Horas depois de ter o mandato cassado por 293 votos a 192 na madrugada de ontem, o deputado José Dirceu (PT-SP) reapareceu na Câmara bem-humorado para dizer que já cumpriu seu papel na política, que não pretende voltar ao governo e que seguramente cometeu erros, mas nenhum que o desonre. Disse estar vivendo um momento de extrema dor, como se tivesse perdido a própria vida, mas se negou a nomear os que assistiram à sua queda sem tentar impedi-la. Foi formal ao falar do presidente Lula, disse que não quer guardar mágoas nem rancor, mas num desabafo disse que nos piores momentos alguns agiram com sordidez e covardia.
— Com a minha experiência não alimento muitas ilusões sobre personagens que brilham na política brasileira. Se não tive ilusões, não tive desilusões. Sou eternamente grato aos milhares de brasileiros que comigo se solidarizaram. Prefiro pensar e olhar mais em quem esteve ao meu lado. Teve momentos em que tive dúvidas se iria resistir ao dia seguinte. Nesses momentos alguns se comportaram entre a sordidez e a covardia, mas fui à guerra, e já vi coisas piores — disse.
O futuro agora será como advogado. Para reforçar o caixa, se dedicará ao livro sobre os 30 meses na Casa Civil, que, disse, não será chapa-branca. Contará o que estiver dentro do limite, sem entrar em segredos de Estado. Sobre o futuro dos companheiros petistas que estão na lista da degola, fora da entrevista coletiva ele disse não ter dúvidas de que o seguirão em breve:
— Serão todos cassados!
“Sou só o Zé Dirceu, e me sinto bem”
Irônico e mordaz, Dirceu fez piadas e insinuações não concluídas como quando disse que se fosse presidente do PT “isso (as investigações nas CPIs) seria bem diferente”. Depois disse que havia cometido um excesso verbal. Perguntado se o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, resiste, disse que a oposição está tentando desestabilizá-lo há tempos, e deixou no ar frase sobre denúncias.
— Resiste, espero que sim. As denúncias contra o ministro são… não, não vou falar.
Sobre a votação que lhe cassou o mandato por 293 votos, classificou de um erro gravíssimo, mas legitimo:
— Perdi meu mandato e isso não é pouca coisa. Foi uma violência! Estou me sentindo como se tivesse perdido a própria vida! É uma dor que ninguém pode imaginar, mas espero ter forças para superar.
Sobre a tese de tirar dos parlamentares e transferir do Parlamento para o STF o poder de cassação, ele disse que já tentou fazer essa discussão. A idéia é suspender o mandato até o julgamento no Supremo. Se inocentado, o parlamentar reassume.
Um dos únicos momentos em que o ex-deputado se incomodou foi ao ser perguntado se estava sustentando o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Muito irritado, disse que não tem condições financeiras para isso e defendeu o ex-tesoureiro com veemência.
— Isso é desrespeito! Isso é uma ofensa à minha honra! Não tenho dinheiro nem para pagar a pensão das minhas filhas na semana que vem! O Delúbio é um homem simples e não houve enriquecimento pessoal ilícito. Eu não estou podendo me sustentar muito menos sustentar o Delúbio!
A promessa de que continuará militando se cumpre hoje num ato de apoio a João Paulo Cunha (PT-SP) em Osasco. Disse que é zero a chance de voltar ao governo:
— Vou defender o que seria um programa para um segundo mandato do presidente Lula.
O tempo todo Dirceu disse que sua cassação foi política, e que não aceita que ela passe para a História como o resultado de corrupção.
— Arrependo-me de muitas coisas, minha vida sempre foi um risco. Vou começar do zero, já fiz isso na vida. Fui cassado pelas minhas qualidades, pelo que fiz no PT e no governo.
Dirceu brincou, evitou polêmicas e frisou que é um homem comum:
— Sou apenas o Zé Dirceu. E me sinto muito bem como Zé Dirceu… O que me resta a não ser o bom humor?
Alguns trechos da entrevista:
LULA: “Quero reiterar meu agradecimento ao presidente Lula, que disse a todo o país, com a responsabilidade do presidente da República, que eu era inocente e que não havia provas contra mim.”
CASSAÇÃO: “A cassação sem provas foi um erro gravíssimo (…) mas respeito a decisão da Câmara porque teria a mesma legitimidade da minha absolvição. (…) Lamento que a Câmara tenha feito uma cassação política.”
APOSENTADORIA DA CÂMARA: “Aposentadoria para quê? Sou novo, tenho 59 anos, vou trabalhar!”
LIVRO DE MEMÓRIAS: “ Será para ajudar o Brasil a repensar o Estado.”
MENSALÃO: “Se se provar que existiu mensalão eu aceito, mas ninguém provou.”
CORRUPÇÃO: “Não fui cassado por corrupção, não sou corrupto, e tenho as mãos limpas. Quero ser investigado até o final, mas foi uma cassação política.”
APENAS O ZÉ: “Sou ex-presidente do PT, ex-ministro, ex-deputado. Hoje sou apenas o Zé Dirceu (…) Não me sinto nessa posição de vítima, tem coisa muito mais grave acontecendo no país.”
POLÍTICA: “Não vou deixar de fazer política. Hoje mesmo estou fazendo, já conversei com muita gente, recebi muita gente. A única questão é que não sou mais deputado.”
RECURSO AO STF: “Se houver qualquer falha no processo, meus advogados me comunicarão, analisarei do ponto de vista jurídico, mas não tenho ânimo de ir ao STF.”
VOLTA AO GOVERNO: “A chance é zero, não tenho intenção de voltar ao governo. E nem sei se alguém tem intenção de me convidar.”
PROJETO DE PODER: “Já cumpri meu papel na política. Não volto ao passado, olho sempre para a frente. (…) Vou continuar fazendo política com muita paixão, com muita fé, a única coisa que me restou.”
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