O eleitorado brasileiro decidiu ontem, ao fim de uma votação tranqüila e apuração rápida, mas tensa, que haverá segundo turno nas eleições presidenciais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguia ir além dos 48,7% dos votos – e a contagem nas áreas onde é mais forte já estava praticamente concluída.
Um crescimento considerável de seu rival tucano, Geraldo Alckmin, que chegava aos 41,4%, deteve a enorme vantagem que o presidente apresentava nas pesquisas e jogou a decisão para daqui a quatro domingos, no dia 29.
Os recentes escândalos envolvendo personagens do governo foi o fator predominante para a confirmação de um segundo turno entre Lula e Geraldo Alckmin. O sonho do presidente de vencer no primeiro turno começou a se desfazere ontem, por volta das 19h, quando, na primeira parcial da disputa, não conseguia abrir vantagem expressiva sobre o ex-governador de São Paulo. E à meia noite e quatro minutos de hoje, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello, confirmava a nova disputa entre Lula e Alckmin.
A angústia começou a se desenhar à medida que a diferença dos votos válidos de Lula para a soma dos votos válidos dos demais candidatos diminuía a cada parcial. Os petistas foram sentindo o gosto amargo de uma nova disputa, justamente numa jornada em que conseguiram duas vitórias expressivas: com Jaques Wagner, na Bahia, sobre o “carlista” Paulo Souto; e a ida para o segundo turno no Rio Grande do Sul, onde Olívio Dutra saiu da terceira colocação, ultrapassava o governador Germano Rigotto e se juntava a Yeda Crusius na nova disputa.
Por volta das 22h, as esperanças petistas morreram definitivamente quando o ministro Tarso Genro (Coordenação Política) veio a público admitir a disputa do segundo turno. Embora o TSE nem os informes confirmassem a nova eleição, a expectativa da vitória ontem mesmo morrera no Palácio do Planalto. Sobretudo quando Tarso afirmou que, havendo debates até a eleição do dia 29, Lula pretende participar de todos.
Do lado do PSDB e do PFL, a madrugada foi de festa. Os dois partidos, que trocaram profundas farpas durante a fase em que Alckmin custava a subir nas pesquisas, eram só alegria. Nem mesmo a derrota de Paulo Souto na Bahia para Jaques Wagner tirou o brilho dos olhos e os sorrisos. Reforçando a festa tucana, estava a vitória fácil de José Serra em São Paulo, enquanto que para os pefelistas a compensação veio com a ida de Denise Frossard para o segundo turno no Rio contra Cesar Maia.
Heloísa Helena pode ficar neutra
MACEIÓ – Simpática e com ar descontraído, a senadora Heloísa Helena, candidata do PSOL à Presidência da República, votou às 8h45 na 185ª Seção Eleitoral de Maceió. Na entrevista que deu aos jornalistas enquanto aguardava a vez de entrar na sala de votação, no Grupo Escolar Antonio Vasco, bairro Riacho Doce, ela disse que terminava a campanha de cabeça erguida e que sua maior esperança nas eleições deste ano era “não ver a vitória do banditismo político, da roubalheira e da corrupção”.
Levando no colo a afilhada Clara Ramos, Clarinha, de seis anos, a candidata foi reticente ao falar sobre qual será o comportamento de seu partido no segundo turno. “Por enquanto posso apenas dizer que vamos ter uma posição definida”, afirmou. É provável que a definição seja anunciada hoje.
A senadora deixou claro no decorrer da entrevista, como já tinha feito durante a campanha, que seu maior desejo é a derrota do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem acusa de estar à frente de uma organização criminosa travestida de partido político. Mas, como ela também não mostrou afinidade com Geraldo Alckmin, do PSDB, existe a possibilidade de não declarar apoio a nenhum dos dois candidatos, deixando militantes e simpatizantes à vontade para escolher.
Heloísa deixou à mostra a possibilidade da opção pela neutralidade quando comentou: “Nossos eleitores são homens e mulheres livres, com liberdade de escolha.” Indagada sobre uma possível pregação do voto nulo, preferiu não responder.
Ao comentar a eleição de Fernando Collor de Mello, do PRTB, para o Senado, como já anunciavam as pesquisas eleitorais da semana passada, a candidata do PSOL disse que os eleitores de Alagoas votaram no ex-presidente sob o efeito da onda de corrupção que teria tomado conta do governo Lula: “Na periferia de Maceió, muitas pessoas me diziam que o Lula roubou mais do que o Collor e continuou no Palácio do Planalto. Talvez o povo de Alagoas tenha feito um protesto.”
Na periferia de Maceió existiam, de fato, comentários desse tipo, estimulados em grande parte por partidários de Collor. Eles também espalhavam que o ex-presidente, deposto do cargo em 1992, sob acusações de corrupção, apoiava Lula – líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência no Estado.
Heloísa chamou de “frescura”, no entanto, o fato de a mídia dar a impressão de que as velhas oligarquias políticas só agem em Alagoas: “Vamos acabar com essa frescura, desculpem a expressão, de querer atribuir todas as desgraças ao povo de Alagoas. Vários estados brasileiros estão votando em muita gente acusada de corrupção. Vamos fazer o levantamento de todos os estados, para saber de mensaleiros, sanguessugas, velhos oligarcas comprometidos com o quê de podre que existe espalhado pelo Brasil.”
A senadora chegou às 7h30 ao bairro de Riacho Doce, lugar onde morou quando era casada com Stanley Carvalho, pai de seus filhos Ian e Sacha. Mas ela não foi diretamente para a longa fila de eleitores que àquela hora já estava formada diante do grupo escolar. Passou antes pela casa de uma antiga amiga, no outro lado da rua. Enquanto conversava, dois primos dela entraram para fila para guardar lugar e a chamaram pelo celular quando já estavam na porta da sala de votação.
Depois de votar e exibir o “v” de vitória para fotógrafos e cinegrafistas, Heloísa embarcou com os dois filhos e um amigo num Ford Fiesta e saiu dirigindo na direção de Palmeira dos Índios, a 130 quilômetros de Maceió. Explicou que ia levar Ian, de 20 anos, para votar. Também pretendia descansar e rever parentes na cidade onde ela passou parte da infância e a adolescência.
Estaduais
Sem surpresas, o tucano José Serra confirmou a vitória em primeiro turno em São Paulo, com 58,12% do total, contra 31,5% do petista Aloizio Mercadante.
Mas surpresas houve – e a maior delas veio da Bahia, onde Jaques Wagner, do PT, ganhou em primeiro turno (53,4% dos votos) contra o favorito, o atual governador Paulo Souto (PFL). Também surpreendeu, no Rio Grande do Sul, a virada da tucana Yeda Crusius (PSDB), que saltou de terceira nas pesquisas para a mais votada (32,9%). Faltava definir se Olívio Dutra (PT) ou o governador Germano Rigotto (PMDB) a enfrentará no segundo turno.
Depois de votar de manhã, em São Bernardo do Campo, o presidente Lula foi para Brasília, onde passou o dia reunido com alguns ministros, entre eles Tarso Genro e Dilma Rousseff. “Estamos confiantes, porque o Brasil tem o destino traçado”, disse ele antes de embarcar em Cumbica. Alckmin votou, acompanhou os candidatos José Serra e, em Belo Horizonte, o governador Aécio Neves, até suas seções eleitorais, e avisou, confiante, que no segundo turno “a ética vai vencer a corrupção”.
Nos Estados, o PMDB garantiu 4 governadores, contra 4 do PT e outros 4 do PSDB. E enquanto o PT já discutia como sair da crise em que afundou com o dossiê Vedoin, o presidente do TSE, Marco Aurélio de Mello, repetiu a advertência já feita nas últimas semanas: que as eleições “não são um fato consumado”. Ou seja, qualquer político, mesmo eleito, poderá ser julgado e punido por erros cometidos no passado.
Comments are closed.