COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N.º 275, DE 2001.
Atualiza a ementa e altera o art. 1º da Lei Complementar n.º 51, de 20 de dezembro de 1985, que dispõe sobre a aposentadoria do funcionário policial, nos termos do art. 103, da Constituição Federal, para regulamentar a aposentadoria da mulher servidora policial.
Autor: SENADO FEDERAL
Relator: DEPUTADO ROBSON TUMA
I – RELATÓRIO
O funcionário policial tem sua aposentadoria regulamentada na Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, sancionada na vigência da Constituição Federal anterior, razão pela qual sua ementa faz referência ao art. 103, que dispunha sobre a iniciativa exclusiva do Presidente da República para indicar, por Lei Complementar, quais os servidores teriam direito a aposentadoria especial.
Referida Lei, recepcionada pela Constituição vigente, dispõe em seu art. 1º, inciso I, sobre a aposentadoria voluntária do funcionário policial após 30 anos de serviços, desde que sejam ao menos 20 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial. Esse dispositivo, em tese, abrange tanto os policiais do sexo masculino quanto os do sexo feminino, indistintamente.
A receptividade da Lei Complementar nº 51, de 1985, pela atual Constituição Federal, deu-se por força da harmonia dessa norma com o novo sistema constitucional vigente.
Face a ocorrência do fenômeno da receptividade, o Projeto Lei Complementar nº 275/2001 pretende, de início, atualizar a ementa da Lei Complementar nº 51/85, que tem a sua referência a artigo da Constituição já revogada para ancorá-la ao dispositivo que lhe garantiu a vigência harmônica com a nova ordem constitucional, já com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
A Proposta, ora em referência, também, invoca a aplicação sistemática do princípio da isonomia constitucional, introduzindo na Lei, cuja ementa se pretende atualizar, o parâmetro estabelecido pela própria Constituição para a aposentadoria do homem e da mulher, de modo a prever que o servidor público policial será aposentado:
I. compulsoriamente, aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, qualquer que seja a natureza dos serviços prestados;
II. voluntariamente, com proventos integrais, após 30 (trinta) anos de contribuição, com pelo menos 20 (vinte) anos de serviço estritamente policial, se homem, e com 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, com pelo menos 15 (quinze) anos de serviço estritamente policial, se mulher.
O presente Projeto foi aprovado pelo Senado Federal, da forma como se apresenta. Ora tramitando na Câmara, recebeu os pareceres favoráveis, com a devida aprovação nas Comissões: de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; na de Trabalho, de Administração e Serviço Público; na de Seguridade Social e Família; e na de Finanças e Tributação; e, por último, hoje, nesta Comissão.
II – VOTO DO RELATOR
Com a entrada em vigor da atual Constituição Federal, houve o pleno reconhecimento da especificidade da função policial que expõe o seu titular a situações de constante enfrentamento das mais variadas ocorrências contra todo tipo de delinqüentes e de criminosos; sejam eles componentes de quadrilhas ligadas ao crime organizado de narcotraficantes, de contrabandistas, de seqüestradores, de contrabando e tráfico de armas de alta tecnologia, do crime eletrônico e de outros menos especializados, porém, certamente, não menos danosos à sociedade.
É inquestionável o direito dos policiais tanto os da esfera estadual quanto os da federal à aposentadoria especial, enquadrando-se naqueles casos ressalvados no § 4º do art. 40 da Constituição que ampara as atividades exercidas sob “condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física”, pois só o fato de ser policial, o servidor está exposto a riscos permanentes. Tal situação gera imenso estresse na vida profissional, trazendo conseqüências que comprometem a saúde e a integridade física do policial.
Prova disso é que pesquisas científicas realizadas nesse campo, abalizadas por organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), classificou a atividade policial como a segunda mais estressante do mundo, perdendo apenas para a dos mineiros das minas de carvão, classificação essa reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), indicando que a única atividade social exercida nessa situação é a atividade policial.
Os servidores policiais são detentores do poder que o Estado delega a uma categoria especial de servidores. Isso os torna uma categoria diferenciada, porque com seu trabalho meritório, perigoso e estressante são destinados a garantir, até com risco da própria vida, a integridade física e o patrimônio dos cidadãos comuns.
A atividade de natureza policial é sempre perigosa, requerendo dedicação exclusiva dessa categoria de servidor público, diuturnamente, muito além das 44 horas semanais exigidas do trabalhador não policial, dedicação essa que requer cada minuto, cada segundo do policial ao longo da sua vida funcional, impelindo a sacrifícios pessoais e inúmeras vezes a privação do convívio familiar.
A Lei Complementar nº 51/85 trata especificamente do reconhecimento das condições especiais a que estão sujeitos os que exercem a função policial, quando dispõe sobre a regulamentação da aposentadoria dessa categoria de servidores.
É cristalina a sintonia dessa Lei com o disposto no § 4º do art. 40 da Constituição que determina que a lei complementar pode adotar requisitos diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos policiais.
A mencionada Lei Complementar, ainda, que editada sob o regime constitucional anterior, foi sem sombra de dúvida recepcionada pela Constituição vigente. Pois, conforme ensina Marcio Augusto de Vasconcelos Diniz (in “Controle de Constitucionalidade e Teoria da Recepção”).
“O fenômeno da recepção, processo legislativo abreviado, implica a absorção, pela nova ordem, das normas inferiores vigentes sob o manto do antigo sistema constitucional, dando-lhe novo fundamento de validade. Procura-se dar continuidade à dinâmica das relações sociais, sem que seja necessária nova atividade legislativa integradora”.
Entretanto, a Lei Complementar nº 51/85, sabiamente recepcionada pela Constituição, foi editada em época na qual o exercício da atividade policial era, quase totalmente um monopólio masculino, não incluindo em suas disposições as condições distintas para a aposentadoria da mulher, reconhecidas pela nossa Constituição.
Ocorre que a dinâmica social dos novos tempos deu lugar ao alargamento das fronteiras dos espaços políticos, sociais e profissionais conquistados pelas mulheres em todos os setores da vida pública. Verificando-se um aumento gradativo da mão-de-obra qualificada feminina na área de segurança pública, fator que por si só impõe a atualização da norma legal, ora cogitada nessa Proposta. Remetendo-a ao princípio da isonomia constitucional, referido no art. 40, § 1º, inciso III, alíneas a e b da Constituição Federal, quanto à redução em cinco anos do tempo de contribuição, exigida das mulheres para aposentadoria, dentro dos padrões de igualdade estabelecidos pela própria Constituição, que contempla a distinção biológica entre os dois sexos.
Temos, então, que em razão da aplicabilidade sistemática do princípio da isonomia constitucional, o trabalhador comum se aposenta com 35 (trinta e cinco) anos de contribuição e a trabalhadora comum aos 30 (trinta) anos de contribuição.
Dentro deste mesmo princípio de isonomia, têm-se que em relação ao magistério, segundo reza o art. 40, § 5º da Constituição Federal, o exemplo prático da categoria do professor de ensino fundamental que se aposenta com trinta anos de contribuição e a professora com vinte anos de contribuição.
No caso em apreciação, devido a citada Lei referir-se, de um modo geral à aposentadoria do funcionário policial, acabou por excluir de sua regulamentação, na aplicabilidade da mesma, a aposentadoria da policial mulher, apenas por uma questão de interpretação gramatical, deixando-a ao largo do trato dessa matéria. Daí a necessidade de se atualizar a ementa dessa Lei Complementar, que faz referência a artigo da Constituição já revogada, para a referência ao parágrafo 4º do art. 40 da atual Constituição Federal, visando regulamentar a aposentadoria da servidora policial, conforme o proposto no Projeto de Lei Complementar nº 275/2001.
Sabe-se que a policial mulher é submetida às mesmas condições de recrutamento, seleção e habilitação profissional do homem policial, cumprindo igual carga horária, com dedicação exclusiva ao serviço, dando plantões em escalas igualitárias, arcando com as mesmas responsabilidades funcionais e profissionais e missões idênticas, sendo regida pelos mesmos princípios e normas no exercício da função policial e conduta disciplinar do seu congênere masculino.
Essa aberrante discriminação fere o princípio da isonomia constitucional. Urge, portanto, adequar a norma ao princípio da isonomia, que, conforme o ensinamento magistral de Ruy Barbosa, se caracteriza por tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, impõe-se alterar o diploma legal para nele introduzir a mesma diferença entre homem e mulher constante da Constituição Cidadã, para a aposentadoria voluntária.
No que diz respeito à forma de iniciativa dessa Proposta, vale ressaltar que em se tratando de lei nacional e, ainda, de aplicação sistemática da Constituição, especificamente do princípio de isonomia, esta casa Legislativa tem legitimidade para deliberar sobre a matéria, a exemplo do Senado Federal, não se fazendo necessária a exigência, no presente caso, do contido no art. 61, § 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal.
Pelo exposto, considerando a pertinência da harmonia e da adequação constitucional da Proposta ora apreciada, somos pela aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 275/2001, por apresentar-se constitucional, jurídico e regimental, de boa técnica legislativa e, no mérito, oportuno e conveniente.
Sala da Comissão, em 04 de dezembro de 2002.
Deputado Robson Tuma
Relator
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