Um documento assinado por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália aponta a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas. No documento, traduzido do italiano para o português pelo juiz José Henrique Rodrigues Torres, de Campinas (SP), o grupo conclui que as medidas adotadas até então na “guerra contra as drogas” não surtiram efeito, além de terem provocado “gravíssimas” consequências. O documento, assinado em junho deste ano em Roma, foi divulgado pela Associação Juízes para a Democracia (AJD).
“A estratégia dos Estados deve ser modificada para que sejam garantidas a assistência integral aos usuários de drogas, a realização de fortes e eficazes campanhas de informação e prevenção sobre o uso de quaisquer drogas, consideradas legais ou ilegais, e, sobretudo, a implantação de políticas públicas efetivas de inclusão social e laboral”, diz a Declaração de Roma.
Para os juízes que assinam o documento, as políticas de combate às drogas implementadas por diversos países violam o princípio da proporcionalidade das penas, sobretudo em casos de menor gravidade. O resultado, dizem, é o colapso do sistema carcerário.
“A excessiva utilização da legislação de emergência, nesses últimos 30 anos, apenas logrou atingir o resultado de aumentar os nichos de corrupção nos estamentos políticos, judiciais e, sobretudo, das forças de ordem e prevenção”, completam. Por outro lado, políticas sociais e que garantam tratamento aos envolvidos não têm sido implementadas.
O grupo defende mudanças na legislação “para que as normas contemplem respostas penais diferenciadas, de acordo com a natureza e gravidade dos delitos de tráfico de drogas e de maior complexidade, garantindo-se que a reprovação punitiva seja proporcional ao injusto e às condições pessoais dos autores dos fatos, assegurando-se a possibilidade de não encarceramento e a implantação de medidas alternativas, bem como a imposição de condenações condicionais, e estabelecendo-se a alternativa utilização de soluções no âmbito do Direito Administrativo e do Direito Civil”.
Rubens Roberto Casara, um dos juízes brasileiros participantes do encontro, explica que o documento elaborado ao final da reunião é fruto de um consenso entre os membros, apontando realidades em comum nos países envolvidos no que concerne às políticas públicas voltadas para o combate às drogas. Como a política de droga é muito parecida no mundo inteiro, as constatações a que os integrantes chegaram, mesmo oriundos de países diferentes, assemelham-se a do Brasil.
Um exemplo é a questão da pena diferenciada para tipos distintos de situações que envolvam pessoas flagradas com drogas. Casara conta que esse tópico não foi pensado na realidade brasileira especificamente, mas na italiana a diferenciação de penas é menor ainda. “Não dá para comparar “aviãozinho” do tráfico ao capitalista das drogas”, diz.
No Brasil, observa o juiz, a nova lei de drogas introduziu uma resposta penal diferenciada. No entanto, ele a considera insuficiente já que ainda criminaliza uma série de condutas. Para o juiz, deveria haver um rol maior de hipóteses e diferenciações.
Foi através do Supremo Tribunal Federal que caiu a vedação de progressão de regime em caso de tráfico, prevista na legislação. O Supremo entendeu ser inconstitucional tal vedação por impedir a individualização da pena aplicada ao réu pelo juiz. “O legislador não tem carta branca para criar o que quiser ou vedar o que entender em Direito Penal”, observa Casara.
Em 2009, houve encontro semelhante, na cidade do Porto, em Portugal. “A falta de políticas públicas em matéria preventiva por parte dos diversos governos de distinto sinal político é inversamente proporcional ao crescimento da propaganda de mão dura ou de campanhas de lei e ordem, as quais, confrontadas com a realidade, demonstram ser meras ilusões”, afirmava o documento assinado à época.
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