Aos 13 anos, André* experimentou a sensação do uso de drogas pela primeira vez. O entorpecente usado por ele e seus amigos de escola era um colírio terapêutico que, em vez de ser aplicado nos olhos, era aspirado pelo nariz e causava uma certa tontura. Os anos seguintes foram preenchidos pela curiosidade em experimentar outras substâncias que provocavam sensações diferentes — de dormência, alegria e liberdade. André, além do álcool e do cigarro, ainda conheceu a cocaína e o crack(1). Aos 19, o rapaz passou pela primeira das três overdoses que sofreu ao longo da vida. Na última delas, teve 14 convulsões em menos de 24 horas. De tanto se debater, ainda sob os efeitos da droga, hoje carrega no rosto duas cicatrizes, uma no queixo e outra na boca. Agora aos 31, ele ainda luta contra o vício que lhe custou os estudos, o casamento e a vida profissional.
Assim como André, de acordo com estimativa da Sociedade Brasileira de Cardiologia, cerca de 14% dos adolescentes brasileiros com idade entre 12 e 16 anos já experimentaram algum tipo de droga que não álcool ou cigarro. Para o diretor de Promoção da Saúde Cardiovascular da SBC, Dikran Armaganijan, os dados preocupam a equipe médica, já que quando esses jovens chegam aos prontos- socorros com dores no peito causadas por overdoses, dificilmente admitem o uso dessas substâncias, o que prejudica o diagnóstico e o tratamento. “Hoje, os plantonistas devem ter em mente a possibilidade de overdose quando recebem uma criança ou adolescente com arritmia cardíaca ou agitação psicomotora”, alerta. “O uso dessas substâncias aumenta o risco de esses adolescentes desenvolverem doenças cardiovasculares, como a trombose.”
Rui Ramos, chefe da unidade coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, explica que os efeitos de drogas baseadas na cocaína, como a merla e o crack, alteram a quantidade de dopamina no organismo, causando aumento na pressão sanguínea e taquicardia. “A substância compete com os hormônios e outras substâncias naturais do organismo, causando uma série de efeitos colaterais.” O especialista afirma que o tratamento dado a pacientes com infarto deve ser diferente no caso do consumo de substâncias elaboradas à base de cocaína. “Os medicamentos podem interagir com a droga no organismo e causar um efeito pior. Então, ao invés de o paciente melhorar, ele piora”, explica. Segundo Ramos, algumas dessas combinações podem induzir ataques convulsivos ou derrames. “Muitas vezes, quando esses jovens negam o uso de substâncias ilícitas, tenho que ser firme e claro com eles e aviso que o remédio que vou aplicar, se combinado à droga, pode fazer muito mal. Só assim ocorre a confissão, mas não é sempre”, lamenta. Para o médico a prevenção deve começar nas escolas, com a orientação de professores e familiares.
Tratamento
Pesquisa realizada pelo Centro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo confirma a expectativa dos médicos da Sociedade de Cardiologia. No estudo, realizado em 2004, mais de 48 mil estudantes de escolas de ensino fundamental e médio das capitais brasileiras responderam a um questionário sigiloso. No Brasil, a pesquisa constatou que 12,7% das crianças com idade entre 10 e 12 anos já tinham experimentado alguma droga psicotrópica, que não álcool ou tabaco, pelo menos uma vez na vida. E 29,2% dos adolescentes com idade entre 16 e 18 anos também assumiram já ter consumido essas substâncias. Quase 5% dos adolescentes admitiram que utilizaram entorpecentes ao menos seis vezes nos últimos 30 dias que antecederam a pesquisa. Em Brasília, mais de um terço dos adolescentes com idade entre 16 e 18 anos já consumiram droga ilícita alguma vez na vida.
Coordenador de um dos centros de reabilitação próximos à capital, Roberto Aragão diz que o tratamento contra o vício é uma luta diária. “A dependência química é como a diabetes e outras doenças crônicas, tem tratamento, mas não tem cura.” André, que participa do programa há mais de dois anos, acredita na sua recuperação, mas reconhece as dificuldades. “Sei que não sou um caso perdido. Tenho esperança em poder retomar minha vida, mas reconheço minhas fraquezas e vivo na incerteza.” Ele chegou a “ficar limpo” por quase dois anos depois da primeira internação, mas depois de uma forte recaída, voltou para o rancho Desafio Jovem, onde continua o tratamento. André alerta os jovens de hoje sobre os riscos do consumo de substâncias ilícitas: “No começo, a sensação é boa. Mas quando você se vê sem dinheiro, sem amigos, sujo e fedido perambulando pela cidade, percebe que o risco não valeu a pena”.
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