Por: Valdomiro Nenevê
Vivemos hodiernamente a sensação de que o “crime compensa”, haja vista a tibieza de nossas leis referentes à repressão no campo penal. Claro que essa compensação é em termos, ou seja: apenas para o infrator, quiçá se for abastado, uma vez que terá em seu favor uma série de benefícios, inúmeros recursos e uma atuante organização dita “representantes dos direitos humanos”. O único que “sofre na pele” o peso do cárcere, superlotado e fétido, é o marginal desprovido de recursos econômicos para contratar um causídico à altura.
O inquérito policial é um procedimento policial administrativo previsto no Código de Processo Penal. Ele antecede a ação penal, sendo portanto classificado como pré-processual. O inquérito é mantido sob a guarda do escrivão de polícia e presidido pelo delegado de polícia. Sua finalidade é, através dos elementos investigatórios que o integram, fornecer ao órgão da acusação os elementos necessários para formar a suspeita do crime, a justa causa que necessita aquele órgão para propor a ação penal, com os demais elementos probatórios, ele orientará a acusação na colheita de provas que se realizará durante a instrução processual.
Ocorre que, cabe ao Ministério Público, estadual ou federal, o dominus litis da ação penal pública, ou seja, com base nos elementos apurados na fase de investigação, oferecer a denúncia ou pedir o arquivamento do inquérito. A função do delegado é simplesmente colher os fatos, através de investigação justa, relatá-los e enviar o inquérito ao promotor de justiça que é o dono da ação penal. Por isso compete somente ao parquet tipificar o crime (qual artigo que foi infringido; há agravante, é qualificada a conduta etc…).
Isso significa que o serviço da polícia judiciária não é importante? Em nenhum momento pretendi fazer tal afirmação. Diria, sem medo de errar, que graças ao heróico serviço da polícia, como um todo, é o fator determinante para amenizar a situação dessa guerra civil vivida, quiçá nos grande centros. O que seria de nós cidadão honestos sem a presença dessa instituição policial, a qual, muitas vezes, não tem o reconhecimento que lhe é devido.
O meu questionamento é no sentido de, apenas, trazer à baila da necessidade ou não de continuarmos com esse procedimento adminsitrativo denominado inquérito policial. A minha intenção não é fazer nenhuma crítica à função desempenhada pelos delegados de polícias, nem devo, sou um simples mortal e não tenho nenhuma autoridade para tal. Mas, por mais que dediquem esforço intelectual descomunal nessa empreitada, ao remeterem relatados os autos, tanto o representante do Ministério Público e o próprio judiciário vão desconsiderá-lo por completo. Isso mesmo. Ora, se todas as pessoas ouvidas, indiciado e testemunhas, terão que prestar novos esclarecimentos a essas autoridades, estaduais ou federais, é porque o anterior, produzido na fase policial, não tem nenhum valor. Nos meus tempos de policial civil já ouvi vários Promotores e Juízes assim se manifestarem: “de todo inquérito policial só aproveito as provas periciais…”. Na polícia federal não é diferente. Então, porque gastar combustível, papel, tinta, tempo em perquirir os envolvidos, se essa documentação é tratada com menosprezo ao alcançar a fase judicial.
Em uma entrevista com o juiz federal Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, ao responder uma pergunta sobre qual seu posicionamento sobre a extinção do inquérito policial, ele respondeu, entre outras coisas, que deveria ser similar ao que ocorre nos EUA onde existe investigação policial a qual, ao final, elabora um relatório contendo os elementos de provas e o rol de testemunhas e outros envolvidos, os quais serão ouvidos somente perante o juiz, quer dizer, não cabe à polícia colher depoimento ou interrogar algum suspeito.
Encontra-se em trâmite no Congresso Nacional projeto de reforma do vetusto Código de Processo Penal, o qual, certamente, trará avanços consideráveis. Mas, em matéria penal, as mudanças propostas não surtirão os efeitos desejados se não for extinto o obsoleto Inquérito Policial e qualquer modificação não passará de utopia. Não haverá progresso enquanto não for instituído o juizado de instrução criminal preliminar, um órgão que congrega as diversas polícias, ministério público, defensoria pública e judiciário em um só lugar. A investigação criminal ficaria mais enxuta, menos burocratizada, mais técnica, limitando-se à coleta de dados, à realização de perícias, de buscas e apreensões, de interceptações e rol de testemunhas.
Diante do exposto, já posso responder a pergunta do título supracitado. A manutenção do inquérito policial interessa ao Judiciário, ao Ministério Público e também, quero crer, aos delegados de polícia. Vocês acham que juízes e promotores de justiça estarão dispostos a ficarem de plantão, no caso da implantação dos juizados de instrução preliminar, à espera, diuturnamente, de que policiais, das mais diversas matizes, cheguem com as ocorrências para que as providências judiciais sejam aplicadas com celeridade? Duvido.
É muito mais cômodo receberem os inquéritos policiais relatados, em suas aconchegantes salas, contando com o auxílio de diversos assessores, ainda que não aproveitem muita coisa das informações contidas nesse caderno investigatório. Ato contínuo, de acordo com suas conveniências, marcarão as devidas audiências e outros atos judiciais. Se fosse encurtado todo esse procedimento, sem necessidade de duplicar nenhum ato, seria um grande passo para aniquilar a impunidade que consiste na sensação compartilhada entre os membros de uma sociedade no sentido de que a punição de infratores é rara e/ou insuficiente. Disso deriva uma cultura marcada pela ausência de punição ou pela displicência na aplicação de penas. Precisamos quebrar esse paradigma.
Fonte: Agência Fenapef
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