Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, novo alvo da crise que já varreu da Esplanada companheiros até outro dia muito prestigiados, quer ficar no cargo por dois motivos: para preservar sua biografia e por lealdade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é amigo há duas décadas. “Se eu sair, eles vão pra cima do presidente”, afirma o ministro a interlocutores, quando questionado se pretende renunciar.
“Eles”, no caso, é uma referência à oposição, embora Bastos tenha um amigo fiel nas fileiras do PFL que bate sem parar no governo – o senador Antonio Carlos Magalhães (BA). ACM esteve ontem em seu gabinete. Para ele, a crise envolvendo Bastos começou a se esvaziar.
Em conversas reservadas, o ministro avalia que Lula será reeleito. Mas ele já avisou que não ficará na equipe num eventual segundo mandato do presidente. “Quando entrei, eu disse que ficaria dois anos, mas fiquei três e agora fico até o fim”, comentou o ministro com um colega. “Não vou sair agora, a menos que eu seja demitido.”
Bastos se diz disposto a permanecer, mas é um ministro abatido, visivelmente ferido pelos golpes que a oposição lhe desfere e pelas denúncias de que teria tentado acobertar o então titular da Fazenda, Antonio Palocci – sob suspeita da Polícia Federal, que o aponta como mandante da operação ilegal para quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo.
Quando fala sobre o assunto, o ministro afirma estar “entristecido, muito magoado” com o fato de ver seu nome associado à violência contra o caseiro. Na segunda-feira, participou de reunião com Lula. “Presidente, eu não sou desses ministros grudados no cargo”, avisou.
Lula deu apoio a Bastos: “Eu não vou fazer o jogo da oposição.” Irritado com o cerco implacável de tucanos e pefelistas, que, a seu ver, “passaram dos limites”, o presidente disse ao ministro: “Vai pra cima deles.”
Na tarde de ontem, um amigo lhe perguntou sobre seu estado de ânimo. Bastos respondeu que estava “tranqüilo, mas chateado e aborrecido profundamente” com a história de que, na reunião do último dia 23 na casa de Palocci com o criminalista Arnaldo Malheiros Filho – apresentado por ele ao ex-chefe da Fazenda -, alguém teria proposto R$ 1 milhão a quem assumisse a invasão da conta do caseiro. “Nem passou por perto, é absolutamente inverossímil que essa conversa tenha ocorrido comigo, ministro da Justiça, e com o Arnaldo, que haviam acabado de conhecer. Isso é surrealista, não é verdade nem parece verdade. É uma invenção, estão envenenando.”
O desmentido será feito no plenário da Câmara, na próxima terça-feira. Sempre lembrando que “um ministro da Justiça, por definição, tem que ser cauteloso, cuidadoso”, Bastos dirá que foi Palocci quem pediu a indicação de um advogado, embora sem confessar sua participação na quebra do sigilo do caseiro. Alegava que precisava saber as conseqüências jurídicas do que ocorrera. “Meu papel é dar opiniões jurídicas ao presidente da República”, destacará Bastos, ao falar para os deputados. Ele não vai negar, no entanto, o que todos já sabem: ” Sou amigo do Palocci.”
Bastos não vê motivos para que a PF tome seu depoimento – ainda que dois assessores seus (Daniel Goldberg e Claudio Alencar), tenham ido a reuniões com Palocci. “Agiram de forma absolutamente normal”, disse ele a Lula.
Nas reuniões palacianas, o ministro da Justiça tem admitido que a crise e a pressão o desgastam demais. “É muito ruim para mim, magoa muito, mas não a ponto de me fazer dispor do cargo. Se eu sair, eles vão pra cima do Lula”, observa. A seus interlocutores, Bastos afirma que “não passa pela cabeça” deixar a pasta agora também porque preza muito sua biografia – 50 anos de embates nos tribunais, um currículo vitorioso. “Por isso, pela minha biografia e para defender minha honra, é que vou ao Congresso”, insiste.
Quando falou a Lula, ainda em março, sobre a quebra do sigilo, Bastos foi categórico: “Presidente, mandei abrir inquérito. É uma situação grave, séria, a gente não sabe para que lado vai. A investigação não pode ser uma coisa precipitada, até porque de um lado tem o ministro da Fazenda. Será a debacle”, previu.
Após a reunião na casa de Palocci, três dias depois, o ministro da Justiça voltou à Esplanada. Às 20 horas, ligou Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula. “O presidente quer que você venha.” Palocci aguardava. Lula e Bastos conversaram. “Já tem alguma coisa?”, indagou Lula. Aí, Palocci ouviu do presidente. “Eu estou achando que você perdeu as condições de ficar.”
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