O novo modelo de segurança pública coordenado pelo Ministério da Justiça tem como uma das diretrizes básicas a municipalização das atividades policiais através da criação e fortalecimento das guardas.
– É preciso ver até onde vai a função da polícia uniformizada. A tendência hoje não é mais concentrar em um só corpo policial, mas pluralizar as funções – diz o ministro da Justiça, Tarso Genro. A prioridade do governo federal é induzir a integração das policiais civis e militares para o combate às quadrilhas organizadas e, numa outra ponta, estimular as atividades preventivas com a formação de guardas municipais e policiamento comunitário.
– Uma viatura policial passa e só provoca uma sensação de segurança. A comunidade não conhece o policial que trabalha no bairro onde mora – acrescenta o secretário Nacional de Segurança, Ricardo Balestreri, o maior incentivador do ressurgimento das duplas Cosme e Damião, que nos primórdios das organizações policiais – época em que o crime tinha uma aura romântica – faziam a ronda a pé. Mesmo fardados, segundo lembra o secretário, esses policiais caminhavam nos mesmos espaços da comunidade e dialogavam com a população. – Vamos sair da viatura e circular.
Restrito atualmente a 108 municípios com população acima de 200 mil eleitores, o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), carro-chefe do Ministério da Justiça, será ampliado e contará com mais recursos. Com R$ 2,1 bilhões previstos para este ano, o programa já conta com o dobro de recursos de 2008. O governo vai fiscalizar a aplicação do dinheiro e retirará do programa as prefeituras ou estados que desviarem os recursos para outras finalidades ou deixarem de cumprir os princípios e diretrizes dos programas. Assim como o Pronasci, o novo modelo de segurança em gestação também deverá ser submetido ao Congresso e legitimado através de legislação.
Balestreri acha que o fracasso do atual modelo justifica o surgimento de uma polícia mais próxima da população, uma alternativa para “mudar esse desastre estatístico”. Ele diz que apesar da violência policial em algumas regiões, os índices de criminalidade se mantém estáveis. Isso significa, segundo o secretário, que apenas a opção pelo enfrentamento baseado em invasões a “pedaladas na porta” e tiroteio não está funcionando.
Guerra
As mortes por crimes violentos no Brasil são números mais fortes do que os registrados em países em guerra civil: 45 mil em média e indícios de altíssima violência policial sem redução da criminalidade. As mortes de civis – ou bandidos, como afirma a polícia – em confronto no ano passado representaram 8,34% dos homicídios dolosos ou 3.523 casos lavrados em “autos de resistência”.
O número de homicídios dolosos chegou a 42.239, sem incluir às demais modalidades incorporadas à violência urbana que, somadas, alcançam os cerca de 45 mil mortes da macabra contabilidade. Os índices mais altos de mortes em confronto pertencem ao Rio de Janeiro. Foram 1.137 supostos criminosos mortos no ano passado em confrontos que fizeram 26 vítimas entre os policiais.
As estatísticas criminais encomendadas pelo próprio governo federal mostram que o quadro é mais grave ainda quando descreve delitos mais assustadores, como o índice de latrocínios – os casos em que o bandido rouba e mata. Foram 1.637 ocorrências registradas em 2008, o equivalente a 3,87% dos homicídios dolosos. Entre as regiões com os índices mais altos do país está o Distrito Federal, com 60 casos no ano passado e uma taxa de 2,3 ocorrências por 100 mil habitantes. No Rio e em São Paulo foram, respectivamente, 1,2 e 0,7. O Distrito Federal perde apenas para Amapá e Pará (2,8 casos por 100 mil habitantes), mas é o grande paradoxo por concentrar o maior número de forças policiais, pagar os melhores salários aos agentes de segurança e sediar o poder da República, ilhado na Esplanada dos Ministérios e no Plano Piloto pela expansão da violência nas cidades satélites.
– O Brasil precisa parar de discutir a segurança pública pelo emocional, apenas quando mais uma tragédia ocorre – diz Balestreri, chamando a atenção para outra distorção provocada pelo “desastre das estatísticas”: o desenvolvimento econômico do país. Uma taxa de 45 mil homicídios por ano, segundo o secretário, conspira contra a perspectiva econômica gerada pelo potencial energético de descobertas como o pré sal. – A violência se combate com racionalidade.
Segundo ele, o governo federal vai destinar seus recursos a estados e municípios que priorizarem a prevenção em vez do confronto. O alvo são os excessos no combate ao crime. Segundo o secretário, a violência policial impera onde faltam conhecimento, aparelhamento e decisão firme dos gestores.
– A violência (policial) sistêmica só sobrevive com a leniência das autoridades – conclui.
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