O estresse dentro da Polícia Federal e do governo não deve parar com a saída do delegado do caso Dantas. Ministério Público e Justiça de São Paulo pretendem avançar nas investigações
MARCELO ROCHA
A Operação Satiagraha continuará a causar dor de cabeça ao governo federal. Além da investigação do Ministério Público Federal
Parte da polêmica causada pela investigação, que culminou com a prisão de Dantas, passa pela suspeita levantada por Protógenes da atuação de pessoas ligadas ao governo federal em prol de Dantas. Nos bastidores, a cúpula da corporação ficou irritada quando soube disseo e não teve acesso a esses detalhes do inquérito. A tensão entre a cúpula da PF e o delegado chegou ao ápice na semana passada, quando o policial disse que foi pressionado a se afastar do caso. A direção da polícia rebateu essas acusações e sustentou que ele saiu por vontade própria para fazer um curso (leia abaixo).
No sábado, em visita a Bogotá, o presidente Lula declarou que Protógenes agora é um problema da PF. O ministro da Justiça, Tarso Genro, que protagonizou boa parte dos debate decorrentes da ação policial, também tentou jogar panos quentes e considerou o caso encerrado. Não é bem assim. Tarso terá que administrar uma crise instalada dentro da corporação. O que tende a se agravar a depender das informações levantadas pelos procuradores da República
O MPF vai pedir informações à cúpula da PF sobre as acusações de Protógenes. Na representação, entregue ao procurador da República Roberto Antonio Dassié Diana, coordenador do grupo de controle externo do órgão, Protógenes se queixa da falta de recursos humanos e materiais para a condução da investigação. O delegado chega a denunciar que precisou contar com o apoio de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para auxiliar na apuração. Assim que soube desse fato, o diretor Luiz Fernando Corrêa e seus auxiliares mais próximos ficaram irritados. A cúpula chegou vendida às vésperas da investigação. Com medo de vazamentos, diante de tantas conexões atribuídas ao grupo comandado por Dantas, o que inclui políticos e agentes públicos, Protógenes pouco a informou sobre o caso.
O delegado inicia hoje o curso superior de polícia. Na sexta-feira à noite, após indiciar Dantas e outras nove pessoas por gestão fraudulenta e formação de quadrilha, ele terminou o relatório final mantendo essas acusações e os indiciamentos, mas sugerindo novas investigações. Ele concluiu sem tempo de analisar todo o material apreendido em 56 endereços residenciais e comerciais ligados aos suspeitos. O procurador da República
A ação em números
300 policiais federais participaram da operação
18 presos, dos quais dois ainda continuam atrás das grades
56 endereços residenciais e comerciais vasculhados
7 mil páginas compõem o inquérito do caso, incluindo relatórios de inteligência e laudos periciais
“Consultas” ao alto escalão
Na estratégia para levantar informações da investigação em curso contra o dono do Opportunity, advogados do banqueiro Daniel Dantas cogitaram recorrer ao alto escalão da Polícia Federal. Os investigadores flagraram uma discussão sobre essa possibilidade em que foi mencionado o nome do delegado Roberto Troncon, diretor de Combate ao Crime Organizado da PF.
Troncon foi um dos emissários enviados pela cúpula da instituição a São Paulo para participar da reunião, no início da semana passada, quando foi selado o afastamento do delegado Protógenes Queiroz do caso. Relatório assinado pela delegada Karina Murakani traz detalhes de uma reunião em que foi levantada a hipótese de buscar dados sobre o inquérito na sede da polícia, em Brasília.
A conversa é de 30 de maio. De um lado da linha estão os advogados Nélio Machado e Ilana Müller. Os dois falam pelo viva-voz com Bernardo Rotenburgo e Cristina Caetano, ambos funcionários do Opportunity. O grupo discute possibilidades de conseguir os dados. É nesse momento que Machado fala em Troncon: “Tem um delegado que eu não sei ao certo o nome… Protógenes! É um tal de doutor Troncon, Troncon”. Bernardo pergunta: “O que tem esse doutor?” E o advogado responde: “Ele ocupa um cargo acima do Protógenes e ele até pode dizer pra gente se não tá com ele”.
O criminalista acrescenta dizendo que vai passar os contatos de Troncon para que alguém o procure em Brasília: “Eu vou dar o telefone do cara, é pra pedir pra ir lá bater um papo, como advogado da empresa… que talvez se descobre alguma coisa… dá uma de ‘joão-sem-braço’… Tá?”, sugeriu Machado, de acordo com o relatório de inteligência datado de 2 de junho e que faz parte do inquérito da Satiagraha em poder da PF. Nessa mesma conversa, as quatro pessoas também discutem, ao viva-voz, formas de levantar informações sobre a investigação junto ao Poder Judiciário.
A pedido do Correio, a assessoria de imprensa da PF entrou em contato com Troncon. O policial afirmou que não foi procurado por advogados que representam o Opportunity. O advogado Nélio Machado disse à reportagem que não se recorda da conversa. Admitiu que poderia ter mencionado o nome do policial, mas sustentou que não o procurou em nenhum momento. (MR)
Delegado começa curso na Academia de Polícia
RICARDO BRITO
DA EQUIPE DO CORREIO
Amanhã será um dia fora da rotina que o delegado Protógenes Queiroz teve nas duas últimas semanas. O investigador, que entrou para a Polícia Federal há nove anos, ficou nacionalmente conhecido ao prender o banqueiro Daniel Dantas nas investigações da Operação Satiagraha. Entrou em atrito com o governo ao suspeitar, sem avisar seus chefes, de tráfico de influência na ante-sala do gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva feito por emissários de Dantas. Diante das pressões que sofreu, teve de sair das investigações e hoje, Protógenes será o mais ilustre dos 115 delegados que começam o curso de formação para se tornar a elite da PF.
Durante um mês, os delegados terão aulas práticas e teóricas na Academia Nacional de Polícia (ANP), em Sobradinho, num quartel distante 25km do Palácio do Planalto. Agora começa a segunda etapa do curso de formação, que só pode ser feita pessoalmente pelos investigadores. Ao mesmo tempo em que conduzia a Operação Satiagraha, Protógenes fazia nos últimos três meses aulas a distância
Na etapa que começa hoje, o delegado assistirá a aulas o dia todo e fará provas — terá que tirar notas acima de 5. Ele assistirá a palestras com temas como o “papel da comunicação e da mídia” nas relações com a PF. Terá muito que aprender.
Espionagem
O delegado foi duramente criticado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, por ter deflagrado a Operação Satiagraha, há duas semanas, levando a tiracolo uma emissora de televisão para filmar a prisão do ex-prefeito Celso Pitta de pijama. A prática contraria o atual código de conduta da corporação. Protógenes responde, por isso, a uma sindicância interna.
O objetivo das aulas é formar gestores para ocupar os principais cargos de chefia da polícia. Além de ensinar a lidar com a imprensa, Protógenes terá aulas de política criminal e de inteligência policial, metodologia contra terrorismo e narcotráfico, espionagem, entre outras disciplinas. Nas matérias práticas, há técnicas especiais de tiro ao alvo. O delegado tem que apresentar uma monografia de conclusão de curso, que será avaliada por uma banca de professores, até o dia 28 de novembro. E se tornará delegado classe especial a partir de 2009 — com direito a salário bruto de R$ 20 mil — se for aprovado em todas essas etapas.
Protógenes lutou para estudar. Recorreu à Justiça Federal em Brasília em meados de maio para ter direito a participar do curso. Conseguiu. Oficialmente não teria outro jeito de estudar, portanto, o desligamento das operações é obrigatório. Em 2005, o hoje diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, teve que se afastar temporariamente do cargo de secretário nacional de Segurança Pública para fazê-lo. Entre os colegas de turma, Protógenes terá os delegados Sandro Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), e Disney Rosseti, superintendente da Polícia Federal em Brasília.
Memória
Ação contra Dantas
A Operação Satiagraha, que mobilizou 300 policiais federais
O inquérito da Satiagraha, segundo a PF, teve origem em informações colhidas durante a apuração do mensalão — a suposta mesada paga a parlamentares da base aliada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram aproveitados também dados de um disco rígido apreendido em 2004 no Banco Opportunity, quando a polícia realizou a Operação Chacal para desbaratar esquema de espionagem empresarial em negócios de telefonia.
Após quatro anos de investigação, o delegado Protógenes Queiroz avaliou ter os elementos suficientes para sustentar as acusações. No dia seguinte à prisão, Dantas e outros acusados foram beneficiados por habeas corpus. Protógenes voltou a prender Dantas 24 horas depois. Desta vez, pela acusação de tentar subornar um delegado encarregado das investigações. Outra vez, o STF soltou Dantas. E abriu uma crise institucional entre a Corte, o Ministério da Justiça e a PF. (MR)
Comments are closed.