Fonte: Correio Braziliense
Os recorrentes problemas nos contratos firmados com empresas prestadoras de serviço são fontes constantes de prejuízo para a Câmara. Motivada pelas dificuldades domésticas, a Casa trabalha para colocar em prática, ainda este ano, um projeto de lei que vai regulamentar a terceirização no país. O texto mexe diretamente na ferida que afeta a gestão da Casa, e a ideia é passar um pente-fino nas companhias que hoje fazem contrato com o setor público sem qualquer critério de qualidade. A proposta será votada em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no início de maio e seguirá direto para o Senado.
A Câmara gasta hoje R$ 14 milhões por mês para manter os 33 contratos de terceirização de mão de obra vigentes com 11 empresas. São 3.056 funcionários que trabalham na operação de elevadores, na manutenção dos sistemas elétrico, hidráulico, de informática e de veículos, na limpeza, na copa, no telemarketing e até na produção jornalística da Casa. Em alguns casos, a mesma empresa presta todos os serviços em áreas de atuação totalmente distintas e tem contrato com outro órgãos. Essas duas questões, aliadas ao fato de algumas companhias não honrarem o pagamento de benefícios e salários a seus funcionários, têm provocado muita dor de cabeça aos gestores da Casa.
O caso mais recente — e que se repete com frequência — envolve a Unirio Manutenção e Serviços, responsável por 800 trabalhadores das áreas de copa, limpeza e manutenção de edifícios. A empresa já foi multada duas vezes pelo Legislativo porque deixou de pagar os funcionários, mas ainda comete a irregularidade. Em novembro do ano passado, os terceirizados chegaram a cruzar os braços por um dia por conta do problema e agora vivem outro drama. “Eles nos deram aumento de 20% em janeiro, mas até hoje nós não recebemos nem um centavo a mais”, relata uma funcionária que prefere não se identificar.
Nas vezes em que o pagamento demorou a sair, a Câmara teve que tirar dinheiro do próprio caixa para evitar danos maiores. “Nós avisamos no contrato que só pagamos o serviço quando o trabalhador já tiver recebido o salário, mas, mesmo assim, estamos quase tendo que criar um departamento novo para lidar com os terceirizados ou assumir a relação de trabalho com eles por incompetência das empresas. Fora as dezenas de ações na Justiça”, comenta o diretor-geral da Casa, Sérgio Sampaio. Um dos contratos com a Unirio vence em maio, e os outros três, em agosto — a Câmara já adianta que não serão renovados. “Mas as leis atuais nos impedem de exigir muito das empresas na licitação e evitar que a má administração delas repercuta na qualidade do serviço”, lamenta Sampaio.
Esses problemas serão sanados pelo projeto de lei, com previsão de votação em maio, promete o relator do texto na CCJ, deputado Arthur Oliveira Maia (PMDB-BA). “A proposta aumenta as exigências para que uma empresa funcione como terceirizada, o que não acontece atualmente”, destaca. O parecer de Maia, apresentado no início do mês, trata da terceirização também no setor privado, mas o alvo maior é o setor público, no qual o mecanismo criado para facilitar os serviços às vezes resulta em mais custos.
Gastos
De acordo com o último relatório sobre as contas do governo, publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2011, os Três Poderes gastaram R$ 17,4 bilhões na contratação de empresas terceirizadas, o que representa 9% de todo o custo com pessoal. O Poder Executivo é o que mais utiliza o mecanismo. Em alguns casos, o valor pago a terceirizados é maior que o destinado a servidores efetivos, como nos ministérios do Esporte, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Turismo.
Os números confrontam o acórdão emitido em 2006 pelo TCU, que recomendava a substituição dos terceirizados nos órgãos federais por servidores concursados. “Os elevados dispêndios com terceirização são indícios de que alguns setores do governo federal podem estar utilizando a execução indireta de forma desproporcional, englobando, inclusive, atividades inerentes e privativas do servidor público”, argumentou o tribunal na época. Ainda assim, os valores gastos com esse tipo de contrato só aumentaram — 93% de 2007 para 2011.
Apesar dos problemas identificados pelo TCU, o relatório de Arthur Maia não fala em reduzir o número de terceirizados. “A terceirização não é um mal em si. O que precisa ser revisto é modo como é feita”, argumenta. O parecer do deputado prevê que cada empresa seja contratada para uma única finalidade, e obriga o órgão que a contrata a fiscalizar se estão sendo cumpridas as questões trabalhistas, sob pena de reter o pagamento do serviço (veja quadro).
O professor de direito trabalhista da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Blair alerta, porém, que focar em exigências para as empresas não é suficiente para assegurar a regulamentação justa do serviço terceirizado. “Na verdade, o que eu vejo com a criação da lei tem sido um movimento de tentar eximir o poder público de responsabilidade com relação aos terceirizados”, comenta. “Essas empresas abrem e fecham as portas num piscar de olhos e deixam centenas de trabalhadores a ver navios, então não adianta só fiscalizar, é preciso que o contratante seja responsabilizado diretamente, porque aí ele vai exigir que todos os pagamentos sejam efetuados.”
“Só pagamos o serviço quando o trabalhador já tiver recebido o salário, mas, mesmo assim, estamos quase tendo que criar um departamento novo para lidar com os terceirizados ou assumir a relação de trabalho com eles por incompetência das empresas. Fora as dezenas de ações na Justiça” Sérgio Sampaio, diretor-geral da Câmara.
“Essas empresas abrem e fecham as portas num piscar de olhos e deixam centenas de trabalhadores a ver navios, então não adianta só fiscalizar, é preciso que o contratante seja responsabilizado diretamente, porque aí ele vai exigir que todos os pagamentos sejam efetuados” Paulo Blair, professor de direito trabalhista da UnB.
Propostas
Conheça os principais pontos do projeto de lei que regulamenta a terceirização no Brasil
» As empresas só poderão fechar contratos terceirizados se forem comprovadamente especializadas no serviço prestado e devem ter um único objeto de atuação.
» O contratante — órgão público ou empresa — terá responsabilidade subsidiária pelos direitos dos trabalhadores, devendo fiscalizar se os salários e benefícios foram pagos e podendo reter o pagamento à terceirizada para quitar dívidas com funcionários.
» O piso salarial dos terceirizados ficará vinculado ao que for pago para a categoria no local em que o serviço é prestado.
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