As investigações sobre a origem e o destino dos R$ 10,2 milhões da Igreja Universal do Reino de Deus, apreendidos no dia 11 de julho em poder do presidente da instituição e deputado João Batista Ramos (PP-SP), estão interrompidas desde a semana passada. Interrogatórios importantes foram suspensos e a Polícia Federal impedida de prosseguir com a apuração porque o Supremo Tribunal Federal (STF) requisitou o inquérito, ainda em andamento. A PF suspeita que a medida tenha ligação com o recém-criado Partido Municipalista Renovador (PMR), patrocinado pela Universal, que necessita de recursos para ser estruturado.
Ao invés de cobrir despesas administrativas de templos espalhados em todo o país, como sustentam os representantes da igreja do bispo Edir Macedo, os R$ 10,2 milhões depositados sob custódia na Caixa Econômica teriam como destino o novo partido, que na última quinta-feira conseguiu a adesão do vice-presidente da República, José Alencar. Os candidatos da sigla precisarão de muito dinheiro para conquistar o eleitorado nas ruas em 2006 e suprir o pouco espaço na mídia para transmitir sua mensagem.
Passados quase 90 dias da apreensão, a instituição religiosa não conseguiu provar a procedência dos recursos. Segundo fontes na PF, dificilmente conseguirá. O único documento apresentado pelo deputado João Batista para justificar a origem e a legalidade do que carregava nas sete malas barradas no aeroporto de Brasília foi uma declaração assinada por ele mesmo, segundo a qual o dinheiro seria resultado do dízimo. A declaração nem faz referência a valores.
A PF aguarda do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta) o plano de vôo da aeronave usada pela Universal. Outra informação que pode ajudar na apuração foi pedida ao Banco Central. A PF quer saber o destino das cédulas de R$ 100 em série — num total de R$ 2 mil — encontradas no pacote de dinheiro. Os números em série são indícios fortes de que pelo menos parte dos recursos tenha saído de instituições bancárias, não sendo fruto de doações. Conforme a resposta do Bacen, será possível identificar qual instituição bancária recebeu o dinheiro e quem o sacou. Em uma outra frente de trabalho, a PF ouviria novamente o deputado João Batista e os pastores que o acompanhavam na viagem. Houve contradições nos primeiros depoimentos. Também seriam interrogados funcionários administrativos da Universal.
Três crimes
Para cumprir todas essas ações, será preciso muito tempo, segundo os investigadores. O inquérito foi aberto por suspeita de crimes de suspeitar de crimes como evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. A decisão do STF, que na última quarta-feira encaminhou os documentos já obtidos à Procuradoria-Geral da República (PGR), atrapalha os planos dos policiais. A PF acredita que a requisição do inquérito se deva a algum novo pedido feito pela Universal de liberação do dinheiro retido. A assessoria de Comunicação do STF informou não ser possível fornecer detalhes sobre o caso porque o inquérito tramita em segredo de Justiça. Procurada, a PGR explicou também que não poderia se manifestar.
A reportagem do Correio Braziliense tentou falar com o deputado João Batista Ramos, mas ele não foi localizado em seu gabinete na Câmara desde quinta-feira. Também não foi encontrado na sede da Igreja Universal em São Paulo. Tanto ele quanto a advogada Adriana Guimarães Guerra, que acompanha o inquérito no STF, não retornaram os recados deixados com secretárias.
O senador Marcelo Crivella (RJ), que se filiou na última semana ao PMR, nega que o dinheiro sob custódia esteja nos planos do PMR e argumenta que a lei eleitoral não permite que igrejas façam doações para partidos ou associações. “O dinheiro tem que ser usado para o crescimento da Universal. Não se pode misturar uma coisa com outra”, afirma. Só que a separação entre assuntos religiosos e outros negócios não é algo comum na Universal. O próprio Crivela e o deputado João Batista aparecem como réus em inquérito que tramita também no STF sobre o suposto envolvimento da igreja com duas empresas sediadas em paraísos fiscais — a Cableinvest e Investholding — que financiaram a compra da TV Record do Rio de Janeiro, em 1992, e a de outras emissoras ligadas à igreja. Negociações que levantaram suspeitas de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro por parte de pessoas ligadas à Universal.
Rota suspeita A Polícia Federal não descarta a hipótese de o dinheiro apreendido da Igreja Universal ter vindo de fora do país e passado por mãos de doleiros. Ainda não há informações completas sobre a rota do jatinho Citation-X — o avião alugado pela Universal e que transportava o deputado João Batista e outros integrantes da cúpula da igreja na data da apreensão. A aeronave aterrissou em Brasília na manhã de 11 de julho proveniente de Belém, no Pará, e partiria para São Paulo (SP), com escala em Goiânia (GO). A partir de uma denúncia anônima, a PF abordou o jatinho quando ele já se preparava para decolar. Passageiros e tripulantes foram detidos e liberados no mesmo dia. Durante a contagem do dinheiro, foram descobertas 16 cédulas falsas, entre notas de R$ 10 e R$ 50. |
Comments are closed.