Após prender 19 policiais militares acusados de integrar um grupo de extermínio, policiais federais retomarão mais de 50 investigações de mortes com características de execução. A maioria dos crimes ocorreu em Goiânia e no Entorno de Brasília, mas os inquéritos acabaram engavetados pela Polícia Civil de Goiás sem apontar culpados. Boa parte teria como autores os homens do bando desarticulado ontem na Operação Sexto Mandamento. Entre os suspeitos está o subcomandante geral da Polícia Militar de Goiás, coronel Carlos Cézar Macário. Em outra frente, agentes federais tentam localizar a partir de hoje um suposto cemitério clandestino nos arredores da capital goiana, onde os PMs teriam enterrado algumas das suas vítimas.
Os casos a serem reabertos pela Polícia Federal (PF) dizem respeito apenas a abordagens policiais. No entanto, os PMs são suspeitos de outras dezenas de mortes ocorridas em outras circunstâncias, inclusive sob encomenda, de acordo com investigações realizadas pelo Ministério Público de Goiás e a corregedoria da PM goiana.
Além dos militares, oito autoridades estão sob investigação, mas em liberdade. Fazem parte da lista o ex-secretário de Segurança Pública de Goiás Ernesto Roller e o ex-secretário da Fazenda estadual Jorcelino Braga (leia Quem é quem). Ambos são suspeitos de tráfico de influência, que resultaram nas promoções de patentes de integrantes do esquadrão da morte. Roller coroou com o posto de tenente-coronel o então major Ricardo Rocha. Apontado como o líder do grupo de extermínio, Rocha comandou o 16º Batalhão da PM, em Formosa, por dois anos. Na cidade distante 70km de Brasília, ele matou 15 pessoas, segundo as apurações. O tenente-coronel coleciona mais de 100 mortes em outras localidades.
O superintendente da PF em Goiás, Antonio Carlos da Silva, afirmou que o número de vítimas do grupo pode chegar a 50. Ele se baseia só nos casos de supostas trocas de tiros entre PMs e suspeitos de crimes. “Há inúmeros relatos de pessoas inocentes serem assassinadas porque estavam no lugar errado e na hora errada. Uma espécie de queima de arquivo. Não existia alguém que mandava. Eles atuavam como justiceiros. O grupo que combatemos era forte, poderoso e bem estruturado”, ressaltou.
O procurador-geral do Ministério Público de Goiás, Eduardo Abdon, lembrou que a instituição iniciou as investigações sobre o esquadrão da morte em dezembro de 2009, logo após o Correio Braziliense revelar os assassinatos em série ocorridos em pelo menos quatro cidades do Entorno. “As reportagens divulgadas ajudaram também nas investigações e, quando tínhamos um material bastante robusto contra eles, decidimos pedir a entrada da PF no caso”, contou.
Segurança máxima
A Polícia Federal cumpriu no início da manhã os 19 mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça. Os federais detiveram 13 militares em Goiânia e os outros seis em Formosa, Flores e Acreúna. Os PMs devem ser transferidos hoje para o presídio federal de segurança máxima localizado em Campo Grande (MS). O secretário de Segurança Pública de Goiás, João Furtado Neto, exonerou o subcomandante da PM logo após a divulgação da prisão dele.
Entre as vítimas da quadrilha formada por policiais militares de diversas patentes e alvo da operação realizada ontem estariam crianças, adolescentes e mulheres sem qualquer envolvimento com a prática de crimes. O grupo de extermínio é investigado por federais baseados em Goiás há cerca de um ano. Segundo as investigações, a organização criminosa tinha como principal atividade a prática habitual de homicídios.
Em nota, a PF afirmou que “nos últimos 10 anos, os integrantes da organização criminosa começaram a fortalecer a sua atuação nos municípios de Formosa, Rio Verde, Acreúna, Alvorada do Norte, bem como Goiânia. Assim, onde se instalavam, o número de vítimas de homicídios em supostos confrontos com aquela corporação aumentava consideravelmente.” Os presos responderão por homicídio qualificado em atividades de grupo de extermínio, formação de quadrilha, tortura qualificada, tráfico de influência, falso testemunho, ocultação de cadáver, prevaricação, porte de arma de fogo de calibre restrito às Forças Armadas e ameaças a testemunhas.
Denuncie
A Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Pública de Goiás iniciarão as buscas às pessoas desaparecidas após abordagens policiais. Criaram, assim, um canal de denúncia com o endereço denuncia.srgo@dpf.gov.br, por meio do qual a população poderá encaminhar informações para auxiliar a atividade policial de busca, bem como outros dados sobre crimes não esclarecidos. As identidades dos denunciantes serão preservadas.
Quem é quem
Os principais acusados de envolvimento com o grupo de extermínio que age no Entorno do
DF e em outras região de Goiás.
Ernesto Roller
Secretário de Segurança Pública de Goiás durante o governo Alcides Rodrigues (2007-2010) e atual procurador-geral de Goiânia. Também foi candidato a vice-governador de Goiás na última eleição pela chapa de Wanderlan (PP), mesmo partido de Rodrigues. Teria protegido os PMs investigados, promovendo-os após serem denunciados à Justiça por suposto envolvimento nas mortes de inocentes. Deputado estadual até o ano passado — como concorreu a vice-governador não pôde disputar a reeleição para a Assembleia Legislativa goiana —, Roller tinha como base eleitoral Formosa, sua terra natal, onde está baseado o 16º Batalhão da PMGO, responsável pela maioria das execuções, segundo as investigações da corporação.
Ricardo Rocha
Ele carrega a fama de ser o maior matador da Polícia Militar de Goiás, título dado pelo Ministério Público de Goiás e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa goiana. O oficial e alguns homens sob seu comando teriam tirado a vida de cerca de 100 pessoas. Rocha não nega a maioria das mortes, mas diz ter tirado a vida “apenas” de criminosos e em serviço. Ele responde a cinco inquéritos criminais, foi indiciado pela Corregedoria da PMGO e acabou afastado do comando do 16º Batalhão de Formosa em setembro de 2010, quando, até então, tinha o apoio incondicional de Ernesto Roller.
Jorcelino Braga
Foi secretário da Fazenda de Goiás na gestão de Alcides Rodrigues, colega de partido. Assim como Roller, é investigado pela Polícia Federal por “prática de tráfico de influência que resultaram nas promoções de patentes de integrantes da organização criminosa (o grupo de extermínio)”. Quando era secretário, se viu envolvido em um escândalo de corrupção protagonizado por sua filha. Aniela Braga estaria cobrando 10% de comissão sobre os recursos liberados pelo governo do Estado para uma entidade beneficente. Até então, Jorcelino, que assumiu a secretaria em 2007 e se tornou o “homem forte” do governo Alcides, tinha o nome cotado para candidato ao governo do Estado.
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