Fotos: Carlos Moura/CB |
Amir Lando lamenta: “Se me perguntarem se tenho certeza do que vai acontecer, digo que não. Entrego nas mãos de Deus” |
Abi-Ackel: “Não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens” |
A CPI também não conseguiu investigar a denúncia dos petistas de que, em 1997, também houve compra de votos para a aprovação da emenda que permitiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Decepcionado, Amir Lando encerrou ontem à noite os trabalhos da CPI lamentando o fim melancólico da investigação que dirigiu. “Se me perguntarem se tenho certeza do que vai acontecer, digo que não. Se me perguntarem se estou exultante, digo que não. Entrego nas mãos de Deus, o senhor do universo”. Lando, que foi o relator da CPI que investigou o esquema Collor/PC Farias, em 1992, tentou justificar o fracasso: “Produzimos um trabalho que, se não foi o desejável, foi o possível”.
Em 120 dias de atuação, a comissão conseguiu produzir centenas de requerimentos, 657 no total. Destes, 234 foram aprovados. As audiências foram realizadas, mas nada conseguiram acrescentar ao que tinham dito Jefferson, Marcos Valério e Delúbio Soares nos primeiros depoimentos à CPI dos Correios. “Estamos caminhando para um fim melancólico de não deliberar coisa alguma”, lamentou Abi Ackel.
O relator citou oito situações nas quais constatou vários crimes praticados por Valério e seus sócios, por Delúbio e diretores dos bancos Rural e de Minas Gerais, mas admite que “não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas em virtude da ausência de provas concretas que permitam a atribuição de responsabilidade penal”. O relatório diz, ainda, que “são múltiplos os indícios de que houve distribuição de recursos financeiros a deputados da base de sustentação parlamentar do governo”. A excessiva formalidade no tratamento dado por Abi-Ackel ao seu relatório fez com que o relator rejeitasse a caracterização de mensalão nos pagamentos de propina a parlamentares.
Abi-Ackel apontou no relatório que os recursos levantados por Valério junto aos bancos Rural e de Minas Gerais também serviram para pagar os custos de campanhas eleitorais municipais do ano passado nos estados do Ceará, São Paulo, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Novamente, o relator não apontou os nomes dos candidatos ou partidos que receberam dinheiro do valerioduto. Ele ressaltou, ainda, que há discrepância entre o que admite ter recebido o ex-deputado Valdemar da Costa Neto (PL) — R$ 6,5 milhões — e o que garante ter pago o Marcos Valério — R$ 10,8 milhões.
A mesma controvérsia foi detectada pelo relator entre os depoimentos de Valério e o ex-tesoureiro informal do PTB Emerson Palmieri. O empresário diz que pagou R$ 2,4 milhões. Palmieri nega ter recebido o dinheiro. O trabalho de Abi-Ackel, ao contrário das demais CPIs no Congresso, conseguiu identificar o corruptor (Marcos Valério), mas não apontou qualquer um dos parlamentares corruptos. Apesar de ter admitido em depoimento que recebeu dinheiro do caixa 2 para todas as suas campanhas, inclusive de Valério no ano passado, o nome do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, por exemplo, hoje prefeito Uberaba (MG), não apareceu no relatório. Ackel não explicou a razão.
Batalha política
Os parlamentares governistas e da oposição passaram os últimos dois dias encenando um pastelão e se agredindo na disputa pela prorrogação do prazo final da CPI. Ontem em uma sessão informal, sem quorum ou a presença de Amir Lando, Abi-Ackel resolveu ler informalmente o relatório. Nos últimos três dias, governistas e parlamentares da oposição travaram uma batalha política em torno da proposta de renovação do prazo de funcionamento da comissão. Com a descoberta de que o prazo do trabalho iria acabar à meia-noite da última quarta-feira, começou uma corrida em busca de assinaturas para garantir a prorrogação. A oposição queria esticar o prazo, mas não conseguiu número suficiente de assinaturas. Já no Senado, os oposicionistas eram contra a prorrogação, e os governistas admitiam novo prazo.
Até as 22h45 de ontem, os líderes oposiconistas tinham conseguido menos de 150 das 171 assinaturas necessárias para a prorrogação da CPI. “É um fim melancólico”, lamentou o deputado José Rocha (PFL-BA), um dos mais ferrenhos oposicionistas. Consultado sobre o impasse, o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), transferiu a responsabilidade pela crise aos líderes de partidos: “Sem acordo na Câmara, a CPI acabou”. Os parlamentares do PT queriam utilizar a proposta de adiamento da Comissão do Mensalão, desejada pelas oposições, para tentar retirar as assinaturas de outra CPI, a dos Correios, que foi prorrogada até abril.
Os petistas chegaram a estudar prorrogar a CPI do Mensalão em troca do fim da comissão dos Correios. Mas a manobra não deu certo. “Se não foi possível retirar as assinaturas da CPI dos Correios um dia depois do prazo, como poderemos incluir assinaturas um dia depois de encerrado o prazo para a comissão do mensalão?”, questionou o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). No final, uma constatação: “Boa parte dessa comissão fez jogo de cena. Temos que assumir nossa incompetência”, disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
Balanço Custo – R$ 4,7 milhões Depoimentos/Reuniões – 34 Requerimentos apresentados – 657 Requerimentos aprovados – 336 Requerimentos pendentes – 315 Documentos sigilosos requisitados – 60 Documentos não sigilosos requisitados – 137 |
Os principais pontos do parecer 1 Os R$ 55,2 milhões de empréstimos tomados pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, seus sócios e empresas, junto aos bancos Rural e de Minas Gerais, foram para transferências irregulares de dinheiro a Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. 2 Ao autorizarem os empréstimos, os diretores dos dois bancos assumiram as responsabilidades legais decorrentes, contrariando deveres impostos pela legislação que rege o funcionamento das instituições bancárias e a licitude dos contratos. 3 O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares praticou atos incompatíveis com a condição de dirigente nacional de partido político e descumpriu vários artigos da Lei Orgânica dos Partidos e da legislação eleitoral. 4 Marcos Valério, Delúbio Soares, Rogério Tolentino, Cristiano de Melo e Paz e Ramon Hollerbach Cardoso, avalistas dos empréstimos ou emitentes dos títulos de crédito destinados a levantar dinheiro, sabiam que os empréstimos eram uma simulação, assim como o destino ilícito dos recursos. 5 A diretora financeira da SMPB, Simone Vasconcelos, Marcos Valério e Delúbio são co-autores em crimes contra o sistema financeiro. Eles sabiam que o dinheiro tomado aos bancos era destinado a assegurar vantagens indevidas a parlamentares e a financiar pagamento de despesas decorrentes de campanhas políticas. 6 Valério, Delúbio, Simone, o doleiro Jader Kaled, o publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes são co-autores no crime de evasão de divisas. O dinheiro foi enviado ilegalmente pelo PT ao exterior para quitar uma dívida da campanha de 2002 do presidente Lula com Duda. 7 foi possível relacionar os nomes de parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas, em virtude da ausência de provas concretas que permitam a atribuição de responsabilidade penal a deputados. Mas são múltiplos os indícios de que houve distribuição de dinheiro a deputados da base de sustentação parlamentar do governo. 8 O recebimento desse dinheiro não caracteriza o “mensalão”. Mas houve, sem dúvida, pagamentos de dinheiro em espécie, em alguns casos em prestação única e outros em prestações sucessivas. A não citação de nomes se deve ao fato de não ter havido confissões pessoais ou de terceiros nem flagrante. |
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