Lilian Tahan e Edson Luiz
DA EQUIPE DO CORREIO
O governo Federal está preocupado com os contornos macabros da chamada indústria da morte na capital da República. Em entrevista ao Correio, o ministro da Justiça em exercício, Luiz Paulo Barreto, se disse espantado com as denúncias sobre a atuação do setor no Distrito Federal. Diante da gravidade dos fatos investigados pela CPI dos Cemitérios da Câmara Legislativa, Barreto admitiu acionar a Polícia Federal para entrar no caso. As notícias de desrespeito que circundam todas as etapas desse comércio também mobilizaram o Congresso Nacional. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Pompeo de Matos (PDT-RS), pretende propor uma legislação específica para disciplinar a atividade.
O que pode determinar a intervenção da PF é a confirmação de que existe relação entre irregularidades cometidas em âmbito local com denúncias de estados. “O Ministério da Justiça vê com espanto e preocupação o que está ocorrendo na capital Federal. Não descartamos a possibilidade de a Polícia Federal intervir, desde que seja requisitada e, especialmente, se a CPI detectar raízes interestaduais nas investigações”, afirmou o ministro Barreto.
Em pelo menos um caso, há fortes indícios dessa conexão. O assassinato do consultor Aloísio Bittar em março de 2005, em Goiânia, é um importante elo sobre uma possível participação conjunta entre facções criminosas que operam no mercado da morte nos dois estados. Executado com oito tiros, Bittar atuava em defesa de donos de funerárias em Goiás e era autor de ações a favor do setor em Brasília.
Além desse fato, importantes personagens das investigações parlamentares têm atuação nas duas jurisdições. A empresa responsável pela concessão dos seis cemitérios no DF pertence ao empresário Francisco Moacir Pinto, dono de cemitérios em outros três estados. Um de seus negócios funciona também como crematório no município goiano de Valparaíso, para onde os deputados distritais já estenderam as apurações. Durante blitz na última sexta-feira, os deputados encontraram um depósito com 13 caixões usados. A CPI e a Polícia Civil desconfiam de reutilização irregular das urnas, assim como as que foram descobertas em uma marcenaria em Santa Maria na semana passada.
O presidente do Sindicato das Funerárias, Felismino Alves Ferreira, é um dos empresários do ramo mais atuantes no contexto local. Ele é dono de 11 lojas entre municípios do Entorno, como Formosa, e cidades do DF. Inspeção da CPI, em Sobradinho I, a uma das empresas de Felismino flagrou, em 24 de abril, vísceras humanas guardadas em um saco plástico, roupas, luvas e esparadrapos sujos de sangue e sem os cuidados previstos pela Vigilância Sanitária.
Decência
O desdobramento da CPI dos Cemitérios demonstrou, no entanto, que a cena encontrada na clínica de tanatopraxia — técnica de conservação de cadáveres — em Sobradinho I não é fato isolado. Para onde quer que os distritais tenham mirado, encontraram irregularidades. Desde a suspeita sobre a falta de lisura no edital de licitação dos cemitérios até a a evidências de reutilização criminosa de caixões, a comissão parlamentar já esbarrou em histórias suficientes para colocar em xeque não só a qualidade, mas a decência desse tipo de serviço oferecido no DF.
A investigação local está sendo acompanhada também pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O deputado Federal Pompeo de Matos (PDT-RS) atribuiu irregularidades praticadas em Brasília à falta de uma legislação Federal sobre o assunto. No último mês, o parlamentar pediu uma pesquisa sobre o tema na Casa e descobriu que praticamente não existe regulamentação para o assunto. Em geral, as regras são municipais ou estaduais. “O pouco que há orienta o transporte de corpos de um estado a outro. A falta de norma Federal como parâmetro facilita a atuação criminosa nesse ramo”, afirmou.
Pompeo de Matos pretende propor um projeto para criar regras federais a atividades ligadas a cemitérios e funerárias. Para ele, o exemplo dado nas barbas do poder indica que a situação pode ser igual ou até pior em outras regiões: “Se aqui em Brasília o setor é uma bagunça, o que podemos esperar no resto do país?”.
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