Fonte: Valor Econômico
Já fixadas as penas para os 25 réus condenados na Ação Penal nº 470, os olhares agora se voltam para a execução destas respectivas punições, as formas de cumprimento de penas privativas de liberdade, bem como as regras jurídicas a elas atinentes. Um sintético entendimento a respeito da execução penal no Brasil exige um retorno ao ano de 1984, especificamente quando da entrada em vigor da atual Parte Geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984). Ambos os diplomas foram elaborados, naquele momento, em perfeita sincronia, fruto do trabalho de comissão presidida pelo ministro Francisco de Assis Toledo e composta, dentre outros, por juristas da envergadura dos professores Miguel Reale Júnior e Ricardo Antunes Andreucci, ambos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Este movimento de reforma penal antecipou, inclusive, diversos princípios posteriormente consagrados em 1988, com o advento de nossa Constituição Cidadã. A legislação penal, nesse sentido, estava plenamente de acordo com essenciais diretrizes norteadoras da relação entre cidadão e Estado, o que faz com que sua atualidade, ainda hoje, seja notória. Especificamente no âmbito da execução penal, adotou-se uma finalidade clara, isto é, a pena privativa de liberdade não deve ser destinada ao cego castigo do delinquente. Ao contrário, deve ser pautada por ideais de prevenção. Em suma, e de acordo com o artigo 1º da LEP, a execução objetiva proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado. Isso implica, necessariamente, na garantia de uma série de direitos de todas as ordens, como sociais, psicológico, educacional, jurídico etc.
Neste diapasão de integração social e retorno ao convívio por parte do condenado, a legislação adotou um sistema de privação de liberdade denominado como progressivo. De origem irlandesa, tal modelo consiste na gradativa obtenção da liberdade, na medida em que os regimes prisionais que se sucedem caminham, em regra, da modalidade mais grave para aquela menos grave. Por essa razão, verifica-se na lei a existência de três regimes distintos, ou seja, o fechado, o semiaberto e o aberto. Para além de outras modalidades inerentes à execução, pode-se dizer, em termos gerais, que a progressão de um regime para outro, sempre implicando em menor severidade de controle, ajusta-se sob dois critérios principais. O primeiro deles é temporal, daí a se afirmar que, após o cumprimento de uma parcela da pena em determinado regime, tem o preso o direito à progressão. Tal lapso temporal na legislação brasileira é, em regra, de um sexto do total da pena imposta.
Há um segundo critério não menos importante. Trata-se de aspectos subjetivos, de ordem pessoal do condenado, envolvendo, basicamente, o seu comportamento carcerário, conforme estabelecido pelo artigo 112 da LEP. Portanto, percebe-se aqui uma relação fundamental entre bom comportamento carcerário e progressão do regime. Vale lembrar, mais uma vez, que o sistema progressivo, com a gradativa obtenção da liberdade, pauta-se por uma dimensão de autorresponsabilidade do condenado. À medida que o avanço para um regime mais benéfico consiste na maior permissividade do estabelecimento prisional, é correto ao Estado exigir demonstrativos de que o indivíduo está apto à convivência em novos padrões.
Para ilustrar, a lei determina que o regime fechado seja cumprido em penitenciária, em cela individual de, no mínimo, 6 metros quadrados. Demonstra-se, assim, um modelo de isolamento, de rígido controle disciplinar. O regime semiaberto, ao seu turno, deve ser cumprido em colônia agrícola ou industrial, podendo ser alojado o preso em compartimento coletivo. Perde-se aquela noção de clausura máxima do regime fechado. O regime aberto, ao final, será cumprido em Casa do Albergado, devendo esta estar situada em centro urbano, caracterizando-se pela ausência de obstáculos físicos contra fugas, e também dotada de local adequado para a realização de cursos e palestras.
Há, portanto, uma racionalidade por detrás dos dispositivos legais. Infelizmente, o problema é que a LEP, em vigor desde o século passado, muito pouco foi incrementada pelo Poder Público, no tocante à efetivação prática de suas diretrizes. Os juristas fizeram sua contribuição. Os administradores públicos, até hoje, não cumpriram integralmente com sua tarefa.
Alamiro Velludo Salvador Netto é professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
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