Fonte: Valor Econômico
Mecanismos de combate à corrupção existem há décadas no sistema jurídico brasileiro. O código penal de 1940, a lei de improbidade administrativa de 1992 e a lei de licitações de 1993 preveem punições severas para corrupção ativa e passiva, inclusive a que envolve agentes públicos estrangeiros. O denominador comum entre essas normas é o alcance a atos praticados por pessoas físicas.
Aguarda-se para os próximos dias a sanção presidencial ao Projeto de Lei nº 6.826/2010, aprovado pelo Congresso Nacional no início do mês de julho. Já batizada de “Lei Anticorrupção”, a nova legislação expandirá o escopo da repressão ao instituir a responsabilidade de pessoas jurídicas por atos de corrupção direcionados a agentes públicos nacionais e estrangeiros.
Por meio da nova legislação, o Brasil dá cumprimento aos compromissos internacionais firmados por meio da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Também converge para as políticas adotadas por outros países para reprimir a corrupção, como os Estados Unidos, com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), e o Reino Unido, com o UK Bribery Act. Quando a lei entrar em vigor, empresas (nacionais e estrangeiras com sede, filial ou representação no Brasil), e não apenas seus executivos, poderão responder por atos de corrupção praticados em seu interesse ou benefício – mais especificamente prometer/oferecer/obter/dar vantagens indevidas a agente público nacional ou estrangeiro e fraudar licitações por meio de combinação com concorrentes, criação de empresas irregulares ou ainda obtenção de vantagens para modificação ou prorrogação de contratos públicos.
As penalidades incluirão multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto anual (ou R$ 6 mil a R$ 60 milhões, se não for possível calcular o faturamento) e ainda perda de bens, suspensão das atividades, proibição de recebimento de incentivos públicos e até a dissolução da empresa.
Ao lado de sanções severas, inspiradas na legislação antitruste em vigor desde maio do ano passado, a lei também prevê incentivos para empresas adotarem normas internas de boas práticas nas relações com o governo e denunciarem eventuais irregularidades às autoridades. A adoção de código de ética e procedimentos internos de integridade e auditoria poderá, caso a empresa venha a ser investigada por corrupção, valer-lhe redução das penalidades aplicáveis.
Assim como a lei antitruste prevê para os cartéis, a denúncia espontânea de atos ilícitos pela empresa e colaboração com as investigações (instrumento conhecido como “acordo de leniência”) também poderá resultar em imunidade de determinadas penas e redução de até dois terços da multa.
A repressão a atos de corrupção por pessoas jurídicas e a aplicação das multas e dos mecanismos de cooperação com as autoridades descritos acima serão de responsabilidade da autoridade máxima de cada órgão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A Controladoria Geral da União (CGU) terá competência exclusiva para investigar atos de corrupção direcionados a agentes públicos estrangeiros e, apenas no âmbito do poder Executivo Federal, poderá iniciar investigações relativas a órgãos nacionais e assumir as investigações já iniciadas. Para aplicação de penalidades como perda de bens, suspensão de atividades ou dissolução da empresa, será necessário buscar o Poder Judiciário por meio do Ministério Público ou advocacia pública de cada órgão.
O sistema de repressão compartilhado instituído pela lei traz embutidos sérios desafios. A diversidade de órgãos responsáveis pela investigação e aplicação de penalidades pode produzir entendimentos diversos sobre o que constitui uma infração e resultar na aplicação não uniforme de penalidades. A ausência de segurança jurídica imporá custos desnecessários às empresas e pode dissuadi-las de buscar a alternativa da cooperação. Um esforço coordenado entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a elaboração de guias e regulamentos com dispositivos comuns é, portanto, essencial e urgente para diminuir a opacidade do sistema.
É também indispensável que órgãos de todas as esferas do Estado apliquem a lei não apenas de forma harmônica, mas também irrestrita e efetiva – o constante monitoramento pela própria Administração Pública e pela sociedade civil pode ajudar. A lei, afinal, atribuiu a cada órgão o poder e, principalmente, o dever de investigar e punir infrações nas suas relações com o setor privado.
A corrupção resulta em prejuízo para a administração pública e, principalmente, para o usuário final dos serviços públicos. Corrupção também é ruim para os negócios: prejudica a concorrência, ao permitir que empresas menos eficientes vençam licitações, e ainda destrói valor da própria empresa corruptora, ao criar ambiente interno propício para outras modalidades de fraude (contábeis, financeiras e tributárias) e até mesmo desvio de recursos da empresa para fins privados. Se bem aplicada, a nova Lei Anticorrupção poderá, ao longo do tempo, em conjunto com os outros mecanismos já em vigor, minimizar tais perdas.
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