Há poucos dias, a sociedade se surpreendeu com a divulgação dos resultados de uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), a pedido do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal, sobre a saúde emocional de agentes, escrivães e papiloscopistas. O estudo revelou que 50% dos entrevistados apresentaram sintomas de quadro depressivo; 43% de ‘desesperança quanto ao futuro’; 83% têm sentimento de desvalorização na profissão, 74% expressaram indignação; 46% admitiram ’emoções de raiva’; 39% de inutilidade e 18% de medo.
O espanto decorre da ideia de glamour gerado em grandes operações, como a Lava Jato e tantas outras, por uma instituição que convive com a credibilidade merecidamente conquistada, mas que também enfrenta problemas internos relacionados às situações de hierarquias autoritárias, assédios morais e disciplinar, falta de perspectivas, dentre outros fatores negativos tornando os dados da UnB uma realidade em todo o país. Esse quadro poderá ser revertido com vontade política dos gestores.
Emoções de raiva, medo e indignação, apontados na pesquisa chamam atenção para o regime disciplinar arcaico, instituído na Ditadura Militar pela Lei 4.878/1965 – ainda em vigor. Um dos incisos do artigo 43 da lei que dispõe sobre as transgressões disciplinares, por exemplo, define como infração sujeita à pena de suspensão, a conduta de quem ‘trabalhar mal, intencionalmente ou por negligência’.
O texto dá margem para todo tipo de interpretação tanto da chefia como dos responsáveis pela apuração e julgamento dos processos administrativos disciplinares, algumas vezes podendo ser instaurados sem critérios objetivos de causa e efeito. Uma punição disciplinar de suspensão é prejudicial para o policial, pois interrompe a contagem de tempo necessária para a progressão funcional da carreira, causando-lhe prejuízos financeiros e até psicológicos.
Os 43% de policiais com ‘desesperança quanto ao futuro’, 83% com sentimento de desvalorização na profissão e os 39% com sensação de inutilidade, identificados na pesquisa refletem a falta de perspectiva e de um plano de carreira que motive o efetivo policial. Atualmente, mesmo os servidores com anos de experiência profissional, com cursos de treinamento, mestrado e até doutorado, em áreas mais sensíveis e especializadas de investigação, permanecem estagnados na carreira até a aposentadoria.
Se a capacidade e as habilidades do policial fossem bem aproveitadas, com valorização de suas experiências, técnicas e de sua formação acadêmica, com incentivo por meio de um plano de carreira, certamente teríamos uma polícia mais eficaz, com capacidade de investigação comparável às melhores agências do mundo. Afinal, policiais motivados representam mais segurança e qualidade de atendimento.
Para tanto, bastaria mudanças na legislação interna da própria PF, não somente com reflexos salariais, mas com alterações na estrutura e na carreira que resultaria em crescimento profissional e pessoal.
Mantidas as atuais condições, outras pesquisas certamente não só confirmarão esse quadro desolador de desmotivação, como também o aumento de aposentadorias precoces, afastamentos por doenças psicoemocionais e migração de muitos policiais federais para outras profissões mais atraentes do serviço público.
Alexandre Santana Sally é presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Estado de São Paulo, agente de Polícia Federal e professor de Direito
Matéria originalmente publicada no Estadão.
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