O xerife do governo Lula está de malas prontas. O delegado federal aposentado Paulo Fernando Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal, não quer permanecer no cargo. Não porque esteja se sentindo desprestigiado. É que está cansado. “Quero ficar uns três, quatro meses, sem fazer nada. Quero descansar”, conta. Lacerda deve deixar o governo federal junto com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, no final de janeiro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conclui a reforma ministerial. Aos 60 anos, com 35 anos de carreira policial, esse goiano de nascimento, mas carioca por opção, é a antítese da imagem do que se espera de um “cana”. O jeito simples e educado, o olhar arguto e a capacidade de observação fazem de Paulo Lacerda o exemplo mais bem-sucedido do policial brasileiro. Aquele que aposta na investigação e no uso da inteligência e não na violência para prender criminosos. Afinal, a Polícia Federal tem nada menos que 110 mil inquéritos em tramitação. Paulo Lacerda acredita no trabalho de investigação e em um sistema rígido de checagem e inteligência para combater o crime. Sua gestão à frente da Polícia Federal conquistou o respeito e a confiança da opinião pública, tornou a instituição motivo de orgulho do governo federal e até mesmo dos próprios agentes e delegados federais, que se sentem satisfeitos com os resultados alcançados nos últimos quatro anos.
Com o apoio de Bastos, a PF conseguiu adquirir jatos, helicópteros, armas e equipamentos sofisticados de monitoramento e um laboratório forense de primeiro mundo. O efetivo policial praticamente dobrou nesse período: de 7 mil policiais em 2003, agora a corporação conta com 13 mil homens. Também os salários subiram na gestão de Lacerda.
Avesso ao exibicionismo público e longe da vaidade que atrai homens públicos para os holofotes, Paulo Lacerda permaneceu nos últimos anos na cadeira de diretor-geral com o propósito de fazer da instituição um exemplo. Agora, sentindo o dever cumprido, espera que o seu substituto avance no combate ao crime organizado e mantenha o prumo da Polícia Federal. Seus planos imediatos? Passear com a mulher, descansar no Rio de Janeiro e assistir ao time do coração, o Flamengo, voltar aos dias de glória. Nada de novas missões no governo federal. “Eu nem fui convidado para nada. Só quero descansar”, diz, taxativo, ao ser abordado sobre a possibilidade de assumir o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou a Agência Brasileira de Intelgência (Abin). Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Correio Braziliense:
É difícil combater o crime organizado Diretor-geral da Polícia Federal diz que Estado está desestruturado para enfrentar as facções criminosas
O senhor vai permanecer no governo? Eu não recebi nenhum convite. A minha idéia é ficar um período de três meses sem fazer nada. Quatro anos aqui (na direção da Policia Federal), não é exatamente uma coisa fácil. xistem rumores de que o senhor iria para o INSS ou Abin. É verdade? Como disse, não recebi nenhum convite. Existe muita especulação. Eu quero descansar. Eu, hoje, quero passar a Polícia Federal para meu sucessor entendendo que já cumpri com a minha missão aqui. Quero descansar um pouco. Só isso. Mas eu não vou parar de trabalhar. O que eu sei é investigar. Qual o balanço de sua gestão à frente da PF? Eu acho que foi positiva. Conseguimos estruturar melhor a Polícia Federal em termos de organização. Precisava ter uma condição de trabalhar em áreas que ela não era especializada, como o combate ao tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e na repressão aos crimes de roubo de cargas e assaltos a bancos. A gente fazia isso, antigamente, de forma esporádica. Mas hoje, dentro da estrutura organizacional, temos setores especializados nisso. Ainda estamos criando uma cultura nessas áreas, mas já houve avanços. Na área de combate ao crime organizado? O trabalho mais importante que nós realizamos foi fruto dessa mudança na estrutura da Polícia Federal. Foi a Operação Toupeira, que era fora do perfil em que a PF atuava. Nasceu em cima das investigações do roubo do Banco Central de Fortaleza. Nosso pessoal usou o conhecimento e o estudo que se fez para desestruturar a quadrilha. O resultado foi muito positivo. Eu considero esse o trabalho mais importante da PF, sem desmerecer os demais. O senhor acha que a PF está tão bem organizada quanto o crime organizado? Essa história do crime organizado é, de certo modo, decorrente de uma situação em que os criminosos se especializam em determinadas áreas e dá uma feição de algo acima do poder constituído do Estado. Eu acho que é mais a desestruturação do poder público para combater esses delinqüentes do que uma superestrutura que eles tenham. Se não existem órgãos minimamente estruturados, como combater alguém que está atuando dentro de uma lógica que favorece a impunidade? Não tem como. Eu acho que a polícia está em condições de combater essas organizações criminosas. O seu destaque à Operação Toupeira é para mostrar o trabalho de combate ao crime organizado. E o que chama sempre mais atenção são as ações da PF no combate à corrupção. Na sua avaliação, o combate ao crime organizado é mais importante que o combate à corrupção? Não. Uma das metas que tivemos logo que começou esta gestão, e foi destacada em meu discurso de posse, era o combate à corrupção, inclusive à corrupção policial. Isso era uma meta do Ministério da Justiça. Nesse ponto, acho que fomos muito bem. Fizemos um trabalho importante. Quando digo que a Operação Toupeira é mais importante, é porque o combate à corrupção só depende de uma coisa: vontade. Se tiver vontade de apurar, há resultado. Esse é um anseio da população: ver essas práticas de corrupção em um patamar menor. Agora, quando falo da Operação Toupeira é para tratar do combate à criminalidade violenta. Essa é mais complicada e muito mais difícil. Combater o PCC (Primeiro Comando da Capital, facção criminosa que liderou ataques em São Paulo em maio) é difícil. Eu sei que não é um pensamento unânime. Jornalista gosta de falar que é mais importante desbaratar esquemas de corrupção na administração pública. Eu acho que é mais fácil resolver isso, colocando as pessoas certas nas funções, do que combater o criminoso violento dentro das práticas do Estado Democrático de Direito. O policial não pode chegar e matar o bandido. Não há licença para matar. E, nesse ponto, eu acho que fizemos o melhor trabalho de todos, sem desmerecer o esforço dos colegas. Desmontar um esquema daqueles sem qualquer das partes sair ferida é uma coisa fantástica. O senhor acha que o grande legado de sua gestão é esse investimento em inteligência? Sem dúvida. Valorizamos muito esse aspecto. Apostamos muito na nossa polícia técnica e científica. Hoje temos equipamentos de ponta. E conseguimos aumentar o efetivo. No início de 2003, tínhamos 7 mil policiais. Fizemos concursos públicos e conseguimos reverter um quadro que se avizinhava: a paralisia das atividades pela falta de recursos humanos. Havia um envelhecimento dos quadros da polícia. Se não houvesse um aumento, teríamos hoje 6 mil policiais. Foram abertas 4 mil vagas de policiais, 1,6 mil de servidores administrativos. Além de chamarmos aqueles servidores que passaram nos concursos feitos na administração do presidente Fernando Henrique. O orçamento da Polícia Federal também aumentou substancialmente e conseguimos recuperar a situação financeira, porque a PF estava sempre endividada. E isso diminuiu muito. Isso tudo fica como um grande ensinamento para a administração pública como um todo. Investir na Polícia Federal dá resultado. Hoje a PF é uma grande vitrine para o governo Lula. No passado, era muito difícil trabalhar com os órgãos públicos. Principalmente se estávamos investigando esse órgão. Essa situação mudou favoravelmente. E por que mudou? Porque nós demonstramos para a administração pública que, em primeiro lugar, nós apuramos e investigamos a conduta dos nossos funcionários. Fizemos operações em que chegamos a prender 30 policiais federais – de delegado a agente federal. Isso foi compreendido pelos outros órgãos públicos. Nós nos credenciamos para poder investigar os outros. Isso inverteu aquela antiga situação, em que os órgãos atuam estreitamente conosco, como a Receita Federal, o Ibama, a Funai, a Polícia Rodoviária Federal e o DNPM. Temos hoje muita facilidade para lidar com todos esses órgãos para trabalharmos juntos. E com os estados? Esperamos que isso ocorra também. |
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