Morde e assopra
Ricardo Allan
da equipe do Correio
A decisão do governo de corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 4,5% vai beneficiar diretamente 774,9 mil trabalhadores neste ano. Desse total, 628,5 mil passaram a ficar isentos em janeiro, quando a medida entrou em vigor. Outros 146,4 mil recolhiam o imposto pela alíquota de 27,5% e foram deslocados para a de 15%. A estimativa é da Unafisco, sindicato dos auditores fiscais da Receita Federal. O limite de isenção subiu de R$ 1.257,13 de renda mensal para R$ 1.313,69. A maior parte dos contribuintes que pagam o IRPF teve uma redução média de 5% no imposto. Quanto maior a renda, menor é o benefício.
O cálculo do número de beneficiados com a medida neste ano é do economista Evilásio Salvador, coordenador de Estudos Técnicos da Unafisco. A avaliação leva em conta o retrato do emprego e dos rendimentos dos trabalhadores feito no último Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho. De acordo com as estimativas de Salvador, o número de trabalhadores isentos no país passou de 23,989 milhões para 24,617 milhões com a correção da tabela. No ano passado, o ajuste em 8% havia isentado 400 mil contribuintes.
Segundo simulações feitas pelo advogado tributarista Ilan Gorin, da Gorin Auditoria Contábil e Fiscal, trabalhadores que ganham R$ 2 mil por mês e têm dois dependentes contam com uma redução de 25,14% no imposto retido na fonte (ver tabela). A maior parte do que se pode considerar classe média numa cidade como Brasília, que ganha entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, está contando com uma diminuição em torno de 5% na tributação. Rendimentos superiores a R$ 8 mil terão um desafogo inferior a 2% na cobrança. Salários de R$ 10 mil pagarão 1,23% a menos.
“Os trabalhadores com salários mensais perto da faixa de isenção se beneficiam mais com a correção da tabela. É uma espécie de compensação natural, pois essas pessoas foram as mais prejudicadas com o congelamento da tabela”, afirma Gorin. Segundo suas projeções, o ganho anual dos trabalhadores com salário de até R$ 4 mil será inferior a R$ 135, o que dá para encher o tanque do carro e ir ao cinema. Quem tem renda superior a R$ 4 mil economizará R$ 334,62, valor quase suficiente para comprar duas cestas básicas em Brasília.
Ilan Gorin elogia a disposição do governo de reajustar a tabela em 4,5% ao ano até 2010, segundo o acordo com as centrais sindicais e reiterado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Funciona como uma correção antecipada da inflação futura medida pelo IPCA — o centro da meta da inflação estipulada pelo governo é justamente 4,5%. O tributarista, entretanto, lembra que ainda é preciso zerar as perdas acumuladas desde 1996, quando a correção deixou de ser automática. Só assim a cobrança do IRPF passaria a ser justa. A Unafisco calcula essa defasagem em 44%.
“O acordo para a correção até 2010 colocou uma pá de cal sobre as perdas, transformando um brutal ganho provisório para o governo em definitivo. A reposição total da inflação é fundamental para corrigir essa distorção”, defende Gorin. O advogado contesta o argumento da Receita de que os prejuízos causados aos contribuintes seriam insignificantes. Nas suas contas, por causa da defasagem da tabela, o trabalhador submetido à alíquota de 15% paga, em média, R$ 86,70 por mês a mais ao governo do que deveria. Na faixa de 27,5%, o sobrepeso é de R$ 231,10 mensais. “É uma contribuição compulsória pesada e uma forma disfarçada de aumentar o imposto.”
Renúncia
O aumento do número de isentos e alegadas perdas de arrecadação sempre foram argumentos da Receita para combater a correção. Segundo a cúpula do órgão, apenas 12 milhões de trabalhadores têm imposto retido na fonte mensalmente. A renúncia fiscal esperada em 2007 é de R$ 2,6 bilhões. Segundo Evilásio Salvador, entretanto, o governo nunca teve perdas com a correção da tabela. Em 2006, a renúncia fiscal foi estimada em R$ 2,21 bilhões com a correção em 8%. Ainda assim, o recolhimento do IR retido na fonte teve aumento real de 5,53%.
A retenção mensal no contracheque do trabalhador rendeu R$ 39,630 bilhões para os cofres da União em 2006. A taxa de crescimento do IR na fonte foi superior à da média dos outros tributos, que ficou em 4,1%, e bem maior do que os parcos 2,8% estimados para a expansão da economia. Os demais pagamentos de IR feitos por pessoas físicas em 2006 somaram R$ 8,650 bilhões, numa expansão de 11,11%. Além de não resultar em redução da arrecadação, a correção até estimula o recolhimento de outros tributos.
Mais consumo, mais imposto A liberação de mais recursos para o consumo tende a elevar a apuração dos tributos indiretos, como IPI, Pis, Cofins e CPMF na esfera federal, além de ICMS e ISS nos níveis estadual e municipal. “Na estrutura da carga tributária brasileira, dois terços vêm da cobrança de impostos sobre o consumo. Se todo o dinheiro liberado para a economia pelo reajuste da tabela for direcionado para compras de bens e serviços, o Estado vai reaver de cara pelo menos dois terços das presumidas perdas”, estima Evilásio Salvador, economista da Unafisco. Como mais consumo se traduz em maior crescimento econômico, emprego e renda, a arrecadação se beneficia de forma geral, anulando qualquer efeito negativo do reajuste das faixas do IRPF, explica o economista. Na lição dos economistas clássicos, só existem duas coisas inevitáveis: a morte e os impostos. Enquanto não morre, o contribuinte brasileiro já começa a se preparar para mais uma maratona do IRPF. O supervisor nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir, anuncia hoje as regras da entrega da declaração de 2007, ano-base 2006. O ajuste de contas poderá ser feito do dia 1° de março até 30 de abril. No preenchimento, a tabela utilizada ainda será a do ano passado, pois os rendimentos a que o documento se refere foram os recebidos em 2006. No ano passado, foram entregues no prazo cerca de 22,5 milhões de declarações. (RA) |
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