Por Luiz Carlos Cavalcante
Publicação original: O Globo
No Brasil, nem sempre trabalho policial rima com preferência nacional. Isso não significa que os cidadãos não queiram ver as investigações bem-sucedidas e os crimes solucionados com provas irrefutáveis para que culpados sejam condenados sem macular as instituições.
O que a população refuta é a ineficiência e as ações condenáveis. E, a bem da verdade, a nossa polícia parece ainda presa a um modelo do século XIX. Sim, são fatos. No entanto, cabe avaliarmos em quais contextos nossa polícia opera e por que existe um abismo entre suas práticas e o ideal que a sociedade exige na sua pressa por mudanças necessárias.
Observando a máxima de que política de segurança pública se faz seguindo exemplos de sucesso, miremos o exemplo dos Estados Unidos. Até praticamente a Segunda Guerra Mundial, não é exagero dizer que a polícia americana era ineficiente, brutal, racista, corrupta e assassina. Poucos em suas fileiras poderiam ser enquadrados em um perfil profissional de excelência e definidos como servidores públicos dotados de competência técnica e administrativa. Mas, ainda que poucos, eles existiam e, ao longo dos anos, mostraram que poderiam fazer uma grande diferença.
O ponto de ruptura entre passado e futuro para as instituições públicas daquele país ocorreu após uma grande iniciativa de modernização do aparelho estatal, em todas suas instâncias, tomando-se como princípio que os homens que iriam gerir a nação, os estados e os municípios deveriam ter competência e formação para fazê-lo. Foi um salto qualitativo nos quadros do funcionalismo público americano e a polícia se beneficiou muito com isso.
Mas, na medida em que se exigiu uma maior qualificação daqueles homens e mulheres que ingressavam nas forças policiais, também se concederam oportunidades, traduzidas em crescimento profissional por mérito, treinamento, equipamento moderno, carreira única, ciclo completo e salários dignos (a média salarial anual de um policial americano é hoje de US$ 66 mil, algo em torno de R$ 250 mil). Investe-se na formação de um policial americano US$ 650 mil (R$ 2,04 milhões). De um efetivo total de 750 mil, divididos por 19 mil agências policiais privadas, municipais, dos condados, estaduais, federais e secretas, 83% têm o ensino médio e 45% graduação universitária, percentual que cresce a cada ano.
O processo seletivo é rigorosíssimo e elimina mais de 90% dos candidatos. A especialização é estimulada e praticada.
Hoje, a polícia americana é considerada uma das mais eficientes do mundo. Tem um nível técnico sofisticado, que faz frente ao moderno crime organizado. Aliou, em sua estrutura corporativa, o trabalho policial à pesquisa científica.
Organizações como o Force Science Institute (Instituto de Ciência da Força, em tradução literal), financiado por entidades da classe, desenvolvem estudos com equipes multidisciplinares, que reúnem psicólogos, juristas, antropólogos, físicos, matemáticos e tudo mais que há de melhor no campo das ciências. O objetivo é aprimorar a atividade policial nas ruas, no setor de inteligência ou na apresentação dos casos à Justiça.
A polícia americana adotou alguns princípios básicos para administrar e selecionar suas unidades na área de pessoal, que são: vocação, perfil, personalidade, gestão, perspectiva de crescimento e valorização; e, como doutrina, abraçou as chamadas cinco verdades: humanos são mais importantes que equipamentos; qualidade é melhor que quantidade; bons policiais não podem ser produzidos em massa; forças policiais competentes não podem ser imediatamente criadas após uma emergência; e os policiais precisam de apoio em seu trabalho.
O novo governo brasileiro já sinalizou que pretende uma aproximação maior com os Estados Unidos. Portanto, alguns modelos de sucesso implementados naquele país podem servir de exemplo à administração pública brasileira, e um deles certamente é a reestruturação aplicada à polícia americana.
Guardando-se algumas características que são parte da nossa inegociável soberania, e adaptando-as, claro, às condições brasileiras.
Luiz Carlos Cavalcante é vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais
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