A diferença entre os defensores que participaram do referendo sobre comércio de armas de fogo não se limitou ao número de votos, mas também ao custo da campanha. A Frente Pelo Direito à Legítima Defesa, que conquistou 64% do eleitorado em 23 de outubro pregando a manutenção da venda de armas no país, gastou R$ 5,7 milhões. Noventa e cinco por cento desses custos foram bancados pela indústria armamentista. A Taurus, maior fabricante de armas do país, destinou R$ 2,8 milhões. A Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) doou R$, 2,7 milhões.
O restante do dinheiro veio de empresas de pequeno e médio porte, como lojas de armas ou de caça. A frente não ficou devendo um único centavo. Já as despesas da Frente Por um Brasil Sem Armas ultrapassaram R$ 2,2 milhões. Além de amargar a derrota, os integrantes da frente terão de cobrir um rombo de R$ 313 mil nas suas contas.
O prazo para entrega da prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terminou quarta-feira. Contudo, apenas a Frente Brasil sem Armas entregou as informações sobre os gastos de campanha. A chapa adversária entrou com uma petição requerendo o adiamento da prestação e pretende entregar os dados até a próxima quarta. Ao contrário do que acontece em uma eleição comum, a legislação não prevê punições para quem desrespeita o prazo no caso de uma consulta popular, determina apenas que os responsáveis responderão penalmente.
O grupo favorável ao fim do comércio de armas contou com pequenas doações de empresas como a Ambev, fabricante de bebidas que não seria diretamente beneficiada pelo resultado da votação. Já os adversários receberam o apoio de gigantes da indústria armamentista. A avaliação é de que se não contribuíssem financeiramente poderiam ter seus interesses comerciais ameaçados.
As maiores doações para a campanha pró-desarmamento foram a Ambev e a TNL Contax, empresa de call center. Cada uma contribuiu com R$ 400 mil, valor que corresponde a menos de 50% das despesas acumuladas, bancadas ainda pela Companhia Siderurgica Nacional (CSN) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Embora apoiada por organizações não-governamentais que recebem recursos do exterior, a frente não recebeu essas contribuições por causa da legislação que impede repasses do exterior.
Mídia
A maior parte dos recursos das duas frentes foram destinados à produção dos programas de rádio e televisão exibidos entre 1º e 20 de outubro. Enquanto a GW, principal produtora da Frente Brasil Sem Armas, recebeu R$ 200 mil para realizar os programas de nove minutos, divididos em dois blocos, a produtora do jornalista Chico Santa Rita ganhou R$ 3,8 milhões. Outros R$ 418 mil foram usados com pesquisas de opinião.
As despesas não se limitaram aos gastos com produção de programas. O dinheiro foi usado para pagar passagens aéreas e acomodação dos representantes dos grupos que viajaram pelo país fazendo palestras e promovendo eventos. Apenas com contas telefônicas, a frente pró-armas gastou R$ 4,3 mil. O valor é pouco menor do que o gasto com cachês artísticos: R$ 6,5 mil. Com apoio de artistas populares, a outra frente não teve esse tipo de despesa.
Rivalidade continua
O fim da campanha e o anúncio do resultado do referendo há um mês não acabaram com o clima de rivalidade entre os representantes das duas frentes parlamentares que disputaram a atenção do eleitorado. A divulgação dos gastos de campanha contribuiu para deflagrar uma troca de farpas entre os principais nomes de cada uma das frentes. “A máscara caiu. Eles não estavam defendendo os direitos dos cidadão, mas os lucros da indústria das armas”, acusa o deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Secretário-geral da Frente Brasil Sem Armas, ele lembra que durante a campanha os adversários negavam representar ou receber interesses dos fabricantes de armas.
O deputado Alberto Fraga (PFL-DF), que foi presidente da frente pró-armas, reconhece que o valor de R$ 5,7 milhões foi mais do que o dobro do previsto, mas garante que esse é o custo de uma campanha do porte da que foi realizada. O parlamentar lançou dúvidas sobre os números dos adversários. “Só podem ter feito caixa dois. Só o que eles gastaram com outdoors dá mais de R$ 3 milhões. Foram uns mil, pelo menos, espalhados nas principais capitais do país”, calcula Fraga.
Indignado, Jungmann pretende interpelar judicialmente o deputado por causa das declarações que ele considera “irresponsáveis”. Na avaliação de Jungmann, os argumentos de Fraga têm como objetivo desviar a atenção do fato de a maior parte dos recursos da frente adversária ter saído de fabricantes de armas como a Taurus, que contribuiu com R$ 2,8 milhões. Ele ressalta que, ao contrário de Fraga, toda a prestação de contas de sua campanha estava disponível na internet e podia ser acompanhada on line.
O deputado brasiliense disse que não teve como controlar os gastos da campanha porque as despesas da agencia de publicidade contratada foram repassadas diretamente pela Taurus e pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). “Não mexemos com dinheiro. Eles acertaram tudo. E é lógico que quem tinha que financiar era a Taurus. Já que nos chamavam de bancada da bala tinhamos que fazer jus ao título. Quem iria nos financiar ?”, ironizou. (AC)
Comments are closed.