Entrevista – Antonio Carlos Bigonha
Procurador diz que combate à criminalidade nas favelas deve continuar, mas com garantias à vida
Renata Mariz
Da equipe do Correio
Sem posições extremistas, o procurador da República Antônio Carlos Bigonha defende a continuidade das ações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, desde que as garantias fundamentais da população — o direito à vida é uma delas — sejam preservadas. A opinião foi lapidada em quatro dias de encontro com procuradores do país inteiro, realizado na capital fluminense, semana passada, cujo tema era o Ministério Público Federal e os desafios da violência urbana.
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Bigonha defende o controle externo da polícia por parte do Ministério Público como um instrumento de combate à criminalidade. “A corrupção policial também é um elemento nesse quadro de violência atual”, destaca. Ele lembra, entretanto, que tal controle, embora previsto na Constituição Federal, nunca ocorreu devido à resistência da polícia.
O procurador critica, contudo, outras instituições, inclusive o próprio Ministério Público, quando o assunto é combater a criminalidade praticada por ricos, quase sempre envolvendo dinheiro público. “O processo penal funciona mal para esse criminoso, que conta com a tolerância dos operadores do direito”, observa. “Acho que ainda não conseguimos identificar nessa conduta um caráter tão perigoso quanto nos casos contra o patrimônio privado, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos.” A seguir, trechos da entrevista concedida ao Correio:
É preciso ter limites
As autoridades do Rio argumentam que a atual política de combate à violência é a única forma de desmantelar o tráfico. Essa é a solução? Não tenho dúvida de que ações violentas do crime organizado não podem ser combatidas com discursos sociológicos ou filosóficos, porque a reação do Estado tem que ser proporcional à agressão do infrator da lei. Mas a gente vê de uma maneira muito clara que nos países do terceiro nundo, e no Brasil isso está muito acentuado, tal política de enfrentamento não vem acompanhada por medidas de impacto social. É importante que o Estado responda às ações das facções criminisos, sim, mas que promova um incremento de serviços públicos nessas comunidades periféricas. Não vemos no Rio de Janeiro uma ação concatenada entre segurança pública e o serviço social, digamos assim. Faltam investimentos sociais nas favelas? Penso que as operações são importantes, não acho que o secretário (de Segurança, José Mariano Beltrame) e o governador (Sérgio Cabral) devam recuar com seus projetos no Rio na área da segurança. O que discutimos no encontro, e que é claro para todos nós, é que a ação da polícia nos morros não pode atingir inocentes. Sob pena de você deduzir que todo sujeito pobre é um potencial criminoso. Não podemos chegar a esse ponto. É preciso lembrar que as ações ocorrem em áreas residenciais. A polícia precisa usar bem os setores de inteligência, que estão em ascensão. Enquanto isso, outras questões devem ser resolvidas, como a corrupção policial, que também é um elemento nesse quadro. Mas uma coisa é incontestável: onde o Estado se faz presente — não só com a força do aparato policial, mas também com os serviços públicos — o conflito social diminui e a violência tende a diminuir. E o controle externo da polícia? A necessidade vem da transparência desejável e necessária que a polícia não tem. Há 20 anos, a Constituição determinou ao Ministério Público a tarefa de controlar a polícia do ponto de vista externo. Mas nós ainda não conseguimos implementar isso. Recentemente o Conselho Nacional do Ministério Público, criado há três anos, editou uma resolução disciplinando em nível nacional essa atividade, mas houve grande resistência dos setores policias. Hoje, há um movimento do Congresso Nacional também contra isso. Existe um projeto de decreto legislativo em tramitação que, se aprovado, torna sem efeito a resolução do conselho. Como ocorre essa resistência ao controle? Uma das formas é impedir o ingresso de membros do Ministério Público nas delegacias. Contra as críticas, sempre advogamos que esse controle não diminuirá o trabalho da polícia. Pelo contrário, ficará com mais credibilidade. O Ministério Público é um exemplo. Há 10 anos, quando se discutia o controle externo na magistratura e no MP, houve um grande temor em relação à perda da independência, um retrocesso ao período da ditadura. E nada disso aconteceu, o que houve foi um fortalecimento das instituições. O Congresso Nacional está alterando a legislação penal. O senhor concorda? Acho que a criminalidade sofisticada no Brasil é impune. E lamento que seja assim, pois essa é a criminalidade com forte impacto social, porque envolve a aplicação de recursos públicos. O processo penal funciona mal para o criminoso rico, que conta com uma cultura de tolerância no Brasil. Acho que é um aspecto até sociológico. Vem da identificação dos magistrados, dos membros do Ministério Público e dos operadores do direito em geral, com esse sujeito que reúne os objetos de consumo desejados por todos nós — mansões, jatinhos, carros. Até a sociedade tem essa tolerância. Acho que ainda não conseguimos identificar na conduta desse tipo de criminoso um caráter tão perigoso quanto nos casos contra o patrimônio privado, ao contrário dos países desenvolvidos. |
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