O governo está disposto a tirar do armário um dos maiores esqueletos da era Collor. Servidores públicos demitidos nos anos 90, e que têm direito a voltar ao trabalho, serão absorvidos pelo Executivo. Ainda está sendo avaliado quando e de que maneira isso acontecerá, mas a decisão já foi tomada. A Comissão Especial Interministerial (CEI) — responsável pela análise dos pedidos de anistia — carimbou em azul seis mil processos até o momento. Outros 9,7 mil aguardam na fila.
A comissão tem até outubro para concluir os trabalhos. Como não será possível, a CEI conseguiu prorrogar suas atividades por mais um ano — o anúncio oficial é aguardado até o fim deste mês. Segundo técnicos do governo, com mais tempo, a expectativa é dar vazão às pendências e reduzi-las a zero. Encerrada essa fase, em tese, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou qualquer outro, não teria dificuldades em repatriar a mão-de-obra expulsa da máquina pública há mais de 10 anos.
A Lei 8.878, conhecida como lei da anistia, descreve as condições para a readmissão dos servidores guilhotinados. O texto, sancionado em 11 de maio de 1994, define como data de corte o período entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992. As demissões ocorridas nesse intervalo, e que se enquadram em uma série de outras exigências, são passíveis de revisão. Os demitidos por Collor de Mello, de acordo com dados não-oficiais, chegam a 108 mil. Desses, 37 mil reivindicaram junto à União a retomada dos cargos. Até 1994, 13,5 mil teriam sido readmitidos, depois de intensas disputas entre o Congresso Nacional, o governo federal e os sindicatos.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, as anistias ficaram praticamente congeladas. A retomada aconteceu, de fato, em 2003. No ano passado, cerca de 600 servidores foram reincorporados aos quadros da União. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) recebeu 588 ex-funcionários, mas nem todos voltaram necessariamente para a empresa, que alegou falta de verbas ou condições estruturais e os remanejou para outros órgãos.
O advogado Ulisses Borges, especialista em causas de anistiados, afirma que o desligamento dos servidores aconteceu de forma brusca e intransigente. “Comparo as demissões do Collor a um navio que, de repente, começou a jogar todo mundo ao mar”, resume. Segundo ele, o Estado gerou um prejuízo incalculável a centenas de famílias e precisa corrigir tal injustiça. “As pessoas tiveram a auto-estima abalada, deixaram o convívio social e agora tentam recuperar o tempo perdido”, completa Borges.
Reparação
O texto da Lei 8.878 é claro ao vetar qualquer possibilidade de compensação financeira aos servidores afastados. “A anistia a que se refere esta lei só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo”, reforça o artigo 6º. Apesar disso, há correntes dentro do movimento sindical que sustentam a tese de que, no mínimo, os anistiados têm direito a uma reparação por danos morais. Há ações na Justiça questionando possíveis prejuízos e, se uma delas obtiver êxito, poderá abrir precedentes.
A aposentadoria dos trabalhadores que voltam à ativa é outra questão polêmica. Ainda há controvérsias se os anos passados longe do serviço público podem ser computados para efeitos previdenciários. Mesmo dentro do governo, as respostas são divergentes. O restabelecimento de gratificações e direitos financeiros vigentes antes das demissões também está em aberto, motivo de irritação e angústia por parte de quase todos os anistiados.
Um outro problema dificulta a vida de quem está apto a voltar ao trabalho. Servidores que ocupavam cargos em empresas que foram extintas ou transferidas para a iniciativa privada vivem sob constante tensão. O principal exemplo é a Companhia Vale do Rio Doce: a CEI recebeu 1.176 processos de servidores interessados em retomar seus empregos. Como a empresa foi privatizada, a solução será distribuí-los em órgãos ligados ao Ministério de Minas e Energia — pelo menos essa é a intenção do governo.
LUPA SOBRE AS ANISTIAS
Comissão Especial Interministerial de Anistia já analisou seis mil processos
Órgão / Nº de funcionários
Banco Meridional do Brasil S. A. (BMB) 32
Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) 5
Casa da Moeda do Brasil 269
Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (CAEEB) 431
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) 831
Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) 195
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) 1
Departamento Nacional de Obras de Saneamento (Dnos) 4
Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.(Embraer) 4
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) 462
Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) 274
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) 112
Empresa de Portos do Brasil S.A (Portobras) 31
Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FAEPE) 37
Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap) 5
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 97
Petrobras Comércio Internacional S.A. (Interbrás) 218
Petrobras Mineração S.A. (Petromisa) 303
Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) 820
Serviço Nacional de Informações(**) 217
Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro)(**) 561
Secretaria da Receita Federal(**) 26
Secretaria Nacional de Cooperativismo (Senacoop)(**) 6
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)(***) 1.120
TOTAL / 6,061
“As pessoas tiveram a auto-estima abalada, deixaram o convívio social e agora tentam recuperar o tempo perdido “ |
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