Ana Maria Campos
Em crise desde que as denúncias de Durval Barbosa contra o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, vieram à tona, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) será o tema das sessões desta semana do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que exerce o controle externo da atuação de promotores e procuradores em todo o país. Os conselheiros decidirão amanhã se a Corregedoria-geral do MPDFT tem isenção para passar o episódio a limpo, ou seja, investigar os desvios de conduta apontados por Durval em depoimentos prestados no inquérito 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais conhecido como Operação Caixa de Pandora. Se prevalecer o entendimento de que não há independência para lidar com a situação, haverá uma intervenção. O MPDFT perderá a atribuição para apurar internamente a procedência das acusações de Durval Barbosa contra Bandarra.
Está na pauta da sessão desta terça-feira o pedido de transferência para o CNMP da sindicância aberta pela Corregedoria-geral do MP local. A iniciativa partiu do conselheiro Bruno Dantas, representante do Senado no CNMP. Desde dezembro, a corregedora-geral do MPDFT, Lenir de Azevedo, tem trabalhado nas apurações. Ela tenta esquadrinhar as denúncias feitas por Durval de que Bandarra e a promotora Deborah Guerner recebiam dinheiro para favorecer empresas de coleta de lixo.
Em depoimento ao Ministério Público Federal, Durval disse ainda que entregou R$ 1,6 milhão para Deborah em troca de informações sobre operações do MPDFT. De acordo com ele, o dinheiro seria repartido (1) com Bandarra. O próprio Durval já foi ouvido pela corregedora-geral, assim como o jornalista Edson Sombra, que também ajudou na Operação Caixa de Pandora, mas todos os detalhes da sindicância são mantidos sob sigilo. Bandarra afirma que não há provas de sua participação nos crimes que lhe são atribuídos. Afirma ainda que, por ter ampliado a estrutura do MP para combater o crime organizado, teria sido vítima de retaliações para abalar a sua credibilidade.
Lixo
As denúncias relacionadas à atuação do MP local na fiscalização dos milionários contratos de lixo do GDF criaram um embate dentro da própria instituição, o que acabou provocando a abertura de outro procedimento no CNMP. Integrantes da Câmara de Coordenação e Revisão das Promotorias de Defesa do Patrimônio, as procuradoras de Justiça Ruth Kicis e Suzana Toledo brigam para ter acesso a todas as ações e documentos de procedimentos internos relacionados ao tema que passaram pelas mãos de promotores. Elas tiveram um pedido de acesso negado pelo Conselho Superior do MPDFT — órgão interno de decisões administrativas — sob a alegação de que estariam usurpando competência da Corregedoria-Geral ao investigar a conduta de promotores. Elas, no entanto, estão com a papelada porque conseguiram liminar do CNMP que lhes garantiu liberdade para analisar toda a documentação.
Um recurso contra a liminar, ajuizado pelo Conselho Superior do MPDFT, começou a ser apreciado na última sessão do CNMP, em 29 de abril, mas o julgamento foi suspenso em razão de um pedido de vista do conselheiro Mario Luiz Bonsaglia. Nesta semana, o caso entra novamente na pauta. Ruth Kicis e Suzana Toledo sustentam que querem apenas exercer uma atribuição da Câmara de Revisão, que é o controle interno da atividade funcional das promotorias que fazem investigações. “É uma questão de transparência. Só queremos ter acesso a documentos públicos. Essa dificuldade revela que há algo a ser escondido, mistérios a ser desvendados”, disse Ruth Kicis ao Correio.
1 – Acusações graves
Durval Barbosa conta que conversava com Deborah Guerner por meio de torpedos no telefone celular. O aparelho foi entregue aos investigadores. Segundo esse relato, eles se tratam por codinomes. Deborah era chamada de Rapunzel e Durval seria Gabriel. Eles se referiam a Leonardo Bandarra e José Roberto Arruda como Ricardo e Fernando.Análise da notícia
Contra a impunidade
As denúncias de Durval Barbosa devem ser levadas a sério. Mas as investigações precisam ser encaradas como uma forma de fortalecer o Ministério Público do DF e não como uma estratégia para enfraquecer a classe que teve papel fundamental no desbaratamento do suposto esquema de corrupção iniciado no governo Roriz que provocou a derrocada do grupo liderado por José Roberto Arruda. Eventuais falhas de qualquer integrante do MP do DF não podem abalar a imagem de toda a instituição, cujos membros, em grande maioria, sempre exerceram com empenho a atribuição de zelar pelo patrimônio público na capital do país. A quem interessa desacreditar o MP? Apenas a quem busca a impunidade. (AMC)
Linha do tempo
Com a imagem abalada desde que membros da instituição foram alvo de denúncias de Durval Barbosa, o Ministério Público do Distrito Federal teve participação fundamental em todos os momentos que resultaram na colaboração do ex-secretário de Relações Institucionais e no desbaratamento do suposto esquema de desvios de recursos de contratos de informática.
Agosto de 2004
O então procurador-geral de Justiça do DF, Rogério Schietti (foto), cria comissão para investigar irregularidades nos contratos do GDF com prestadoras de serviço, sem licitação, por meio do Instituto Candango de Solidariedade (ICS). Os promotores Libânio Rodrigues, Fábio Barros, Alessandra Queiroga, Eduardo Gazzinelli e Alexandre Sales começam a ajuizar ações de improbidade e criminais contra a direção do ICS e Durval Barbosa, então presidente da Codeplan, empresa responsável pelos contratos de informática.
Abril de 2006
O telefone da casa da procuradora do Ministério Público de Contas Cláudia Fernanda Pereira, que também atuava na comissão do ICS, é grampeado e trechos de conversas particulares vazam no Tribunal de Contas do DF e na Câmara Legislativa. Há suspeitas de que promotores também tiveram conversas interceptadas ilegalmente. O então procurador-geral de Justiça, Rogério Schietti, faz pronunciamento no plenário do Tribunal de Justiça do DF em que denuncia conexão entre os grampos e os investigados pelo MP.
Outubro de 2006
José Roberto Arruda ganha, no primeiro turno, a eleição para o GDF e anuncia a extinção do ICS. Já no governo, ele demora três meses para nomear Durval Barbosa secretário de Relações Institucionais. Começam os atritos entre os dois, uma vez que Durval cobra a ajuda que deu a Arruda na campanha eleitoral.
Junho de 2008
Na investigação sobre Durval Barbosa e empresas de informática, o Ministério Público realiza, em parceria com a Polícia Federal (PF), a Operação Megabyte. São cumpridos mandados de busca e apreensão na casa de Durval, numa loja da mulher dele e em várias empresas de informática. Durval cobra de Arruda uma postura em seu favor e o ameaça com a divulgação da fita em que aparece entregando dinheiro a ele. O jornalista Edson Sombra se aproxima de Durval. Com base nas apreensões e informações levantadas pelo promotor Eduardo Gazzinelli, Durval vira alvo de várias ações penais.
Primeiro semestre de 2009
O Tribunal de Justiça do DF começa a discutir o recebimento de denúncias de corrupção protocoladas pelo Ministério Público do DF contra Durval.
Agosto de 2009
Por intermédio do jornalista Edson Sombra, a promotora Alessandra Queiroga (foto), do Centro de Inteligência (CI) do Ministério Público do DF, começa a conversar com Durval. O coordenador do CI, Wilton Queiroz, participa da intermediação. Eles apresentam a possibilidade de uma delação premiada para que o então secretário de Relações Institucionais revele esquemas de corrupção do governo Arruda em troca de benefícios nos processos em que é réu. Já nas primeiras conversas, Durval afirma que o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, não poderia saber da investigação e de sua colaboração no caso. Sustenta que ele tem envolvimento com os esquemas..
16 de setembro de 2009
Durval Barbosa presta depoimento aos promotores Sérgio Bruno Cabral Fernandes (foto) e Clayton Germano, do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF. Entrega gravações, descreve esquemas de corrupção, aponta operadores e confessa participação em desvios de recursos. Afirma ser apenas parte da engrenagem de um esquema de corrupção que alimentou toda a preparação de Arruda para a disputa ao GDF em 2006, o que supostamente incluía mesada a políticos e manutenção de estrutura de campanha. No dia seguinte, os promotores encaminham o depoimento ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.. Durval passa a ser um colaborador do Ministério Público e da Polícia Federal na Operação Caixa de Pandora.
Setembro de 2009
Os promotores Sérgio Bruno Cabral Fernandes e Eduardo Gazzinelli são designados, por portaria do procurador-geral da República, para auxiliar nos trabalhos da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, responsável pelo inquérito 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça.
21 de outubro de 2009
Com escuta ambiental presa no corpo, Durval Barbosa grava uma conversa com o então governador José Roberto Arruda e com o então chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel. O diálogo interceptado pela Polícia Federal (PF) trata da distribuição de dinheiro à base aliada.
27 de novembro de 2009
Com a suspeita de vazamento de informação, é deflagrada de forma antecipada a Operação Caixa de Pandora. A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal cumprem mandados de busca e apreensão em vários locais do Governo do Distrito Federal.
Dezembro de 2009
Em depoimentos, Durval afirma que a promotora de Justiça Deborah Guerner e Bandarra recebiam dinheiro para beneficiar empresas prestadoras de serviço no ramo de coleta de lixo. Durval diz que pagou a Deborah R$ 1,6 milhão para ter acesso a informações das investigações do MPDFT. A Corregedoria do Ministério Público abre sindicância para apurar eventuais falhas de conduta. A subprocuradora Raquel Dodge envia depoimento de Durval à Procuradoria Regional da República, onde é aberta investigação criminal contra Deborah Guerner.
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