A aplicação de pena alternativa em crime de tráfico de drogas, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há quatro meses, é contestada pelo governo Dilma Rousseff, apesar do apoio do secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desautorizou o secretário, afirmou que o governo tem opinião contrária e negou que vá encaminhar projeto de lei acabando com a prisão de pequenos traficantes. O bate-cabeça dentro do governo deixa claro que, apesar de o tema ter sido exaustivamente repetido pela presidente durante as eleições, ainda não há uma proposta definida para uma política de combate às drogas. Enquanto isso, a decisão sobre a aplicação de penas alternativas fica com a Justiça.
Quatro meses depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a medida ainda é restrita às capitais e tribunais de segunda instância. Sem efeito vinculante, os ministros entenderam que caberia ao juiz a competência de examinar cada caso e, eventualmente, converter a pena. Levantamento feito pelo Correio em varas criminais de todo o país revela que o precedente aberto pelo Supremo é limitado e não abrange áreas diretamente afetadas pelo tráfico. Proximidade com o crime, desorganização no sistema de penas alternativas e desinformação são apontados como motivos para diferentes realidades.
A presidente Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral, criticou a descriminalização e defendeu ações mais repressivas no combate às drogas, uma das bandeiras de governo. Publicamente, Cardozo havia defendido o debate público sobre a descriminalização das drogas. Abramovay apoia a alteração da pena de pequenos traficantes como alternativa ao caos do sistema penitenciário e como forma de viabilizar a reinserção dos detentos na sociedade.
A Polícia Federal, responsável pelas ações de repressão às drogas, também é contrária à revisão da pena de traficantes. Defende, porém, mudanças que criem parâmetros quantitativos para que os juízes considerem tráfico de drogas. Com a polêmica, a tendência é que o governo deixe mais uma vez a decisão para o Judiciário. A edição de uma súmula vinculante chegou a ser sugerida, mas não deve ser levada adiante. Cardozo encomendou um estudo sobre a legislação e as experiências de outros países com políticas públicas sobre drogas.
Sem consenso Coronel Sapucaia, fronteira do Brasil com o Paraguai, no Mato Grosso do Sul, ocupa a quinta posição no ran-king nacional de violência. A taxa de homicídio é de 103 a cada 100 mil habitantes. A estatística soma-se ao tráfico de drogas, roubo de cargas e de veículos, engrossando a pilha de 3,5 mil processos nas mãos do juiz Cezar de Sousa Lima. O presídio da região está à beira de um colapso, como tantos outros pelo país. Num espaço feito para 67 presos, amontoam-se 216 detentos. O magistrado, ainda assim, defende uma posição firme: não aplica pena alternativa nos casos de comércio ilegal de drogas. “O tráfico é financiador de outros crimes. O pequeno traficante ou o mula são engrenagens essenciais e cometeram um crime grave”, afirma o juiz.
Contrário ao que considera “abrandamento da lei de tráfico”, o magistrado teme o crescimento do mercado ilegal, da impunidade, e critica a medida como forma de sanar o problema das superlotações dos presídios. “O Estado tem que assumir suas responsabilidades.”
A Justiça de municípios de fronteira no Acre, Rondônia e Mato Grosso segue a mesma lógica. Os magistrados ainda reclamam da falta de estrutura para aplicação de penas alternativas nessas cidades. Varas Criminais do Paraná também entendem que a decisão do STF foi uma “excepcionalidade” e só consideram possível a pena alternativa para usuários.
Alternativa Em Cuiabá, a 9ª Vara Criminal concedeu, desde setembro, data da decisão do STF, 24 penas alternativas em crimes de tráfico de drogas.
No Juizado Especial, o número é ainda maior: 186, sendo que 174 foram encaminhados para o tratamento da dependência química nos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps). O juiz Sandro Portal, da vara criminal de Porto Alegre, também adotou o entendimento da Corte Superior. “Analiso o caso concreto, tentando estabelecer naquele processo o histórico de vida da pessoa, o tipo de envolvimento com o delito, as relações familiares e profissionais para a partir daí determinar se naquela circunstância é conveniente a substituição pela pena alternativa”, afirma.
Na capital do Rio Grande do Sul, um rapaz, preso em flagrante com drogas, recebeu como punição a limitação do fim de semana e a participação em palestras. Com endereço fixo, dois empregos e relações familiares sólidas, o jovem buscava, segundo o processo, elevar a renda com a venda de entorpecentes. A Vara de Execuções de Penas Alternativas do TJ de Pernambuco concedeu esse tipo de pena em 10 decisões, desde setembro. Na quarta-feira, foi a vez de o Tribunal de Justiça de São Paulo converter em prestação de serviço à comunidade a sentença de um rapaz condenado por tráfico de drogas. Preso com 25 porções de maconha e 15 pedras de crack, o jovem alegou uso próprio. Mas para o relator a grande quantidade de drogas em poder do rapaz caracteriza tráfico.
Comments are closed.