Por Elton Bezerra – Revista Consultor Jurídico
O Brasil tem mais de 3,8 milhões de inquéritos policiais ou notícias-crime sem conclusão. A quantidade equivale a 72% do total de 5,3 milhões de inquéritos recebidos pelas Promotorias e Procuradorias estaduais e federais. É o que revelam os dados do relatório Ministério Público — Um retrato, divulgado em dezembro pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Com números inéditos sobre a atuação dos Ministérios Públicos estaduais e da União, a publicação traz o total de inquéritos acumulados até o ano de 2011. O estudo, porém, não diz o início da contagem. O cálculo leva em conta os inquéritos recebidos pelos MPs que não foram arquivados nem viraram denúncia.
Segundo Michel Romano, promotor de Justiça em São Paulo e membro auxiliar do conselho, não existe meta para baixar o número total de inquéritos sem conclusão. ''O CNMP não publica esses dados para fazer algum tipo de cobrança. A exposição dos números é uma forma de melhorar a gestão. Cada MP vai analisar seus dados'', afirma.
Ele diz que, na metade de 2013, o CNMP publicará nova edição do relatório, em que os inquéritos estarão separados ao menos por título penal.
Fonte: Ministério Público – Um retrato – dados relativos a 2011
Na opinião do promotor de Justiça em Minas Gerais André Luís Melo, o número de casos sem conclusão é alto. ''A cada 30 dias, a delegacia tem que mandar todos os inquéritos para o fórum. De cada dez desses inquéritos, sete estão indo e voltando pedindo mais prazo,'' analisa.
Na avaliação do promotor, o maior problema nos inquéritos é que eles não têm o nome do réu e, assim, não é possível processar. ''Por isso, ficam indo e voltando. Só se arquiva em caso de prescrição, ou quando o fato não é crime, ou ainda se é aplicável o princípio da insignificância'', diz.
Melo diz também que o número elevado de casos pendentes é reflexo direto de uma interpretação equivocada sobre a ação penal. ''É preciso romper com o mito da obrigatoriedade da ação penal. Temos de estabelecer prioridades'', defende. ''Com esse volume de ocorrências, não tem como investigar, relatar e apurar a autoria em 30 dias. A não ser que seja prisão em flagrante. Os crimes mais complexos acabam parados. Na Europa ou nos Estados Unidos, investiga-se só os mais graves.''
Segundo o artigo 10 do Código de Processo Penal, a Polícia deve concluir o inquérito em dez dias nos caso de indiciado preso em flagrante, e em 30 dias quando ele estiver solto. ''Tenho inquérito iniciado em 2003 indo e voltando da delegacia para o fórum'', queixa-se o promotor.
Medidas despenalizadoras
O relatório também traz o número de Transações Penais e de Suspensões Condicionais do Processo. Ambos os benefícios são para crimes de menor potencial ofensivo. Para ter direito a eles, o acusado deve cumprir alguns requisitos. Segundo os dados, foram contabilizadas, em 2011, 151 mil transações penais e 86,7 mil suspensões de processos. A soma das duas medidas chega a 237,7 mil casos — o equivalente a apenas 4% do total de 5,3 milhões de inquéritos recebidos pelo MP.
Segundo o promotor André Luis Melo, há resistência dentro do MP ao uso dessas práticas. ''Se o réu não cumprir a transação, o que acontece? A legislação não fala. Isso gera insegurança na sua aplicação. A legislação diz que, se não houver cumprimento, o sujeito é preso, mas o STF julgou a norma inconstitucional, sob a justificativa de que, nesse caso, não haveria processo.''
Outro ponto que dificulta a extensão do benefício a um maior número de casos é seu alcance restrito. ''A suspensão só cabe se a pena mínima for de até 1 ano, e sem antecedentes. Para roubo, não pode. Para tráfico, mesmo privilegiado, não pode. E para furto qualificado, também não pode. Não é uma gama tão grande de crimes.'' Ele diz que, apesar de isso não constar da estatística, são esses os crimes mais registrados nos MPs estaduais.
Segundo o promotor Michel Romano, o número de transações e suspensões deve ser maior do que o contabilizado pelo relatório, já que muitos dos MPs deixam de fazer os lançamentos de dados de forma sistematizada.
De acordo com a legislação vigente, a suspensão do processo é válida para crimes cuja pena mínima seja de até um ano e deve ser proposta pelo MP quando oferecer a denúncia. Ela só pode ser aplicada a acusados que não estejam sendo processados e que não tenham condenação. Já a transação penal é cabível no caso de crimes com pena de até dois anos, que pode ser trocada por multa ou restrição de direitos. Nesse caso, o acusado também não pode ter condenação anterior nem ter sido beneficiado com a transação nos últimos cinco anos.
Fonte: Ministério Público – Um retrato – dados relativos a 2011
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2013
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