Fonte: Valor Econômico
Desde que as manifestações chacoalharam o país, a classe política tenta responder às demandas da população com medidas de dois tipos: as efetivas – embora paliativas – e as ilusórias. Ou melhor, três, se contarmos a repressão policial no Rio de Janeiro como uma resposta negativa.
Os dois primeiros movimentos fazem parte de estratégias do jogo democrático. As saídas ilusórias são caracterizadas pelo engano, pelo embuste, mas mostram respeito ou ao menos preocupação com a opinião pública. O terceiro movimento tem viés autoritário e parte de quem parece já ter ligado o F, de força excessiva, o G, de gás lacrimogêneo, o B, de bala de borracha, o D, de decreto inconstitucional ou todo um alfabeto de arbitrariedades. A população reage com outro F, de “Fora, Cabral!”, e, para o Rio de Janeiro, junho é o mês que não terminou. Continua sendo.
Na maior parte do restante do país, as últimas semanas trouxeram um misto de pequenas conquistas obtidas pela sociedade e grandes discussões que não levarão à nada. Representam um jogo de cena no qual os atores principais buscam manter seu protagonismo, depois que a plateia invadiu o palco.
Na primeira categoria, estão as propostas aprovadas pelo Congresso numa “agenda positiva” que fez concessões e desengavetou projetos que há tempos eram postergados. É o caso da tipificação da corrupção como crime hediondo, da maior facilidade para se apresentar projetos de iniciativa popular e o fim do voto secreto. São paliativos que não mexem no essencial e preservam estruturas ineficientes, lentas, com privilégios e favoráveis à corrupção. O Judiciário, por exemplo, passou ileso à onda de manifestações.
Na segunda categoria, inclui-se o debate sobre grandes mudanças, iniciado pelo Executivo. Especialmente a ideia da presidente Dilma Rousseff de uma reforma política como solução para os males de uma suposta crise de representatividade.
Para o governo, o mais importante foi estancar a mobilização das ruas e é, a partir de agora, recuperar a popularidade. Para os partidos, sobretudo os de esquerda, a meta é se aproximar dos movimentos sociais e voltar a ter o controle das ruas. São estes os desafios dos políticos – e não necessariamente atender à série de reivindicações da população, algumas das quais de responsabilidade compartilhada e, logo, de retorno eleitoral duvidoso.
Sobre a imagem que se transmite, geralmente, restam menos dúvidas. E, por isso, a prioridade é mais com o parecer ser do que com o ser. O PT, por exemplo, sabe que a reforma política foi para as calendas, como sempre. A Constituinte mostrou-se proposta atabalhoada, e o plebiscito foi a tentativa de consertá-la. Mas o partido insiste no discurso de que a reforma é possível apenas para não desmoralizar a imagem presidencial.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) pode ser o mais pemedebista dos petistas, mas sua declaração de que a reforma política não vingará causou menos celeuma pelo realismo do que por ter atrapalhado os planos da cúpula do PT de proteger a presidente da República. Foi fogo amigo a refletir as divergências internas, já que Vaccarezza está longe de ser um entusiasta de Dilma desde que foi afastado por ela do posto de líder do governo na Câmara, em março do ano passado. Ou seja, a reforma política é espuma na superfície, colocada pelo PT.
Da mesma forma, a espuma do PMDB é a redução do número dos ministérios. Logo ele, o partido com um dos maiores apetites por cargos. Mas faz sentido a proposta, pois, para os pemedebistas, segundo e terceiro escalões e diretorias de estatais são tão ou mais importantes para saciar a fome. A máquina tem o mesmo tamanho, não importa quantas mãos a operem pelo alto. Da oposição, o PSDB lançou a ideia do fim da reeleição. Logo ele, que criou, em 1997 – e, para alguns, comprou – a emenda à Constituição que permitiu a recondução do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao cargo. Do governador de Pernambuco e presidenciável Eduardo Campos (PSB) vem a sugestão de um “governo digital”, sintonizado com a agilidade da organização das redes sociais. Logo ele, cujo governo é acusado de ter realizado contrato superfaturado com a empresa Ideia Digital, suspeita de financiar ilegalmente campanhas do PSB.
As contradições e o jogo de cena são patentes. A razão é simples. O susto passou. O meio político acredita que outro cometa como este de junho não venha tão cedo. Dois, três milhões de pessoas foram às ruas, influenciaram a opinião do restante da população, mas o conjunto da sociedade, ou dos eleitores – algo em torno de 140 milhões de pessoas -, é que votará na eleição de 2014. É um contingente cujo perfil mediano tem características distintas em relação aos mais engajados – ou nem tanto – que foram às ruas.
Depois do pacote dos cinco pactos, e o desmantelamento da reforma política, a próxima cartada de Dilma pode ser a reforma ministerial. Há quem, da Executiva nacional do PT, proponha mudanças já antes do fim do recesso do Congresso. E que o ministro da Educação Aloizio Mercadante assuma, como titular, as funções da Casa Civil que já exerce de fato. Entre estas tarefas está a de arredondar o programa Mais Médicos – por sinal a única iniciativa mais ousada, embora polêmica, que responde aos clamores por melhora na qualidade dos serviços públicos. É uma declaração de guerra à corporação dos médicos cujos resultados eleitorais são incertos.
No Rio de Janeiro, a declaração de guerra do governador Sérgio Cabral é contra os protestos que minam as chances de vitória de seu grupo político em 2014. O gerenciamento pelo PMDB dos interesses do grande capital – que realiza intervenções na cidade sob o pretexto da Copa e da Olimpíada – eleva o custo de vida, provoca remoções, utiliza helicópteros e guardanapos na cabeça para passeios de luxo, mas não consegue organizar um simples trajeto do sumo pontífice engarrafado no trânsito da Presidente Vargas. Inventou-se o papa-imóvel. E isso é até democrático. Assim como a polícia “pacificadora”, cujo pau agora bate em Chico e em Francisco – no morro e no asfalto.
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