A CPI dos Correios e a Polícia Federal vão fazer uma devassa fiscal e bancária na contabilidade pessoal e empresarial do publicitário Marcos Valério, investigado como suspeito de ser o pagador do mensalão aos deputados do PP e PL a mando do tesoureiro do PT, Delúbio Soares. O pagamento seria para que deputados votassem a favor dos projetos de interesse do Palácio do Planalto. O delegado Luiz Flávio Zampronha, que investiga as denúncias de corrupção nos Correios, decidiu ontem pedir uma perícia fiscal nas declarações de Imposto de Renda das empresas de Valério e nas informações tributárias do publicitário como Pessoa Física. A CPI vai decidir hoje se quebra o sigilo bancário também das agências DNA e SMPB, das quais Valério é sócio. Foi o primeiro sigilo bancário quebrado pela CPI.
A comissão quer analisar a movimentação bancária de Valério que, segundo dados oficiais do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sacou R$ 20,6 milhões em dinheiro vivo da agência do Banco Rural em Belo Horizonte entre março de 2003 e maio deste ano. Esta movimentação aumentou ainda mais a suspeita de que o empresário retirou o dinheiro para pagar propina a parlamentares, como denunciou o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Valério negou que tenha sacado o dinheiro para comprar gado para suas dez fazendas que totalizam 42 mil hectares. O publicitário não confirmou no depoimento os valores dos saques registrados pelo Coaf.
Ontem, durante oito horas seguidas, Marcos Valério prestou um confuso depoimento na sede da PF e negou o pagamento de propina aos parlamentares. O publicitário disse que o dinheiro sacado era para pagar fornecedores, comprar ativos e distribuir lucros aos sócios das suas empresas. O empresário não explicou quais ativos teria comprado com dinheiro vivo e nem informou quais os sócios que receberam dividendos das empresas. Os policiais já sabem que a distribuição de dividendos entre sócios em dinheiro vivo é uma das formas de esconder os verdadeiros donos das empresas ou sócios que querem ficar ocultos.
Dividendos
O delegado Zampronha exigiu de Valério que o publicitário entregue os comprovantes do destino de todo o dinheiro sacado no Banco Rural e mostre quais os sócios que receberam os dividendos e os ativos adquiridos. Valério ficou de enviar a documentação nos próximos dias. Até lá o Instituto de Criminalística da PF fará uma detalhada análise em todos os documentos apreendidos na semana passada no escritório de contabilidade responsável pela administração financeira das duas agências de Valério. A PF quer analisar a evolução patrimonial do empresário. Valério chegou à sede da PF pouco antes das 13h e só deixou o prédio às 21h acompanhado de três advogados e sem dar qualquer declaração.
Sempre genérico e evasivo nas respostas, Valério admitiu que viajou muitas vezes de Belo Horizonte para Brasília e que essas viagens podem ter ocorrido nas datas apontadas por sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio e que coincidem com os saques feitos no Banco Rural. O delegado não indiciou o empresário por qualquer crime. Preferiu aguardar as explicações de Valério sobre os saques de grandes volumes de dinheiro, a distribuição de dividendos entre sócios e a compra de ativos alegada pelo empresário como justificativa para tanta movimentação financeira.
A CPI deu prazo de 15 dias para que o Banco Rural envie toda a documentação referente aos saques feitos desde 2003 pelas duas agências de Valério em valores acima de R$ 100 mil. Os parlamentares também decidiram convidar o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, e também pretendem realizar uma reunião sigilosa com os técnicos do conselho em data a ser marcada. A CPI também quer conhecer toda a documentação de saques de dinheiro feitos por Valério nos últimos anos. É que os parlamentares souberam que o Coaf teria elaborado um novo relatório mostrando saques feitos pelas duas agências de Valério, além dos R$ 20,6 milhões já divulgados.
Pagamentos
Um levantamento feito pelo deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP) no Sistema de Administração Financeira (Siafi) revelou que os pagamentos milionários feitos pelo governo às empresas de Marcos Valério têm sido feitos há, pelo menos, quatro anos. E a maior parte das transferências foi feita durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre 2001 e 21 de junho deste ano as empresas do publicitário receberam juntas R$ 57,8 milhões em contratos de publicidade. Em 2001 e 2002 foram pagos R$ 39,4 milhões. Nos dois primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os pagamentos ficaram em R$ 14,822 milhões.
O publicitário também prestou depoimento na Comissão de Sindicância da Câmara e negou que seja o pagador do mensalão. Declarou que por segurança da família não pode dizer, por enquanto, quais os ativos que comprou com o dinheiro sacado no Banco Rural. Valério disse que a sua funcionária Simone Vasconcelos, de fato, viajava a Brasília com dinheiro, mas não era para pagar deputados e sim os fornecedores das duas agências de publicidade que prestam serviços ao governo do DF e à Câmara Legislativa.
Sobre os saques de R$ 20,6 milhões em dois anos, Valério disse que este dinheiro representa apenas 1% do faturamento de uma das suas agências e 4% da outra, deixando a entender que suas empresas têm porte para fazer movimentação financeira desta monta.
No segundo depoimento do dia Valério disse que só conheceu o deputado Roberto Jefferson este ano e que só esteve na sede do PTB uma vez em julho de 2003, e não duas vezes como informou o deputado. Valério admitiu ter feito doações formais a partidos políticos. Também negou ser amigo do ex-ministro José Dirceu e disse que seu amigo no PT é o tesoureiro Delúbio Soares.
Colaborou Helayne Boaventura
Perdão de dívida Isabella Souto Do Estado de Minas O Banco Rural perdoou uma dívida de R$ 11,9 milhões da DNA Propaganda — que tem como um de seus sócios Marcos Valério Fernandes de Souza — contraído em agosto de 1998, com vencimento previsto para 19 de outubro do mesmo ano. A falta de pagamento levou o Banco Rural a ajuizar uma ação de execução contra a DNA, que tramitou na Justiça estadual mineira de dezembro de 2000 a abril de 2003. Em 8 de outubro de 1999, após uma repactuação, foram pagos R$ 2,86 milhões para amortizar a dívida, que na ocasião chegava a R$ 8,17 milhões, restando saldo devedor de R$ 5,3 milhões — sobre o qual incidiriam juros de 1,5% ao mês. Com os sucessivos atrasos de pagamento, a dívida chegava a R$ 9,08 milhões quando o Banco Rural, em dezembro de 2000, pediu a penhora de bens imóveis da DNA e dos seus sócios para quitar o débito. Em 29 de março de 2001, porém, um ofício do Banco Rural à Justiça comunicou que estava em curso negociação para uma “composição amigável” sobre o débito. No documento, ainda é pedida a suspensão do processo por um período de seis meses. Em 20 de abril de 2001 o processo é arquivado. Dois anos depois, extinto definitivamente. “Com o objetivo de composição, que estão as partes efetuando no presente, requerem a extinção do presente feito face o pagamento do débito, ficando desde já convencionado que o ora exeqüente aceita receber, como já recebido, a importância de R$ 2 milhões, para liqüidação do débito, que encontra-se no presente momento, no montante de R$ 13.901.708,12”, diz texto assinado pelos diretores do Rural e sócios da DNA. O Banco Rural e a DNA Propaganda apresentaram ontem notas divergentes à imprensa. A instituição financeira alegou que, em 2003, um acordo gerou a liquidação da dívida. “Quaisquer outras informações não podem ser repassadas, pois ferem a lei do sigilo bancário.” Já a DNA respondeu em nota que “a dívida foi paga na íntegra, principal e juros”, alega. |
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