A falta de servidores em órgãos de fiscalização favorece a entrada de armas de fogo pela fronteira brasileira, na avaliação de especialistas ouvidos pelo G1. Eles afirmam que, na maioria dos casos, as armas entram desmontadas ou em pequenas quantidades, escondidas em outras cargas, o que torna mais difícil encontrá-las, uma vez que não há pessoal suficiente nem tecnologia para vasculhar todos os carregamentos.
Em nove meses, a Polícia Federal apreendeu na Operação Sentinela, realizada em 11 estados da fronteira do país, 270 armas de diversos calibres. O número é próximo ao apreendido pela Polícia Militar do Rio em apenas duas semanas de ações na Vila Cruzeiro e no conjunto de favelas do Alemão: 222 armas.
Após a megaoperação contra o tráfico no Rio, o contingente nas fronteiras foi ampliado para ajudar no combate às organizações criminosas.
O coronel da reserva da Polícia Militar José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, explica que as armas chegam principalmente do Paraguai, pelo Mato Grosso do Sul e Paraná. “A maioria das armas que vem para o Brasil são acomodadas em cargas legais e quase nenhum caminhão de carga é parado.”
Para o procurador da República Alexandre Collares, que atua em Foz do Iguaçu (PR), fronteira com Paraguai e Argentina, a falta de pessoal é hoje um dos principais problemas para combater a entrada de armas. “O tráfico de armas é bastante especializado, as quadrilhas são bastante especializadas. Se houvesse efetivo maior, haveria mais repressão e, consequentemente, mais dificuldade para entrada de armas. Elas entram misturadas com mercadorias lícitas, descaminhadas.”
O Ministério Público Federal de Foz do Iguaçu instaurou um inquérito para investigar a estrutura que a região possui para enfrentamento do crime na região da fronteira. “A ideia é fazer um diagnóstico do sistema de repressão. É um inquérito civil, para proteção de direitos coletivos, que é a segurança pública. Ele nasceu da constatação de que a estrutura é precária.”
O coronel José Vicente da Silva Filho avalia que a falta de pessoal pode ser driblada com um bom sistema de inteligência. “É preciso um sistema de inteligência grande, que detecte desde pessoas que entram trazendo droga de bicicleta, até quem lança pacotes de cocaína por via aérea nas fazendas brasileiras. O crime organizado é inteligente. Precisa trabalho conjunto de contenção, inclusive entre outros países.”
Deve começar a funcionar em 2011 um megaprojeto de inteligência e integração de forças de segurança na fronteira brasileira, que visa combater o crime organizado internacional. O projeto está atrasado, uma vez que o cronograma do governo federal previa que, no segundo semestre de 2010, o programa já estaria em fase mais avançada.
O projeto prevê 11 unidades, instaladas em cada um dos 11 estados do país que têm fronteira seca – são quase 17 mil quilômetros.
O projeto de Policiamento Especializado na Fronteira (Pefron) prevê batalhões próprios e uso de equipamentos de última geração, como binóculos com câmera, aviões anfíbios e helicópteros tripulados e não-tripulados. É prevista a atuação de policiais civis, militares e peritos criminais, que serão treinados pela Polícia Federal e Força Nacional de Segurança.
Subsecretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, o major Alexandre Aragon destaca que o governo vem atuando para reduzir a entrada de drogas e armas no país, por meio de acordos e programas internacionais.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Urbana na Câmara dos Deputados, comissão que deve apresentar seu relatório final ainda neste mês, antes do término da legislatura, diz que 80% das armas e das drogas que chegam ao Brasil, vêm pelo Paraguai e entram pelo Mato Grosso do Sul e Paraná.
“Uruguai e Paraguai têm legislação muito brandas para venda de armas. Não tenho nenhuma dúvida que a principal medida para conter crime nas fronteiras é diplomática, uma unificação da legislação do Mercosul”, destaca.
Maior controle
O parlamentar também destaca que há grande quantidade de arma que sai legalmente e volta de maneira ilegal ao Brasil, a chamada triangulação. “Temos dois sistemas de controle, um operado pela Polícia Federal, alimentado pelas polícias civis e militares, e outro controlado pelo Exército, que controla armas das políticas. Mas é burocrático, torna mais lento o rastreamento.”
Pimenta diz que a CPI também vai propor que haja unificação do controle das armas no país. Outra preocupação, destaca o deputado, é controlar melhor as munições no país, uma vez que há indicativos de desvio por parte das próprias forças policiais, que têm, por lei, direito de adquirir munição para uso pessoal.
O coronel Diógenes Dantas Filho, que realizou estudos sobre tráfico de armas na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e planejou uma ação sobre irregularidades em armas com o Ministério Público Militar do Rio de Janeiro, diz que as munições são realmente um “item crítico”.
“A munição é mais fácil de transportar e mais problemática para fiscalizar no varejo. (…) Sem munição a arma não tem utilidade como de fogo, pode se tornar branca. Os estojos devem ter numeração para facilitar o rastreamento da aquisição do lote da munição”, opina Dantas Filho.
Ele destaca que a principal diferença das armas e das drogas, é que as primeiras geralmente começam de uma venda legalizada e depois acabam sendo desvirtuadas. Para ele, “a fiscalização é forte para os fracos e fraca para os fortes.”
Outra observação do coronel é de que, além das fronteiras, as armas também entram no Brasil pelos aeroportos e vias marítimas. “Vêm por terra, mar e ar. A tênue fiscalização na faixa de fronteira terrestre com o Paraguai, Bolívia e Peru, e com relativa malha viária que convergem para o Sudeste.E com rios penetrantes em nosso território vindos da Colômbia e também do Peru. Pelos aeroportos das capitais com esquema mais complexos de subornos a fiscais e pequenos aviões utilizando campos de pousos homologados e clandestinos, apesar da lei do abate”, aponta Dantas Filho.
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