“Papa, abençoe os agentes federais porque estamos abandonados”. Com este apelo estampado numa faixa preta com letras amarelas – as cores da corporação – cerca de 100 servidores da Polícia Federal no Rio de Janeiro e de diversos estados fizeram nova manifestação pública hoje (23), numa alusão à presença do Papa Francisco na cidade para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Em vez de armas, portavam 30 cruzes de madeira nas mãos e uma cruz em tamanho natural, numa homenagem aos colegas que morreram no exercício da profissão, vítimas de acidentes, mortes violentas ou suicídios.
Vestidos de preto, simbolizando luto, servidores da ativa e aposentados se concentraram durante toda a manhã, em frente à sede da Superintendência Regional (SR), na Praça Mauá, Zona Portuária do Rio. Após discursos dos dirigentes da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e dos sindicatos estaduais, os manifestantes rezaram as orações do Pai Nosso e da Ave Maria, pedindo mais paz e segurança pública, e, sob o toque da marcha fúnebre, soltaram balões brancos e amarelos – as cores do Vaticano.
“O protesto só não foi maior porque um grupo de 200 policiais federais de diversos estados, que participava de uma reunião no auditório da SR para discutir a logística da visita do Papa na cidade, não foi liberado para participar da manifestação pelos delegados que conduziam a programação”, reclamou um dos manifestantes. Uma parte do grupo chegou a subir até o auditório, para tentar pressionar a liberação dos colegas, mas os delegados responsáveis pelo treinamento não cederam.
Assédio moral e depressão preocupam
O ato público também chamava a atenção contra os casos de assédio moral, perseguições e o alto índice de doenças e problemas emocionais e psiquiátricos que afligem agentes, papiloscopistas e escrivães, como estresse, depressão, ansiedade e ideações suicidas. “Hoje, 30% do efetivo de policiais federais usa algum tipo de medicamento controlado, está licenciado ou afastado para tratamento psicológico ou psiquiátrico”, alertou o vice-presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, referindo-se a recente pesquisa com 2.360 entrevistados sobre a saúde do servidor do DPF.
Segundo ele, nos últimos três anos, 12 policiais suicidaram por não suportar as pressões do trabalho, a desmotivação e a falta de perspectiva na profissão, sem receber acompanhamento psicológico adequado do Departamento de Polícia Federal (DPF). O índice é o mais alto entre as polícias do Brasil, de acordo com a Fenapef. Alguns policiais, destacou Boudens, sofrem com o isolamento por terem que trabalhar em regiões inóspitas, em áreas fronteiriças, especialmente no Norte do País. No Rio, de 1997 até hoje, já foram registrados 15 casos de suicídio entre policiais federais. Apesar disso, há apenas um psicólogo para atender 700 servidores na SR.
Custo alto para o Governo
O cenário leva a um preocupante quadro de evasão: nos últimos anos, 200 policiais federais em média têm deixam a cada ano a corporação para buscar outras carreiras no serviço público. “O DPF não valoriza seus funcionários e isso proporciona uma fuga de talentos que também sai cara para o País”, disse Valéria Manhães, presidente do Sindicato dos Servidores do Departamento de Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro (SSDPF/RJ). Ela lembra que cada policial treinado custa em média R$ 80 mil aos cofres públicos, entre academia, hora-aula, bolsa-auxílio etc.
A desmotivação sem precedentes na história da Polícia Federal, causada pela falta de reestruturação da carreira – que vem sendo negociada há quase três anos com o Governo – e agravada pela ausência de reajuste salarial há quase cinco anos – tem provocado um dos piores índices de evasão já registrados na corporação. No início deste ano, após a greve de 70 dias deflagrada pela PF em 2012, o número de servidores que deixava a PF chegava a três por semana, alertava o vice-presidente da Fenapef.
Segundo Boudens, outro agravante é que o regime disciplinar na PF remonta a 1975, período da ditadura militar, o que provoca uma pressão psicológica ainda mais forte sobre os policiais, muitos dos quais, vítimas de processos disciplinares arbitrários por parte dos gestores. “O policial ainda vive sob o ranço da militarização”, acrescentou Valéria.
Segundo ela, a decisão de fazer um ato religioso e não político teve como princípio o respeito à população brasileira, eminentemente católica. “Aproveitamos que o Rio está sob o manto da espiritualidade com a visita do Papa para externar nossa preocupação com o servidor do DPF, mas não para falar em reestruturação nem de questões salariais, mas da saúde mental do nosso servidor, que está doente, precisando de ajuda”, complementou a dirigente, que é agente federal há 16 anos.
Negociações com o Governo se arrastam
O presidente da Fenapef, Jones Leal, apresentou um breve panorama sobre as negociações com o Governo e conclamou os servidores a manterem a forte mobilização em todo o País, seguindo o calendário definido pela federação. “O nosso prazo acabou, se não resolver agora, a situação vai ficar insustentável”, alertou. Segundo ele, a Fenapef abriu mão de panfletar no aeroporto durante a visita do Papa, o que era uma preocupação do DPF, e optou por um ato religioso e não político para continuar negociando, mas quer garantias de que o problema seja resolvido antes das eleições presidenciais, o que seria outra preocupação do Governo.
Para o presidente do Sindipol-DF, Flávio Werneck, não dá mais para esperar. “Demos diversos prazos ao governo e já cumprimos nossa parte no acordo: trabalhamos na Rio + 20, nas eleições estaduais, na Copa das Confederações e, agora, na visita do Papa. Mas o Governo está descumprindo a sua parte, então, não tem mais conversa, não há mais margem de negociação com o Ministério da Justiça”, declarou.
“As fronteiras estão abandonadas, os colegas estão morrendo ou adoecendo, pagando diária do próprio bolso para sustentar o DPF, são vítimas de assédio e perseguição, enquanto o crime organizado continua avançando. Queremos continuar combatendo a corrupção, contra a casta (delegados) que abomina os policiais que verdadeiramente querem o bem para o Brasil”, discursou o presidente do Sindicato dos Policiais Federais de Mato Grosso do Sul, Jorge Caldas.
Em seu discurso, o presidente do Sindipolf/SP, Alexandre Santana Sally, destacou que o coordenador da recém-criada Frente Parlamentar pela Reestruturação da PF, deputado federal Otoniel Lima, tem sofrido pressões por parte dos delegados para retirar o projeto. No entanto, não desistirá a não ser que a Fenapef o peça. “Se os delegados quiserem somar serão bem-vindos na discussão, caso contrário, não desistiremos”, teria lhe dito o deputado, em resposta ao delegado Mário Menim, assessor do superintendente de São Paulo.
Novo ato marcado para dia 5
No dia 5 de agosto, está prevista uma grande manifestação no Rio de Janeiro para a audiência pública que discutirá a reestruturação da Polícia Federal na Assembleia Legislativa (Alerj), numa iniciativa do deputado Iranildo Campos (PSD), presidente da Comissão de Segurança Pública. Na ocasião, além da valorização do policial, serão discutidos temas como assédio moral, evasão de policiais, perseguição a dirigentes sindicais e a proposta de um novo modelo de investigação, tendo em vista que os inquéritos se tornaram obsoletos e pouco eficientes na visão dos agentes.
Os federais do Rio de Janeiro já haviam realizado manifestações dias 28 de junho e 10 de julho – neste último, caminharam até a Igreja da Candelária, onde iniciaram a coleta de assinaturas para um documento que pede a inclusão da Segurança Pública na pauta do pacto nacional proposto pela presidente Dilma Rousseff entre União, estados e municípios. No último dia 16, cerca de 40 policiais do Rio também se juntaram a mais de 500 colegas para a marcha em Brasília que marcou a instalação da Frente Parlamentar pela Reestruturação da Polícia Federal, na Câmara dos Deputados.
Caso de suicídio choca os colegas
Um caso que chamou a atenção dos colegas do DPF e que ilustra bem o cenário sombrio em que se encontram foi registrado no segundo semestre do ano passado, em Belo Horizonte (BH). Um agente federal, às vésperas de se aposentar, vivia angustiado, sentindo-se desvalorizado e infeliz com a realocação em outro setor. Para tentar superar o próprio drama, resolveu criar um programa de apoio à aposentadoria, inspirado nos moldes do já existente na Polícia Militar mineira, e que seria implementado em todo o País pelos sindicatos e Fenapef.
Mas um dia, logo depois da greve, este policial estava em uma festa, passou mal no banheiro e, num momento de desespero, resolveu tirar a própria vida, dando um tiro na cabeça, na presença do filho. O caso chamou a atenção dos sindicalistas, que temiam uma série de outros episódios semelhantes, especialmente por policiais que estão na expectativa da aposentadoria.
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