O irônico é o governo federal lançar penalidades aos estados e prefeituras que não cumprem regras que ele não aplica para si.
O governo federal parece disposto a aprovar finalmente o fundo de previdência complementar para os servidores públicos federais e, assim, começar a enfrentar o deficit astronômico de R$ 51,2 bilhões em 2010, que não para de crescer. A equipe do ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, está trabalhando a todo vapor. Acha que o sinal verde do Palácio do Planalto é para valer. Pode ser. Afinal, a reforma constitucional que criou a possibilidade de haver previdência complementar para o funcionalismo da União, estados e municípios é de 2003. E o projeto de lei regulamentando a matéria na esfera federal tramita no Congresso desde 2007.
O fato é que, passados oito anos, nenhum ente público instituiu o seu fundo complementar até hoje. Não há motivos para continuar a embromação. A União ainda estaria saindo à frente com uma questão que enfrenta grande resistência do servidor público. Mas o passado recente demonstra que há o grande risco de não passar de mais um balão de ensaio.
A regulamentação do fundo de previdência complementar para área federal já constou do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quando do lançamento de sua primeira versão, que envolvia um conjunto de medidas de gestão e melhoria do gasto público. Como todos sabem, o PAC resume-se hoje a obras de infraestrutura.
Apesar do discurso, desde a reforma constitucional de 2003, o governo PT não tem demonstrado interesse em colocar ordem nessa casa desorganizada, em que servidores se aposentam com benefícios praticamente integrais, sem que tenham contribuído o suficiente para isso. Além de deixarem pensões altas, a ser pagas por até mais de 60 anos, dependendo da idade do cônjuge ou de outros dependentes. O valor médio das aposentadorias na União está em R$ 6,2 mil. No Judiciário, esse valor é de R$ 16 mil e no Legislativo, R$ 20,5 mil. No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o valor médio de R$ 771.
Transparência – O governo federal não aplica sequer a si uma lei antiga que cobra de estados e municípios — a que determina a regularização das contas dos regimes próprios de previdência de cada um deles. É a Lei nº 9.717 de 1998, que foi aprovada na esteira da Emenda Constitucional nº 20, a primeira grande reforma constitucional das aposentadorias dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público.
O objetivo da norma é separar as contas da previdência dos servidores da União e dos governos estaduais e municipais do caixa do tesouro, para saber com mais nitidez o que entra de contribuição e o que sai em benefícios. Naqueles fundos ou institutos — não importa o modelo adotado — em que há saldo financeiro, há um conjunto de regras para aplicação do dinheiro, com limitação de exposição a certos riscos.
Viabilidade – Mas não há mudança nas regras de concessão de benefícios, até porque isso é matéria constitucional. Por isso, não há garantia de que esses fundos serão viáveis financeiramente. Qualquer rombo nas contas continua sendo coberto pelo tesouro de cada ente público. Também não existe separação entre o beneficio básico e o adicional, tal como prevê o futuro fundo de previdência complementar, em que o valor desse adicional fica condicionado à boa gerência dos recursos, tal como nas fundações das estatais.
De qualquer forma, seguindo a Lei nº 9.717, os regimes previdenciários dos servidores passam a ter transparência e a possibilidade de gerir os recursos que entram de forma independente. O governo criou, no passado, até um órgão de fiscalização, o Departamento de Regimes Próprios de Previdência, no âmbito do Ministério da Previdência Social, e instituiu um Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). Sem ele, os municípios e estados não recebem as transferências de recursos voluntárias da União nem podem assinar convênios ou obter empréstimos de bancos estatais. Assim, só conseguem o CRP aqueles que estão cumprindo a lei.
Na gaveta – Todos os estados e capitais já aprovaram seus institutos próprios e também uma boa parte dos municípios. Uma parcela das prefeituras não precisa cumprir a lei, pois não tem regime próprio e seus servidores se aposentam pelo INSS. O irônico é o governo federal lançar penalidades aos estados e prefeituras que não cumprem regras que ele não aplica para si. É aquela a situação: faça o que eu digo, não o que eu faço.
No início do segundo mandato do governo Lula, já estava pronto um projeto de lei que pretendia reestruturar a previdência do funcionalismo federal em cumprimento à Lei nº 9.717. O projeto já tinha sido objeto de discussão entre as equipes dos ministérios do Planejamento e da Previdência.
Quando o atual secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Ferreira, assumiu o cargo, a proposta passou por nova rodada de discussões e sofreu alguns ajustes técnicos. Mas da pasta o projeto não saiu. Se o governo pretende mesmo fazer alguma coisa em relação à bomba-relógio da previdência do seu funcionalismo, pode começar fuçando as gavetas da Secretaria de Recursos Humanos.
Comments are closed.