Por Hélio de Carvalho Freitas Filho, agente de Polícia Federal e vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo
Os anos passam, às vezes mais rápido do que desejamos, outras mais devagar do que esperamos, mas cada um de nós sempre acumula lembranças boas ou ruins, construindo nossa própria memória. Assim, deixamos passar alguns momentos que jamais poderão ser repetidos. Especialmente quando temos uma profissão que nos exige tanta dedicação e disponibilidade.
Policial federal há 15 anos, uma das mais fortes lembranças está relacionada a uma missão de meses no Sul do País, fronteira com a Argentina. O trabalho consistia em fiscalizar as rotas de entrada no Brasil, e assim impedir a maciça introdução de produtos contrabandeados e combater o tráfico ilícito de entorpecentes e de armas e de munições.
Pela natureza dessas missões como a desenvolvida, não existe roteiro estático, há constante tensão no ar. Sabendo disso, um tenente do Exército pediu que nossa equipe, de policiais federais, ensinasse as artimanhas do trabalho ao grupo que ele chefiava.
Era outubro de 2010. Não era um bom dia para estar ali, mas não havia opção. Meses antes tinha visitado minha irmã, no Rio de Janeiro, adoentada. Mesmo ainda muito moça, sua passagem se aproximava. Justamente durante aquele plantão, numa barreira policial, toca o celular, número da Bahia, num horário incomum. Era meu pai, que verbalizou: sua irmã faleceu.
Foi um misto de sensações, consolar meu pai, amparar e ser amparado. A equipe percebeu a gravidade da situação, me dirigi ao coordenador do grupo, expliquei. Quinze minutos depois, retornei ao trabalho. Parar veículos, interrogar pessoas, apreender mercadorias, prender indivíduos. Não existia tempo para viver meu luto. Resignei-me, não dei o último adeus.
Passados quase nove anos desde então, a Polícia Federal teve constantemente seu nome usado por parte dos políticos para amealhar simpatia e angariar votos com a retórica do fortalecimento da Segurança Pública. Todavia, na iminência de uma Reforma da Previdência, constata-se, contraditoriamente, um tratamento discrepante entre integrantes das Forças Armadas, que têm a garantia de seus direitos, e os civis das forças de segurança pública, absurdamente discriminados.
Caso prospere tamanha aberração, teremos, numa mesma missão e comunhão de esforços, possíveis viúvas de militares protegidas, ao passo que haverá viúvas de policiais desamparadas. Impossível não se indignar. Ruim até de se perguntar: por que não disse o último adeus?
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