O capítulo final deveria ter ocorrido há quase quatro meses. Mas apenas na noite desta terça-feira o governo pagou a última parcela do preço para ver aprovado o Orçamento Geral da União de 2006. O Palácio do Planalto aceitou liberar R$ 381 milhões para atender às exigências da oposição, o último entrave à aprovação da lei orçamentária. Vencido o obstáculo, os parlamentares aprovaram o texto, tarefa que deveria ter sido cumprida até 31 de dezembro de 2005. Mas foi adiada devido aos embates provocados pela eleição.
O governo agora poderá evitar a edição de uma megamedida provisória (MP) de R$ 24 bilhões, que tinha o objetivo de driblar a falta de lei orçamentária. E terá três meses antes da campanha para executar um Orçamento cheio de bondades eleitorais e liberar R$ 21,2 bilhões em investimentos.
O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, foi o arauto da proposta governista. Reuniu-se, no meio da tarde, na sala do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o relator do Orçamento, Carlito Merss (PT-SC), e os líderes da oposição. Transmitiu um recado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o governo iria atender às últimas exigências dos parlamentares. “Todas as conversas convergiram para a votação do Orçamento”, sintetizou um discreto e otimista ministro logo após a reunião.
Mas ficou até as 22h nas mãos do governador de Sergipe, João Alves (PFL), a aprovação do Orçamento, quando finalmente o projeto começou a ser votado. A exigência do pefelista nem era a mais cara e não tinha relação com a lei orçamentária. Mas era a mais complexa. João Alves cobrava a liberação de um documento pelo Tesouro Nacional que lhe permitirá receber recursos de bancos estrangeiros e o financiamento de R$ 90 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de uma ponte entre Aracaju e Barra dos Coqueiros (SE), uma de suas bandeiras da campanha à reeleição. Os pefelistas acusavam o governo de perseguição política a João Alves para beneficiar o candidato do PT ao governo local, Marcelo Déda.
O governador veio a Brasília às pressas. E à noite aceitou a promessa governista de que o documento será apresentado pelo Tesouro e os recursos, liberados. “O que peço não é favor, não é dinheiro, é respeito pelo estado”, justificou.
Gasoduto
O texto da proposta também foi modificado para atender a um pedido do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). O orçamento da Petrobras foi alterado para destinar R$ 110 milhões à construção do gasoduto que liga Coari (AM) a Manaus, reduto eleitoral do tucano, que será candidato a governador do Amazonas. O recurso só não será liberado imediatamente porque há suspeita de superfaturamento. O governo quer resolver a irregularidade antes de investir novamente na obra.
O líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra (PTB-RN), também prometeu ao senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) atender à sua reivindicação. O governo se comprometeu com o pefelista a liberar a maior parte dos R$ 181 milhões previstos no Orçamento para a construção de escolas, pagamento de professores, realização de cirurgias cardíacas e reforma no Hospital Ana Néri, em Salvador.
Os pefelistas ainda tinham uma última exigência, que foi retirada pelo líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Ele cobrava o repasse de R$ 60 milhões para a construção do parque aquático a ser utilizado nos Jogos Pan-Americanos. “O governo diz que o Pan é prioridade. Mas não coloquei este tema porque não acredito nas promessas do governo”, justificou Maia, para a decisão de reduzir o trabalho dos articuladores do governo.
A negociação de ontem foi a última de uma série de pendências que provocaram o maior atraso na votação do Orçamento dos últimos seis anos. O governo só se esforçou para votar a lei, porque conseguiu driblar a ausência de Orçamento com a edição de MPs. Mas passou a se preocupar com a demora porque os investimentos das estatais, volumosos e em áreas estratégicas, começavam a ficar comprometidos. A mega-MP que liberava recursos, previa o governo, enfrentaria forte resistência no Congresso e corria o risco de ser contestada na Justiça.
“Bondades”
A eleição foi a principal responsável pelo atraso. Tornou mais árdua a sempre complexa tarefa de aprovar a lei. O governo fez questão de incluir “bondades”, como o reajuste do funcionalismo e a correção da tabela do Imposto de Renda. E os recursos eram limitados. A base aliada também chantageou o Palácio do Planalto para liberar as emendas parlamentares, recursos orçamentários que irrigam a base eleitoral dos congressistas e são um bom empurrão na tentativa de reeleição.
Os governadores, também preocupados com a eleição, pressionavam a área econômica a repassar os recursos da Lei Kandir, que compensa a isenção de impostos para produtos exportados. O dinheiro é utilizado em obras importantes para a administração estadual. E acusavam o governo de, também por interesses eleitorais, atrasar a votação do Orçamento justamente para evitar repassar os recursos da Lei Kandir, que beneficia principalmente governadores da oposição.
Os números da proposta orçamentária de 2006
R$ 350
É o valor do salário mínimo previsto até maio de 2007. O texto chegou ao Congresso com o valor de R$ 321
8%
Foi o valor do reajuste da tabela do Imposto de Renda
29%
É o reajuste médio do funcionalismo que o governo quer garantir aos servidores nos quatro anos de mandato do presidente Lula. O Orçamento prevê R$ 5,1 bilhões para o aumento, o que garante um reajuste médio de 5%. Mas o aumento será diferenciado segundo o cargo do servidor
R$ 3,9 bilhões
É o valor destinado aos estados para compensar a isenção de impostos sobre produtos exportados. O governo se compromete também a repassar mais R$ 1,3 bilhão se a arrecadação de impostos exceder o previsto
R$ 550 milhões
É o que será liberado para criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) que ainda não foi aprovado no Congresso
R$ 1,8 bilhão
É o valor destinado a projetos de saneamento e transportes. O valor é quase nove vezes superior ao previsto inicialmente
R$ 21,2 bilhões
É o volume de investimentos, recursos destinados a obras e projetos
R$ 15,6 bilhões
É o acréscimo de receita no Orçamento feito no Congresso
15%
É o reajuste concedido aos servidores do Tribunal de Contas da União (TCU)
abr
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