerou sem nexo com o restante da apuração. Meirelles, por seus advogados, havia pedido a exclusão dessa e de outras duas diligências, de documentos sobre a empresa Boston Comercial Participações
O ministro disse que decretou o segredo de Justiça por causa de exigência de lei em relação a apurações que envolvem dados sobre movimentações financeiras.
Sobre a decisão de não enviar os autos à Polícia Federal, o ministro explicou que não há nenhum tipo de diligência que precise ser realizada por ela, como tomar depoimento de testemunhas e realizar perícias. Normalmente a PF é que conduz o inquérito.
Foro privilegiado
No último dia 5, o STF declarou constitucional a medida provisória que deu status de ministro ao presidente do BC, assegurando-lhe o foro privilegiado nesse tribunal. Marco Aurélio só estava aguardando esse julgamento para decidir sobre o inquérito.
Desde o início desta semana, o Palácio do Planalto já considerava certa a abertura do inquérito. “Dizem que eu sou um juiz previsível”, disse Marco Aurélio anteontem, sobre as especulações de que decidiria dessa forma.
“Vamos abrir o embrulho”, diz ministro do STF
O ministro do STF Marco Aurélio de Mello disse que não temeu a repercussão no mercado financeiro da decisão contra o presidente do BC, Henrique Meirelles, e que, em tese, um inquérito criminal só não é aberto quando há “uma inocência escancarada”, sugerindo que não seria o caso.”Eu não poderia privilegiar a estabilidade do mercado a ponto de prejudicar um bem maior, que é a elucidação dos fatos”, afirmou. “Para chegar ao trancamento de um inquérito, teríamos que perceber uma inocência escancarada”
Desde que foi designado relator desse caso, em abril, Marco Aurélio deu evidências de que tomaria essa decisão. “É o que costumo dizer: “vamos abrir o embrulho”.” (SF)
Decisão não surpreende mercado
O anúncio do STF (Supremo Tribunal Federal) de abrir uma investigação contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, suspeito de crime contra o sistema financeiro, crime eleitoral e evasão de divisas, não causou surpresa no mercado financeiro.
“Já contávamos com isso. Surpresa seria se não viesse o pedido de investigação”, disse Luis Fernando Lopes, economista-chefe do Banco Pátria.
No mercado, a decisão do STF causou efeito apenas marginal. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo, teve queda de 2,35%, mas, segundo os analistas, a maior parte da queda é atribuída ao cenário externo. O dólar subiu 0,4% também por causa do cenário externo.
A percepção dos analistas ouvidos pela Folha é que hoje já há um descolamento entre a figura de Meirelles e a condução -e manutenção- da política monetária do Brasil, o que faz com que investidores não se assustem com a decisão do STF
Esse tipo de imbróglio com o presidente do BC, dizem, não tem potencial para causar turbulências, como a fuga de investidores ou grandes abalos no risco-país brasileiro. Os analistas argumentam que os demais indicadores da economia e, sobretudo, as indicações oferecidas pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, são os fatores mais importantes.
“Já está claro para nós o que está acontecendo na economia: controle de gastos e políticas fiscais consistentes são decisões do governo como um todo e não apenas de Meirelles ou do Banco Central”, afirmou Alexandre Lintz, estrategista-chefe do banco BNP Paribas.
Há também um certo descrédito com relação a possíveis descobertas de irregularidades ao longo da investigação. “Meirelles já foi investigado anteriormente nos EUA, que têm um sistema rígido, e nada foi encontrado”, diz Lopes”. A princípio, não acredito que sejam feitas grandes revelações nesse caso”, declarou Lintz.
O mercado parece preparado até mesmo para uma saída de Meirelles do comando do BC. “Não tenho preocupação nesse sentido. Além disso, o governo não teria problemas em encontrar um bom substituto para o cargo”, afirmou Lintz
De forma ainda bastante discreta, o nome de Murilo Portugal, indicado para a secretaria executiva do Ministério da Fazenda, já circula como uma boa opção para substituir Meirelles.
A agência americana de risco Moody's recentemente recomendou em seu relatório mensal que seus investidores ficassem atentos à manutenção do status de ministro do presidente do Banco Central do Brasil.
Comments are closed.