Sergio Leo, de Brasília
O Ministério da Justiça dará, em no máximo 10 dias, uma resposta oficial ao pedido da Justiça italiana, que quer punir os brasileiros com envolvimento no seqüestro e morte de cidadãos da Itália na repressão a atividades subversivas nos anos 70 e 80, na América do Sul. Esse é o prazo estimado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que já admite até uma possível abertura de inquérito sobre o tema na Polícia Federal, mas só se no pedido italiano estiver configurado delito cometido pelos acusados.
“Sou obrigado a fazê-lo: se houver notícia de delito, remeto o pedido à Polícia Federal para abertura de inquérito”, disse Genro ao Valor, ontem, por telefone. Qualquer decisão do Executivo ou do Ministério Público será levada ao Judiciário que tem a “última palavra” sobre a questão, lembrou Tarso Genro.
O ministro comentou que a iniciativa da Justiça italiana aponta uma pendência importante deixada pela Lei de Anistia, de 1979: qual é o alcance da anistia a crimes cometidos durante o regime militar. “Não há uma apreciação consolidada sobre isso, na Justiça”, comentou. Uma das ações apontadas pela Justiça italiana envolve a prisão, em 1982, sem registro, de guerrilheiros de nacionalidade italiana, entregues às forças policiais argentinas e desaparecidos. Para Genro, a Justiça brasileira terá de decidir se a Lei de Anistia cobre casos como esse, ocorridos após a lei, mas antes da Constituição de 1988, que absorveu suas determinações.
Na semana passada, a juíza italiana Luisiannia Figliolia assinou ordem de prisão contra 146 pessoas envolvidas no desaparecimento de italianos ou descendentes, durante a Operação Condor, que estabeleceu colaboração entre os aparatos repressivos dos governos no Cone Sul do continente. Entre os acusados da morte de pelo menos 25 italianos estão 13 brasileiros, alguns deles já mortos, como o ex-presidente João Baptista Figueiredo, e os ex-ministros e generais Walter Pires e Octávio Medeiros.
Entre os acusados, estão o ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro Agnello de Araújo Brito, o ex-secretário de Segurança do Estado Edmundo Murgel, e o general-de-divisão da reserva do Exército Agnaldo Del Nero Augusto. Este último admitiu, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, a participação de autoridades brasileiras apenas na captura clandestina de militantes políticos para entrega irregular a outros governos. “É uma defesa que ele está fazendo, o que não quer dizer que isso influenciará a decisão que eu vá tomar”, comentou Genro.
Tarso Genro ressalvou estar falando “em tese” sobre o pedido da juíza italiana que ainda não recebeu oficialmente. Ele disse não poder se manifestar oficialmente, por não saber nem se a Justiça da Itália quer a prisão ou apenas a convocação dessas pessoas para depôr. Já está descartada, porém, a possibilidade de extradição, porque a Constituição brasileira não permite a extradição de cidadãos brasileiros, reafirma Genro. Ele argumenta que a existência de um quadro institucional definido para tratar do assunto faz com que a questão não tenha “gravidade política” para o ministério da Justiça.
“A abertura de inquérito está prevista no tratado (de cooperação) entre Brasil e Itália”, lembrou. Caberá, porém, ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público avaliar se o pedido encaminhado pela Justiça italiana tem informações que o sustentem. Genro informou ter feito um relato da questão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada, que disse não ver dificuldade em “agir rigorosamente dentro da lei”.
“É uma situação de certa complexidade, mas temos todos os mecanismos legais para trabalhar, atender à Justiça italiana e agir sem intenção revanchista ou persecutória” , disse Genro. “Isso não depende de avaliação subjetiva do ministro.”
Outro ministro próximo a Lula informou ao Valor que o governo deverá enfatizar a atuação do Judiciário, e evitar o envolvimento do Executivo com a discussão. No Palácio do Planalto, argumenta-se que não há razões reais para manifestações de desconforto dos militares brasileiros com qualquer eventual resposta ao pedido italiano. “Não há oficiais das Forças Armadas envolvidos, os que pertenciam a alguma corporação estão retirados”, reforça o ministro da Justiça.
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