46 presos por fraude
Ação da PF põe na cadeia autoridades federais e estaduais acusadas de formar quadrilha para burlar licitações
Marcelo Rocha
Da equipe do Correio
A Polícia Federal desbaratou ontem um suposto esquema de corrupção especializado em desviar recursos públicos por meio de fraudes em licitações e obras da empreiteira baiana Gautama. Por determinação da ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram presos o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o assessor do Ministério de Minas e Energia (MME) Ivo Costa, além de 42 prefeitos, servidores públicos e lobistas. As prisões ocorrem em nove estados — Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Sergipe, Pernambuco, Piauí, Maranhão e São Paulo — e no Distrito Federal. Ao analisar os relatórios das investigações o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, ficou convencido do envolvimento do atual governador do Maranhão, Jackson Lago, e pediu a prisão dele. A ministra Eliana Calmon negou a prisão.
Nas interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, a PF flagrou o que considerou serem casos de negociação e pagamento de propinas em favor de autoridades públicas. Diante dos indícios de corrupção, a ministra Eliana Calmon decretou a indisponibilidade dos bens imóveis de todos os investigados. Estima-se que as irregularidades atinjam contratos públicos de mais de R$ 100 milhões.
Informações da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU) indicam que a organização criminosa agia em pelos menos dois ministérios — Minas e Energia, Cidades, Integração Nacional e Planejamento —, além do Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (Dnit). Os presos nos demais estados foram todos trazidos ontem mesmo para Brasília num avião da PF e levados para a carceragem da polícia, no Setor Policial Sul, logo depois da meia-noite.
Segundo as investigações policiais, a Gautama atuava para garantir o direcionamento de verbas públicas federais e estaduais para obras de seu interesse, assegurar a vitória em licitações de empresas com as quais tinha ligações e para liberar pagamentos de obras superfaturadas, irregulares ou mesmo inexistentes. O dono da Gautama, Zuleido Soares Veras, apontado pelas investigações como o líder do esquema, ofereceria vantagens indevidas a servidores públicos em vários estados para conseguir a aprovação de medições irregulares e o pagamento por obras não executadas ou realizadas irregularmente. Os investigadores apontam que funcionários da Gautama se infiltravam nos ministérios e conseguiam, mediante o pagamento de propina, informações sobre o direcionamento de verbas federais para obras nos estados e municípios onde a Gautama atuava.
O relatório da PF indica que Alexandre Lago e Francisco de Paula Lima Júnior, sobrinhos do governador do Maranhão, Jackson Lago, teriam recebido “vantagem indevida” de R$ 240 mil do empresário Zuleido Veras. Conforme a decisão da ministra Eliana Calmon, os dois agiam “em nome” de Lago. O ex-governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares teria recebido, entre outras vantagens, um automóvel Citroen ano 2005 no valor de R$ 110 mil em junho de 2006. Seria um presente de Zuleido Veras. Flávio Conceição de Oliveira Neto, o ex-chefe da Casa Civil do ex-governador de Sergipe, João Alves Filho, seria beneficiário de R$ 216 mil que, conforme as escutas, deveriam supostamente ser entregues a João Alves Neto, filho do então governador, também preso na operação. Depois de deixar o governo, Flávio assumiu um posto de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado e, segundo a PF, teria pleiteado a autoridades do governo de Sergipe a liberação de recursos devidos à construtora.
_______________________________________________________
Carro complica ex-governador
Desde a gestão do ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, um dos presos durante a Operação Navalha, há suspeita de fraudes ligadas à empresa Gautama, segundo a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU). Construções de fachada, inacabadas ou mesmo inexistentes são alguns dos problemas identificados durante a apuração. Em inspeções locais realizadas pelas autoridades foram identificados problemas em obras de pontes. “São elevações perdidas no meio dos campos, em locais ermos, sem estradas”, descrevem os relatórios policiais. Há exemplos no inquérito da PF: de acordo com os técnicos, a ponte situada no município de Tutóia, sobre o riacho Carrapato, não tem placa de identificação e serve hoje para abrigar uma família carente. Outra, em Paulino Neves, sobre o Riacho Formiga, abriga diversas famílias. Presente de luxo O inquérito policial apontou também que José Reinaldo teria recebido do empresário Zuleido Soares Veras, dono da Gautama, vantagens indevidas no exercício do cargo de governador do Maranhão. Dentre os “presentes” foi listado um Citröen ano 2005, modelo C5, no valor de R$ 110 mil, repassado a ele por sua suposta participação em fraudes em medições de obras e direcionamento de processo de licitação à Gautama em obras de pavimentação da BR-402, naquele estado. Geraldo Magela Fernandes da Rocha, servidor público e ex-assessor de José Reinaldo, é acusado pela PF de ter interferido na liberação de obras. Há indícios de que recebeu vantagem indevida da organização em diversas oportunidades. Primeiro, a quantia de R$ 56,3 mil, supostamente pagos em 20 de junho de 2006; depois, em 26 de junho de 2006, registrou-se o pagamento de mais propina, acobertada pela emissão de nota fiscal emitida por empresa associada ao grupo. (MR) |
Conversas sob suspeita Confira as transcrições feitas pela Polícia Federal, de diálogo travado entre representantes da gautama Em fevereiro de 2007, integrantes da Gautama já anteviam, segundo a Polícia Federal, a possibilidade de se apropriar de recursos no valor de R$ 18 milhões para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Como o dinheiro só poderia ser destinado para obras em andamento, o grupo tenta acelerar a elaboração de plano de trabalho para conseguir a transferência para a Prefeitura de Camaçari (BA). Em Brasília, assessores de Flávio Candelot, funcionário da empreiteira, estariam resolvendo o problema: Diálogo RODOLPHO VERAS (filho de ZULEIDO VERAS, dono da Gautama) diz que precisam dar atenção ao negócio relativo a esgoto, ao qual EDÍLIO NETO (assessor da prefeitura) teria dado entrada, no valor de 18 e meio de um total de 27; FLÁVIO (CANDELOT, funcionário da Gautama) e CLÁUDIO (NÃO IDENTIFICADO) já estariam cuidando em Brasília; o negócio estava com problema para ser aprovado, resolvido pelo pessoal de FLÁVIO em Brasília. (23/02/2007, às 10:55) |
_______________________________________________________
Juíza evita prisão de Lago Governador é apontado pelo MP como beneficiário de propina de R$ 240 mil paga pela Gautama Marcelo Rocha Da equipe do Correio
As investigações da Polícia Federal afirmam que a suposta organização criminosa mantinha negócios ilícitos com o ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB-MA). Com a mudança de governo, no início do ano, o grupo teria buscado aproximação com o sucessor, Jackson Lago. A PF apurou que três meses depois o grupo teria garantido o pagamento das medições de obras de pontes, com a liberação, em 9 de março, de R$ 2,9 milhões. “Em contrapartida, o governador Jackson Lago recebeu da organização criminosa R$ 240 mil, entregues em dinheiro aos seus sobrinhos Alexandre Maia Lago e Francisco de Paula Lima (conhecido como Paulo Lago)”, anotou o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, no pedido de prisão enviado ao STJ, com base em relatórios produzidos pela polícia. Escutas telefônicas da PF revelaram o momento em que a propina supostamente paga a Jackson Lago teria sido repassada por intermédio de dois sobrinhos. A entrega teria ocorrido no dia 21 de março, no Alvorada Hotel, no Setor Hoteleiro Sul. Os investigadores captaram o momento em que Maria de Fátima Palmeira acertou os detalhes do encontro com os sobrinhos do governador ,Alexandre Lago e Francisco Lima (leia transcrições dos diálogos ao lado). A polícia apurou que Jackson Lago estava em Brasília naquele 21 de março, hospedado no Hotel Kubitschek. Seu nome, descreveram os investigadores nos relatórios, não constava na lista de hóspedes, mas eles comprovaram a presença dele no estabelecimento por meio de imagens das câmaras de segurança. O suposto envolvimento de Jackson Lago no esquema de corrupção desbaratado pela Operação Navalha foi um dos motivos que fez o inquéritoser levado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro competente para processar governadores. O integrante do PDT escapou de ser preso por um detalhe técnico. A ministra Eliana Calmon entendeu que faltaram “elementos fáticos” previstos na Constituição do Maranhão para caracterizar a prisão em flagrante: “Deixo de decretar a prisão preventiva de Jackson Kepler Lago, governador do estado do Maranhão, por entender que inexistem elementos fáticos capazes de decretar a sua prisão em flagrante, única forma possível de custodiá-lo, diante do que dispõe o art. 66 da Constituição do estado do Maranhão”. Outro lado Cumprindo agenda política em Brasília, Jackson Lago defendeu as investigações da PF. “Tudo que for para apurar eu acho que é louvável, é importante, tem o meu apoio e tem a minha solidariedade. Tudo que for para acabar com a roubalheira, eu estou nessa luta uma vida inteira, vivo lutando no Maranhão há 40 anos contra a corrupção”, destacou. Ao saber que seu nome constava no relatório da polícia, o governador disse ser importante que haja apuração. “Eu li nos jornais e vi na televisão que teriam pessoas com laços familiares ligados a mim. Eu acho que tudo tem que ser apurado, se ligados à administração, ou às relações de amizade ou às relações de parentesco”, afirmou. O governador disse que ainda não teve acesso ao processo por correr em segredo de Justiça, mas que já procurou um advogado e garantiu que “brevemente todos irão tomar conhecimento, até para que eu possa prestar os esclarecimentos necessários”. Em nota, a assessoria do pedetista informou que determinou a abertura de apuração imediata de qualquer contrato do Maranhão com a Gautama. A Executiva Nacional do PDT divulgou nota em solidariedade a Lago. Na nota, a direção do partido afirma que não teme nenhuma investigação sobre o passado e o presente do governador. |
Conversas sob suspeita Confira as transcrições feitas pela Polícia Federal, a partir de diálogos travados entre sobrinhos de jackson lago e representante da Gautama: De acordo com a PF, Maria de Fátima Palmeira, diretora da Gautama, teria repassado R$ 240 mil, a título de propina, a Alexandre Maia Lago e Francisco de Paula Lima Júnior, conhecido como Paulo Lago. Os dois são sobrinhos do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). A entrega, de acordo com os relatórios da investigação, teria ocorrido no Alvorada Hotel, no Setor Hoteleiro Sul, por decisão do próprio Jackson Lago, no dia 21 de março. No dia seguinte, Fátima relatou a João Manoel a entrega do dinheiro feita aos sobrinhos do governador, esclarecendo que o pagamento se destinava a garantir vantagem em contratos públicos. Leia abaixo trechos de gravações feitas pela PF com os suspeitos: Diálogos FÁTIMA pergunta se ALEXANDRE pode vir até o escritório às 21h50. ALEXANDRE diz que vai consultar alguém ao seu lado. Retorna ao telefone e pergunta onde é o escritório. FÁTIMA pergunta se ele nunca foi lá. ALEXANDRE diz que não. FÁTIMA diz que é Setor de Radio e Televisão Sul, Edifício Embasy Palace. São duas referência (sic), vizinho ao Brasília Center, Centro Empresarial Brasília, em frente à TV Record, é um prédio… ALEXANDRE diz que pede a uma pessoa que o leve. FÁTIMA pergunta se quer que ela ligue para o “nosso amigo que é seu amigo”, que disse que es estaria na aula (PAULO) e ela disse que … ALEXANDRE disse que ele não estava na aula não, mas que tinha um pessoal próximo e…. (inaudível). FÁTIMA entendeu. ALEXANDRE disse que PAULO LAG0 comentou que a Dra. não deve ter entendido o que ele estava dizendo. Ligação cai.(21/03/2007 20:32) |
Contratos suspeitos somam R$100 milhões Além de carros de luxo, computadores e celulares, a PF apreendeu mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo Da Redação O montante já mapeado de projetos governamentais nos quais o esquema supostamente agiu passa de R$ 100 milhões em apenas um ano. Mas, de acordo com um policial que participa das investigações, esse valor pode ser ainda maior. O valor da propina paga pelo esquema comandado por Zuleido Soares Veras, da construtora Gautama, chegava a R$ 1 milhão, segundo as investigações. Carros de luxo também eram “presenteados” para os integrantes do esquema. |
________________________________________________________
A multiplicação das fraudes Polícia Federal apontou, entre outras irregularidades, desvio de verbas em construções da Gautama Lúcio Vaz Da equipe do Correio A investigação da Polícia Federal identificou fraudes e desvio de dinheiro público em obras tocadas pela construtora Gautama em pelo menos oito estados. Em todos eles, perícias e pareceres técnicos fraudados atestam que muitas construções foram realizadas apenas parcialmente ou sequer foram feitas. As gravações da polícia indicam ainda que houve pagamentos de medições fraudulentas em quatro pontes em construção no Maranhão, nos municípios de Água Doce, Tutóia e Paulino Neves. As pontes ligam o nada a lugar nenhum. |
O que foi investigado no projeto “Luz para Todos”, no Piauí |
Ex-OAS, Zuleido fez fortuna com tática agressiva Luís Costa Pinto Da equipe do Correio
A filosofia de ação que o empresário Zuleido Soares Veras transformou em marca de sua empreiteira, a Gautama, é a antítese da imagem inspiradora que teve ao batizar a empresa. “Discrição com o cliente, força contra o concorrente”, pregava com orgulho aos funcionários, diante de amigos e até de alguns políticos que o ajudavam no negócio de fazer amizades e influenciar pessoas — especialmente quando elas ocupavam postos-chaves nas máquinas burocráticas das administrações públicas federal, estaduais ou municipais. O nome da empreiteira é uma homenagem a Sidarta Gautama, nobre indiano nascido no ano de 560 a. C. e que aos 35 anos resolveu sentar à sombra de uma figueira para meditar e jejuar por 49 dias. Ao fim do período revelou ter passado por uma profunda transformação espiritual e começou a pregar a paz e a espiritualização: estava fundado o budismo e Sidarta Gautama era a encarnação do Buda. Qualquer analogia de Zuleido Veras com Buda começa e termina no nome dado à empresa. A Gautama foi fundada em 1995 e surgiu de uma dissidência da construtora baiana OAS. Especializada na arte de ressuscitar velhos contratos de obras públicas que pareciam caducar nas gavetas da tecnocracia brasiliense, em seu primeiro ano a Gautama tocou empreendimentos cujos orçamentos somados não chegavam a R$ 30 milhões. Doze anos depois, a expectativa de faturamento da Gautama com o setor público chegava aos R$ 1,5 bilhão. O método de trabalho de Zuleido Veras sempre foi considerado agressivo pelos concorrentes. Mesmo com sua empreiteira tendo nascido depois da CPI do Orçamento, em 1993, quando se descobriu o método de persuasão usado pelos executivos do setor para conquistar corações, mentes e orçamentos de prefeitos, governadores, parlamentares e gestores orçamentários públicos na obtenção de vantagens e na execução de dribles às normas contratuais, Zuleido adotou o velho paradigma de ação. O escritório da Gautama em Brasília não tinha placas na porta. Ele preferia encontrar seus interlocutores brasilienses em apartamentos funcionais ou em flats. Hospedava-se nos melhores hotéis da cidade e fazia um intenso périplo pelas mesas dos salões de café da manhã. Assim, acreditava, podia despachar com todas as esferas dos gestores públicos sem precisar passar por secretárias e assessores. As duas assertivas que mais usava para impressionar os interlocutores eram “ali eu mando” e “desse eu sou íntimo”. Boa vida na Bahia Nascido na Paraíba, Zuleido Veras consolidou-se como executivo da OAS em Brasília durante os governos de Fernando Collor e Itamar Franco (1990-1994) e fixou-se na Bahia, estado onde fica a sede da Gautama, a partir de 1995. Em Salvador é conhecido como o dono da mais bela residência do sofisticado privê habitacional Encontro das Águas e pelas festas de réveillon que costuma dar em sua casa. Políticos, servidores públicos e alguns artistas são sempre escolhidos para ilustrar as exclusivas listas de convidados. Nos fins de semana também causa impacto o iate Clara, de 50 pés e orçado em US$ 2 milhões, que Zuleido costuma pilotar na Baía de Todos os Santos e nas enseadas e ilhas do Recôncavo Baiano. Acostumado a sempre ter parlamentares em seu encalço, pedindo conversas reservadas ou dando retorno de consultas feitas com antecedência, ontem foi um dia incomum para Zuleido Veras. Mal se achava no Congresso Nacional um deputado ou senador para dizer que o conhecia. A qualificá-lo de “amigo”, nenhum. No escritório central da empreiteira, em Salvador, os telefones não atendiam: não era para menos. O dono, o filho do dono e o irmão do dono da Gautama estavam presos pela Polícia Federal com outros 13 diretores e funcionários graduados da empresa. |
Reação ________________________________________________________
|
Comments are closed.