Excursionar pelos corredores da Controladoria Geral da União (CGU) é certamente menos palpitante que correr os olhos pelas auditorias produzidas ali, com a crônica das perversões e malabarismos cometidos com o dinheiro público Esplanada afora. O ambiente é silencioso, com um quê de biblioteca. Tomado por pilhas de processos, parece bem mais uma repartição pública do que sugeriria o imaginário sobre um órgão que investiga corrupção.
Os analistas de finanças e controle não usam lupa e não recorrem a escutas. Passam o dia com os olhos vidrados na tela do computador ou debruçados sobre planilhas e processos, à moda antiga. Têm mais um jeitão de nerds, e só se despem desse estereótipo às 15h30m, quando uma professora de ginástica, devidamente uniformizada, chama cada grupo ao corredor para uma aula de ginástica laboral, ao som de blues.
Dali saíram, recentemente, confirmações escabrosas, como a de que as irregularidades cometidas por empreiteiros, políticos e servidores abriram um rombo de quase R$700 milhões no Ministério dos Transportes. Os nerds já expulsaram da administração pública, desde 2003, 3.434 sanguessugas com crachá de funcionários públicos – 465 só de janeiro a outubro deste ano, um recorde. Colocaram na internet o breve relato de todos os convênios com ONGs, a caixa-preta dos ministérios. E colaboraram com a Polícia Federal em muitas operações.
Formados em variadas áreas, os analistas, no topo da carreira, ganham entre R$10 mil e R$12 mil por 40 horas semanais, menos que os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU).
Não raro, o dia a dia é monótono, dedicado a farejar impropriedades em notas fiscais, contratos e processos. Uma das ferramentas mais importantes é o cruzamento de dados com os sistemas de informação do governo, como Siafi e Siconv, que formam uma babel de siglas. Com isso, é possível descobrir mortos recebendo benefícios do governo. E gente bem viva, embolsando o que não deve.
– Na verdade, a gente não deve ficar restrita à análise de papel, mas verificar o objeto do convênio. E não adianta cumpri-lo com custos exorbitantes – constata Eliane Viegas Mota, coordenadora-geral de auditoria dos ministérios do Turismo e do Esporte, duas vedetes do noticiário político-policial.
Está no setor dela um volume grosso, com o título rabiscado à mão: “Kung Fu”. É o processo do policial João Dias Ferreira, símbolo da crise no Esporte, que derrubou o ex-ministro Orlando Silva.
Eliane diz que a tarefa da CGU, criada em 2001, não é só achar desvios, mas auxiliar os ministérios a aperfeiçoar a gestão. Nomeado pelo presidente, assim como os demais ministros, o chefe dos nerds, o baiano Jorge Hage, vez ou outra se põe em saia-justa ao apontar o dedo para os colegas. Em meio ao escândalo dos Transportes, declarou que “a corrupção está no DNA do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)”.
– Não tenho dor de cabeça. E não diria que tem reação ao nosso trabalho de forma direta. Pressão, nunca sofri, até porque trabalhamos para o governo e pelo governo – assegura.
A CGU tem hoje 2.200 funcionários, metade nos estados. O quadro completo, previsto na carreira de finanças e controle, prevê cinco mil. Além do crescente Orçamento federal a ser auditado, é preciso dar conta de programas de prevenção à corrupção, orientar gestores e promover ações de transparência. No ano que vem, haverá novo teste: implementar a Lei de Acesso à Informação, aprovada pelo Congresso e à espera de sanção da presidente Dilma. Caberá à CGU analisar recursos de interessados quando um ministério se negar a fornecer dados ou documentos. Ela terá de treinar servidores para atender às novas demandas.
Hage lembra que, a cada concurso que o TCU abre para contratar analistas de finanças, a CGU perde entre 30 e 50 servidores, a maioria de alta qualificação. É que lá eles ganham mais, em torno de R$17 mil no topo da carreira.
– (Não está) da maneira que gostaríamos. Mas temos que dar conta – resigna-se o ministro.
Fonte: O Globo
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