Fonte: jus.com.br
Os contumazes argumentos governamentais que buscam justificar sua incapacidade para eficazmente cumprir com seu dever constitucional de garantir a segurança pública são: o aumento da criminalidade e a falta de recursos financeiros e humanos. Contudo, a verdade é que esses dois argumentos políticos centrais são interdependentes e não desvinculados como costumam defender os governantes, eis que o aumento da criminalidade exsurge, exatamente, pela não inversão dos suficientes recursos públicos.
Por suposto que é difícil ou até mesmo impossível quantificar o mínimo aceitável e desejável de satisfação de um direito, porém, a realidade brasileira não nos deixa em dúvida que os crimes contra as pessoas, notadamente os mais violentos, têm tido um constante aumento, o que reforça a assertiva de que o Estado brasileiro não tem sido responsável com os compromissos assumidos.
É inegável que em todas as áreas as demandas sociais vêm crescendo em ritmo mais acelerado que a capacidade dos recursos disponibilizados pelo Estado. Assim, quaisquer gastos públicos devem ser feitos seguindo uma aplicação mais racional e otimizada possível dos recursos. E, aceitando-se que a Constituição é norma cogente para a concretização dos direitos fundamentais pelas instituições públicas, essas não se podem furtar de atuar eficientemente na implementação dos mandamentos constitucionais, pois, a sociedade paga impostos e quer que, no mínimo, os seus direitos fundamentais sejam respeitados. Ademais, se assim não for se torna incompreensível o que motiva a exação dos impostos.
Tendo em vista que as inversões públicas possuem limitações orçamentárias, a Constituição Federal fixa para toda a administração pública o respeito ao princípio da eficiência e, do mesmo modo, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, PRONASCI, estabelece que toda atividade policial deva ser cumprida em consonância ao referido princípio. O fato é que as instituições policiais necessitam de adequados e suficientes recursos humanos e materiais para uma eficiente atuação preventiva e repressiva da criminalidade. De tal sorte, a proposta de integração entre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, segundo os parâmetros estabelecidos na pesquisa, contribuiria com as atribuições policiais através de uma melhor alocação dos recursos já existentes.
Os dados apresentados expõem que ambas as polícias não estão distribuídas de modo a ocupar efetivamente o território nacional, sendo que a maior defasagem se verifica no interior do país. Essa má distribuição da atividade policial federal nos faz questionar se a deficiência na prestação dos serviços por esses órgãos é resultado da uma gestão ineficiente ou de descaso político. Além disso, a configuração logística atual dos órgãos federais de segurança pública mostra que não há uma real igualdade na prestação dos serviços pelas polícias federais. Pois, se assim não é, a Polícia Federal não estaria completamente ausente no interior dos estados de Sergipe e de Alagoas e a Polícia Rodoviária Federal, por sua vez, teria ao menos um único posto policial no interior dos Estados de Roraima e Acre. Portanto, o serviço federal de segurança pública não é prestado de modo igualitário a toda a população brasileira, embora os cidadãos do interior, tanto quanto os cidadãos das capitais, sejam pagadores de impostos federais.
Ressalta-se que só se verifica uma efetiva presença das forças policiais federais em apenas 43 das 5.564 cidades brasileiras, ou seja, uma ínfima parcela das cidades brasileiras possui delegacias de ambas as polícias em análise, mesmo que tenha sido o próprio Executivo federal quem instituiu o atual programa nacional de segurança pública, o que se pauta na integração entre os órgãos policiais como meio de tornar a segurança pública mais eficiente. Contudo, como próprio governo federal não conseguiu, até agora, integrar as atividades dessas suas duas polícias em uma única das 43 cidades, também não pode o governo federal exigir que os Estados integrem suas polícias, inclusive condicionando o repasse de verbas federais aos Estados em decorrência da integração entre seus órgãos policiais.
A proposta de integração administrativa e operacional das polícias federais a partir da concentração das atividades das delegacias da Polícia Federal e Rodoviária Federal se mostra como uma alternativa viável para a redução de custos desses órgãos policiais, o que traria como conseqüência imediata a possibilidade de realocação de policiais de funções administrativas para as atividades fins (operacionais) e o investimento dos recursos economizados em prol da melhoria na prestação dos serviços federais de segurança pública aos cidadãos. Uma integração logística desses órgãos reduziria efetivamente e sensivelmente as despesas correntes na manutenção das instalações físicas desses órgãos, a exemplo do que ocorreria com a utilização comum de assinaturas de linhas telefônicas, do pessoal encarregado pela limpeza, dos gastos com aluguéis e reparos dos prédios, das despesas com energia elétrica pela utilização sinérgica de equipamentos etc.
A integração logística dessas polícias federais redundaria na diminuição das despesas de manutenção das instalações das delegacias e, por sua vez, na possibilidade de investimento dos recursos economizados em outras áreas, como aquisição de equipamentos tecnológicos e novos cursos de capacitação. Além disso, a integração física das delegacias desses dois órgãos permitiria, com o passar do tempo, que esses mesmos órgãos tivessem um melhor entrosamento entre si, seja em relação aos conhecimentos técnicos e científicos, aos serviços de inteligência e às operações policiais de repressão e prevenção à criminalidade. Tal integração também racionalizaria a ocupação de prédios públicos, o que geraria menores custos à sociedade e possibilitaria que a mesma auferisse sensíveis benefícios de ordem prática, como a facilitação do acesso da população aos órgãos federais de segurança pública por ambos estarem em um mesmo local.
Mesmo não sendo objeto dessa pesquisa é oportuno frisar que essa mesma deficiência dos órgãos federais é sentida em relação aos órgãos estaduais de segurança, notadamente quando se observa a realidade da atividade das Polícias Militares no interior de todos os Estados brasileiros, pois, como atuam em praticamente todos os municípios e não são todos os municípios que possuem uma delegacia da Polícia Judiciária (Civil), a Polícia Militar se vê muitas vezes em situações de difícil solução e extremamente prejudiciais à segurança pública, a exemplo do que ocorre quando um órgão policial (a Polícia Militar) precisa percorrer longas distâncias para registrar uma ocorrência em outro órgão policial (Polícia Civil). O que faz com que cidades que possuam 2 ou 3 policiais responsáveis pelo policiamento preventivo sejam afastados para o registro de ocorrências e durante várias horas uma cidade inteira fica sem nenhum representante das forças policiais.
Não se pode ignorar a necessidade de mais policiais para que o Estado cumpra o seu dever de garantir a segurança pública. Contudo, quando apenas 43 das 5.564 cidades brasileiras possuem uma efetiva presença das forças federais de segurança pública fica difícil acreditar que há uma real preocupação do governo federal com a insegurança pública, o que leva a sugerir que, no mínimo, nas 238 cidades que atualmente contam com delegacias da Polícia Federal ou da Polícia Rodoviária Federal deveria existir uma delegacia integrada entre esses órgãos, frisando que, mesmo nas 43 cidades onde já existem essas duas instituições policiais federais não há qualquer integração de ordem administrativo-operacional. Há que ser lembrado que o desinteresse por uma efetiva presença das forças policiais federais no território brasileiro leva a criação de uma força policial sem qualquer amparo constitucional, a Força Nacional, que é um força policial federal composta por servidores estaduais, além dos gastos pelos deslocamentos e ainda pelo afastamento dos seus locais de origem, enfraquecendo as já precárias condições de segurança pública nos seus estados, ou seja, o governo federal ajuda a piorar a segurança pública dos estados para justificar sua incapacidade de investimento e administração nas suas próprias forças policiais.
O fato é que a não disponibilização de recursos suficientes aos órgãos policiais trará como conseqüência direta a omissão estatal em relação ao dever de proteger a vida, liberdade e o patrimônio dos seus cidadãos. Assim, o governo federal não investe recursos suficientes e tampouco racionaliza a utilização desses recursos disponibilizados aos órgãosfederais de segurança pública, o que torna o próprio Executivo federal um violador de dois de seus deveres constitucionais: o de zelar pela eficiência da administração pública e o de garantir a segurança pública, consoante os respectivos artigos 37 e 144 da Constituição Federal. E, após o arrazoado, permite-se aduzir que a expectativa em relação à atividade policial no Brasil é que ela se desenvolva de maneira eficiente, legitimada e respeitada socialmente, preocupada com a concretização dos direitos fundamentais e valorizada pela sua importância na edificação da paz e da justiça social.
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