Cerca de 60 propostas em tramitação preveem pisos salariais nacionais para diversas categorias. Porém, muitas delas não preveem o impacto orçamentário em estados e municípios, o que leva sua aplicação aos tribunais.
A Câmara tem atualmente cerca de 60 propostas, entre projetos de lei ordinária e complementar e propostas de emenda à Constituição, que estabelecem pisos salariais nacionais para diferentes categorias, como médicos, policiais e professores. Caso sejam aprovados, alguns deles terão impacto no orçamento dos estados e municípios — mas, hoje, a análise que a Câmara faz da viabilidade das propostas é apenas sobre o impacto que trazem à União.
Os pisos previstos nos projetos variam de R$ 598, para auxiliares de enfermagem, a R$ 4.650, para advogados, zootecnistas, fonoaudiólogios, fisioterapeutas, enfermeiros, entre outras profissões (veja tabela abaixo).
Falta análise orçamentária
Todas as propostas que geram impacto orçamentário precisam passar pela Comissão de Finanças e Tributação, que tem o poder de arquivar um projeto caso ele não preveja a fonte de receita para sua implementação (avaliação terminativa). Porém, só cabe à comissão avaliar a viabilidade financeira em relação à União — mesmo porque seria impossível avaliar a proposta à luz do orçamento dos quase 6 mil municípios brasileiros.
Assim, os estados e municípios ficam obrigados a cumprir uma lei sem que, muitas vezes, tenham verba para isso. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, projeta que se todas as propostas que estabelecem pisos para profissionais de saúde forem aprovadas haverá uma conta a pagar de quase R$ 50 bilhões. De acordo com o presidente da CNM, esse valor representa toda a arrecadação própria de todos os municípios do Brasil, sem os repasses. “Isso é uma inconsequência e uma irresponsabilidade do Congresso”, disse.
O consultor legislativo de orçamento na área de saúde Mário Luis de Souza também critica a falta de preocupação com a questão. “A União legisla impactando os demais entes federados”.
Para o consultor legislativo de orçamento na área de adequação financeira Eber Zoehler, a grande questão sobre as propostas que estabelecem pisos salariais é “o tratamento igual [um piso salarial de uma categoria] a entes desiguais [um município como São Paulo e outro como Quixeramobim]”. Para ele, o Congresso não poderia estabelecer regras que gerem obrigações aos executivos estaduais e municipais.
Hoje em dia, há apenas duas categorias com previsão de piso salarial estabelecida na constituição: os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (cujos pisos ainda não foram definidos) e os profissionais da educação escolar pública. Os professores tiveram seu piso estabelecido por lei em 2008 (de R$ 950), mas, mesmo com a previsão constitucional, o piso está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Fora da competência da comissão
De acordo com o presidente da Comissão de Finanças e Tributação, deputado Pepe Vargas (PT-RS), não é atribuição do colegiado avaliar o impacto sobre orçamentos de estados e municípios. “É o autor do projeto ou relator da matéria que deve garantir essa análise de impacto, tem de prever a fonte de custeio ou deve reduzir alguma despesa”, afirmou o parlamentar.
Para o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), também integrante da comissão, propostas que geram impactos nos outros entes são inconstitucionais. “Como eu vou, em nível federal, fixar uma despesa e dizer para o estado: vocês paguem? Foge ao bom senso e à legislação”, afirmou. Para ele, a criação de pisos de diferentes carreiras, na esteira do que foi decidido para profissionais do magistério e de saúde, pode criar dificuldades para controlar os orçamentos públicos. “Se fomos levar no limite essa regra, não precisaremos mais fazer orçamento”, reclamou o parlamentar.
Madeira sugere que somente matérias que digam respeito a gastos da União sejam analisadas pelos deputados federais. Na opinião dele, os gastos dos estados e municípios devem ser aprovados pelos respectivos poderes legislativos, ou seja, assembleias legislativas e câmaras municipais.
Para o deputado Guilherme Campos (DEM-SP), os integrantes da Comissão de Finanças devem estar atentos à capacidade de custeio dos demais entes da federação. “Do jeito que está sendo colocado hoje, não tenho dúvida: vai haver um aumento na carga tributária, que já é tão alta”, argumentou.
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