Fonte: Agência Sindipol/DF
Por Carlos Arouck
Hoje vou começar minhas considerações mais pela emoção do que pela razão. Desde já, peço desculpas a todos policiais de bem que querem uma Polícia melhor para servir a sociedade brasileira, carente de segurança pública.
Por que a Direção é olhada com tanta desconfiança pelos EPAs? Trata-se de simples intuição. Há algo ali que não se encaixa. As abelhas detectam qualquer intruso na colméia pelo faro. Policiais Federais têm o mesmo instinto. Muitos policiais sentem que seus superiores os traem e abandonam, a começar pelo próprio Diretor-Geral.
A Polícia Federal está no mau caminho. Cito duas razões para a apreensão dos EPAs. A primeira é o esvaziamento da profissão por chefes que não abraçam a causa, e que não tem muita experiência para chegar onde chegaram. A segunda é o efeito desmoralizante dos EPAs, resultado de “coação, assédio moral e desmoralização” praticados pelos delegados.
Os policiais de hoje continuam, como seus antecessores, prontos a lutar e a morrer em defesa da Lei e da Ordem. Mas precisam de líderes comprometidos e dedicados. Não adianta só desenvolver estruturas de última geração, adquirir equipamentos sofisticados. Eles não substituem lideranças capazes e respeitadas. Quando os chefes se empenham em destruir o moral com termos pejorativos e a desqualificação profissional dos EPAs, o que veremos logo abaixo, submetendo-os a experimentos sociológicos aberrantes, contrários a tudo o que a História tem ensinado, de fato estão minando a auto-estima dos policiais e revelando todo seu desprezo pela categoria.
Vou tentar responder esse texto com termos pejorativos postado por um delegado no Facebook, que ao invés de se mostrar comprometido com os integrantes da Polícia, da qual ele apenas faz parte, destila todo o seu preconceito contra nós e contra as profissões que enumera abaixo. Esse delegado com “d” minúsculo não tem nem mesmo a coragem de defender suas idéias abertamente como eu aqui faço, e se esconde atrás de fóruns com codinome e anonimato, que demonstram sua covardia e irresponsabilidade, ao colocar mais lenha na fogueira dessa crise institucional que hoje não pára de crescer. A censura, decerto, é inconcebível, mas o incitamento ao ódio, quando caracterizado, deve ser punido como crime que é. Segue um extrato:
Postado pelo delegado Eduardo Adolfo do Carmo Assis no Facebook!
“Sem qualquer demérito ou desonra para o trabalho braçal ou de execução, o DPF, e acredito que qualquer polícia do mundo, precisa de agentes, escrivães e papiloscopistas para as seguintes funções, não necessariamente na ordem que segue: segurança, chapa, auxiliar de enfermagem, coveiro (de vez em quando, precisamos recolher cadáver), motorista, mecânico, secretário, digitador, carteiro, olheiro, aeromoça, leão de chácara, piloto, navegador, faxineiro, armeiro, lenhador, soldado, recepcionista, mensageiro, ordenança. Dentre outras (quaisquer outras missões legais que lhes forem pagas).”
Sim, nós somos…
Segurança, quando asseguramos um conjunto de ações preventivas, adotadas com vistas a garantir a integridade física, mental ou moral de nós mesmos ou de um companheiro em uma missão de auto risco.
Chapa, principalmente do colega com o qual compartilhamos alguma missão, ou empreitada
Auxiliar de enfermagem, afinal, todo policial tem que ter formação, ou pelo menos conhecimento básico, sobre primeiros-socorros, pois dele pode depender a vida de quem apóia ou de um companheiro. Porém, ao utilizar-se destas técnicas, ele garante a manutenção da vida até a chegada a um hospital ou da equipe de socorro especializada.
Coveiro, essa é difícil, pois a regra seguida pelos coveiros é não demonstrar emoção: o mesmo ocorre conosco, quando entregamos os companheiros que tombam em serviço aos seus familiares.
Motorista, quando estamos preparados para utilizar a VTR como proteção ou arma de ataque contra agressores. O conhecimento destas técnicas defensivas e ofensivas faz com que estejamos aptos a conduzir manobras agressivas, e proteger a própria equipe e transeuntes.
Soldados, quando combatemos diuturnamente a corrupção, o tráfico de drogas e todos os crimes dentro de nossas atribuições.
Poderia qualificar todas as profissões citadas pelo delegado, pois o policial tem que estar preparado para qualquer tipo de serviço, seja de baixo ou alto risco.
Confesso que mesmo tentando, algumas delas não consegui sequer caracterizar como nossas, mas com certeza esse delegado as enumerou com algum propósito, talvez não muito nobre. Lenhador? Ordenança? Não, não sei o que quis dizer… Ao trabalhar sempre pensando nos riscos, os EPAs estarão prontos a agir e evitar que algo aconteça. E é nas horas cruciais que o policial bem preparado faz a diferença, consegue pensar e estar à frente dos acontecimentos, desempenhando uma ‘profissão’ requerida pelo momento, como algumas dessas acima. Garantir a aplicação das leis e proteger as pessoas e bens, evitar perturbações da ordem e da paz públicas, convenhamos, não é fácil.
O nobre delegado, que é bacharel em Direito assim como tantos e tantos outros, às vezes com menos títulos e especializações, esqueceu de mencionar que existem tarefas que precisam ser realizadas por policiais de outras formações. O trabalho intelectual no Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos, por exemplo, que é feitos pelos EPAs, e está com suas atribuições descritas abaixo, por sua complexidade demandam um policial com conhecimento específico do mundo da Computação e Informática. Um bacharel em Direito não teria como desempenhar essas funções. Confiram:
“a confecção, supervisão e correção de relatórios de análise de fraudes bancárias eletrônicas, atividades próprias de Data Base Administrador, como planejamento de estrutura e recursos de bancos de dados, configuração, gerenciamento de usuários, auditoria, criação de serviços, cópias de segurança, atividades que envolvem projetos de bancos de dados, verificação de serviços, importações, exportações e indexação de dados, dentre outros, criação de códigos de programação e/ou consultas a bancos de dados, elaboração de materiais didáticos, análise de sistemas e requisitos, gerência de Projetos, realização de Cursos/Seminários, diligências policiais diversas, monitoramento de Redes Sociais, normatização de documentos pesquisas na BNFBe, interceptação Telemática ou Telefônica (degravações), análise de Interceptação Telemática ou Telefônica alimentação de dados na BNFBe, criação de rotinas, organização e análise de dados estatísticos e acompanhamento de operações de outros estados”.
O mesmo delegado com ‘d’ minúsculo continua sua ladainha:
“Salário digno? Sim. Afrontar quem tem função de comando, planejamento, supervisão, controle (não existe organização sem controle) e, sobretudo, responsabilidade? Não”.
“Salário igual aos que mandam que eles executem as funções acima? Não”.
O cerne da questão não é a remuneração em si, mas o reconhecimento e a valorização. Achar que somos mão de obra dos delegados e não da Instituição, pau mandados, que quando questionamos estamos quebrando uma hierarquia militar, é confundir as coisas. Defender que nossos salários não aumentem chega a ser ridículo. Será que pensam que são os zeros no contracheque que nos diferenciam dos delegados? Um EPA não poderia ter uma função de comando em sua área de conhecimento? Por que não? Ganhar mais significaria uma afronta para os delegados? Parece que esse pensa assim, não tem qualquer espírito de corpo.
Mais pérolas:
“Para citar frase que ouvi muito na academia: “o departamento não foi na casa de ninguém pedir para fazer concurso”. Fez porque quis sabedor das atribuições do cargo, as quais juraram cumprir. Se quer outras funções, basta se inscrever para outro cargo, e conseguir passar em certame aberto a todos. Meritocracia. Concurso público, e prestígio ao mérito intelectual, que já é o primeiro discrímen entre as funções de comando e execução”.
Desde o tempo em que comecei no Departamento, muitas coisas mudaram, juntamente, com e as minhas funções e ninguém me alertou que eu teria de fazer outro concurso… Simplesmente roubaram minhas funções. Quando iniciei minha carreira, o tempo de serviço era de 25 anos, tinha concurso interno para todas as categorias, o perito ganhava menos que o delegado, o administrativo ganhava mais que ambas as categorias, os censores passaram para delegados sem fazer concurso ferindo a CF, não tinha a tal trava salarial. Tudo isso foi mudado e agora vem um e diz que “não tá satisfeito, vira delegado?” Talvez seja essa a resposta mais imediata… EPAs deixem de ser EPAs, somente os delegados são merecedores de reconhecimento!
Vamos analisar agora outro trecho, escrito por Bruno Ribeiro Castro, chefe da INTERPOL – SUBBSTITUTO
A Polícia Federal está estruturada em três níveis de cargos, a saber:
– o cargo de DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL, a AUTORIDADE POLICIAL destinada ao controle jurídico e coordenac?o epistemológica das investigações;
– o cargo de Perito de Polícia, destinado à análise laboratorial de evidências de crime com a utilizaç?o de conhecimento técnico específico – auxiliar das AUTORIDADES POLICIAIS;
– o cargo de EPAs (escriv?es, papiloscopistas e agentes) destinados à EXECUÇ?O de ordens de miss?o policial emitidas por DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL.
Por fim, cumpre esclarecer que o único conhecimento específico exigido dos EPAs para o desempenho da funç?o de monitoramento telefônico é ser alfabetizado para poder ouvir e transcrever o conteúdo das ligações para posterior análise e avaliaç?o da AUTORIDADE POLICIAL quanto à relevância jurídica do fato.
Essa é uma das atividades de nível superior desempenhadas pelos EPAs, bem como entregar intimações, digitar ofícios, cumprir despachos e coletar impressões digitais.
Pois bem, por óbvio a AUTORIDADE POLICIAL pode, se necessário, executar todas essas atribuições, como também, na ausência dos EPAs, determinar aos Peritos o auxílio na execuç?o dessas tarefas de menor grau de complexidade.
Porém, ninguém mais na ESTRUTURA da Polícia Federal pode determinar a lavratura de auto de PRIS?O EM FLAGRANTE, representar em juízo por PRIS?O TEMPORÁRIA ou PRIS?O PREVENTIVA, representar por medidas cautelares de INTERCEPTAÇ?O TELEFÔNICA, MANDADO DE BUSCA E APREENS?O, entre outros poderes exclusivos da AUTORIDADE POLICIAL.
Mas mesmo assim, os EPAs, na maioria servidores que n?o conseguiram aprovaç?o no concurso de DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL, buscam a absurda implantaç?o de plano de carreira como pano de fundo para equiparaç?o salarial com seus superiores hierárquicos.
Como diria o Boris: “Isso é uma vergonha!!!”
Realmente isso é uma vergonha… nisso não poso discordar. Dizer que o delegado é destinado ao controle jurídico?
A polícia judiciária sob controle jurídico e monitoramento do Ministério Público e autoridades judiciárias tem como finalidade procurar e ver o crime, reunir provas, encontrar os criminosos e seus cúmplices, prendê-los e trazê-los às autoridades judiciárias competentes, onde os EPAs trabalham com maestria.
Oras, a existência da autoridade policial está estritamente ligada à estrutura do inquérito policial, que realmente pode determinar a lavratura de auto de prisão em flagrante, etc… Mas porque tantos delegados não estão presidindo este tão defendido inquérito policial? Porque muitos delegados estão na aviação, onde sua função, seguindo a lógica do delegado Assis, seria um trabalho ‘simples’, ou no grupo tático, nos químicos, na ANP, na SEDE, na INTERPOL e outros setores típicos dos EPAS, onde ciências jurídicas passam longe e muito menos são feitos IPs? Se fizermos uma estatística, vamos confirmar que cerca de 20% dos delegados realmente presidem esses inquéritos policiais, e que 80% dos mesmos são arquivados ou devolvidos pelo Ministério Público. Muito úteis, como se pode verificar.
Fico pensando como o Delegado Bruno, chefe substituto da Interpol, explica tudo o que foi escrito acima para seus congêneres da Interpol no mundo afora. Simplesmente não explica, porque a função do delegado e os atributos e o inquérito não existem na Interpol nem em outros países.
O que fica disso tudo? Primeiro, fica a impressão de que os delegados estão com tempo sobrando para trocarem esse tipo de mensagem entre eles, denegrindo os EPAs. Muito cacique para pouco trabalho! Eles tem os EPAs!
Será que tudo isso é medo de perderem espaço para nós? As autoridades do MJ já comentaram publicamente que a greve já teria acabado se fizéssemos parte da Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, composta por uma categoria sem disputas internas como as que acontecem hoje na Polícia Federal.
O que reivindicamos é justo. Somos nível superior e queremos ser remunerados como tal. Os delegados temem que passemos a ganhar mais, quando deveriam se juntar a nós e torcer para que fossemos valorizados…
Já repararam como nos filmes estrangeiros a polícia sempre é mostrada em ação, enquanto nos filmes nacionais e novelas o delegado aparece atrás de uma mesa? Somos EPAs porque queremos ser EPAs e merecemos ser tratados com respeito pelos companheiros de profissão. Gostamos de ação, de desvendar, de seguir, de investigar, de escrever relatórios e não de presidir inquéritos. Nem por isso somos menos ou mais que outros integrantes da Polícia. Será que uma convivência é impossível? Os conflitos de interesse dos delegados se sobrepõem aos interesse do Departamento? Nunca imaginei que um dia chegaríamos a esse ponto de desunião…
Ainda bem que eu sei ler e escrever.
Conto com sua reflexão.
Que Deus ilumine todos nós.
E a Polícia Federal proteja todos vocês.
Carlos Henrique Arouck, Agente de Polícia Federal aposentado. Graduado em Direito e Administração de Empresas
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