Na Paraíba, corre investigação de um policial que se feriu mesmo usando o equipamento à prova de bala.
Policiais federais estão receosos de usar coletes à prova de bala comprados pela corporação. O temor se justifica pelo fato de a empresa que venceu a licitação para fornecimento dos equipamentos, a Inbraterrestre, estar envolvida numa série de imbróglios. A suspeita é de que o produto não cumpre os requisitos mínimos para garantir a segurança de quem usa.
No caso mais recente, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) recomendou que a Polícia Militar do estado recolha todos os coletes da marca, após um policial ser ferido em serviço por munição de calibre .38, mesmo usando o equipamento de proteção da Inbraterrestre. O incidente ocorreu em João Pessoa, em 10 de julho. A promotora de Justiça Ana Maria França Cavalcante de Oliveira — coordenadora do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (Ncap) — detalhou que a medida é necessária até que se comprove tecnicamente a qualidade e a proteção devida de quem utiliza o material.
De acordo com a promotora, o comandante-geral da PM da Paraíba tem até hoje para apresentar um cronograma que detalhe os prazos para recolhimento e substituição dos coletes. Ana Maria ainda solicitou perícia do Instituto de Polícia Científica da Polícia Civil do estado. Caso fique comprovado que os equipamentos têm falhas, ela acionará a Justiça. “Notifiquei a empresa para que apresente as especificações técnicas para confrontar com as do Exército. Também pedi para analisar o processo licitatório dos coletes. Espero as respostas para tomar providências”, afirmou.
Os problemas da empresa não param por aí. Em 6 de julho, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) do Paraná reconheceu que os coletes balísticos fornecidos pela Inbraterrestre às forças policiais do estado eram ineficazes, fora de especificações e colocaram em risco a vida dos policiais. Por causa das irregularidades no material fornecido, a companhia foi inabilitada e não poderá participar de licitações ou contratar com o governo por dois anos.
Recall
A punição imposta à empresa é um desdobramento de operação da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam), da Polícia Civil e do Exército, que apurou irregularidades num recall de 11,2 mil coletes fornecidos à PM. Os investigadores encontraram um galpão onde os equipamentos eram adulterados e recebiam uma placa extra de aramada, tecido sintético usado nos coletes. Para piorar, as etiquetas de validade eram cortadas.
Em paralelo às punições, o Exército determinou que a Inbraterrestre suspenda temporariamente a fabricação e a comercialização do mesmo modelo do colete usado pelas forças policiais paranaenses. Também foi recomendado que a empresa verifique, por meio de testes, todos os demais produtos do mesmo modelo, assim como informe aos proprietários dos equipamentos sobre os problemas ocorridos, disponibilizando atendimento prioritário a esses usuários. Além disso, um Processo Administrativo Sancionador (PAS) foi instaurado para apurar os fatos.
Cabe ao Centro de Avaliação do Exército (CAEx) verificar tecnicamente todos os protótipos de Produtos Controlados pelo Exército (PCE), fabricados no Brasil. Após os testes, caso aprovado, o produto tem fabricação e comercialização autorizadas. A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército é responsável por averiguar se o CAEx concluiu pela conformidade e analisar outros documentos que sejam necessários à fabricação dos produtos controlados.
A Polícia Federal não se manifestou até o fechamento desta edição. Em nota, a Inbraterrestre informou que não ocorreu a perfuração do colete balístico do policial militar da Paraíba e que o fato será comprovado por meio da perícia que está em curso. Com relação aos coletes do Paraná, a companhia detalhou que todas as dúvidas foram sanadas perante a Secretaria de Segurança Pública do estado. A empresa ainda comentou que sempre forneceu produtos dentro dos padrões de qualidade exigidos pelas normas nacionais e internacionais.
Vencidos
O estoque de coletes da corporação está vencido desde março. Em setembro de 2016, o Sindicato dos Policiais Federais no DF (Sindipol-DF) encaminhou ofício ao Departamento da Polícia Federal (DPF) para informar que o fim da validade dos coletes estava próximo. Entretanto, não recebeu resposta. Logo em seguida, enviou uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT), e uma reunião ocorreu entre as partes. O representante da PF informou que, no primeiro mês do ano, os policiais teriam os coletes.
Em janeiro, com o vencimento de parte dos coletes e sem a conclusão dos processos licitatórios, a juíza federal Liviane Kelly Soares de Vasconcelos concedeu liminar, a pedido do Sindipol-DF, e ordenou que nenhum policial deveria cumprir missão ou participar de operação com equipamento fora do prazo de validade.
Em geral, os equipamentos têm cinco anos vida útil. Fabricados com fibras sintéticas e placas de cerâmica, eles se desgastam por causa de umidade, suor, exposição ao sol, calor e chuva. Por isso, devem ser periodicamente trocados. Para mitigar os problemas, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) emprestou coletes à Superintendência da PF em Brasília.
Memória
Problemas recorrentes
Em junho do ano passado, o Comando Logístico do Exército determinou, como medida cautelar, a suspensão da fabricação e da comercialização de coletes balísticos fabricados pela Glágio do Brasil. Também foi determinada pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados a apreensão de coletes fabricados e existentes nos depósitos da empresa. O objetivo era evitar a comercialização até que fosse dada solução ao Processo Administrativo Sancionador instaurado na 4ª Região Militar. O processo foi instaurado após uma denúncia chegar à Procuradoria de Justiça Militar em Brasília. Os equipamentos eram usados pelo próprio Exército.
Não só, porém, coletes à prova de bala apresentam problemas entre os Produtos Controlados pelo Exército. São frequentes casos de falhas em pistolas que travam ou disparam sozinhas ao cair no chão. Por causa da quantidade de acidentes — há mais de 90 registros desde 2005 — foi criada a Associação das Vítimas por Disparos de Arma de Fogo sem Acionamento do Gatilho (Avida), conhecida como As Vítimas da Taurus.
As denúncias fizeram com que o Exército determinasse a averiguação dos equipamentos e, em outubro do ano passado, a comercialização do modelo PT-24/7 chegou a ser proibida. Em nota no site, a empresa alegou que perícias negaram a existência de defeitos, mas, mesmo assim, realiza periodicamente revisões e manutenções nos equipamentos.
No Brasil, o Estatuto do Desarmamento restringe a compra e o porte de armas para pessoas físicas, exigindo a comprovação de necessidade por atividade profissional de risco ou ameaça à integridade física, além de outras limitações. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto que pretende revogá-lo e criar o Estatuto de Controle de Armas de Fogo, que, entre outras medidas, permite o acesso a qualquer cidadão maior de 21 anos. Segundo dados do Mapa da Violência de 2015, mais de 880 mil pessoas morreram no Brasil vítimas de armas de fogo de 1980 a 2012.
Fonte: Correio Braziliense
Comments are closed.