Fonte: Valor Econômico
O avanço de 47,5% do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios brasileiros entre 1991 e 2010 reflete a melhora de condições básicas para a população, mas esconde grandes injustiças dentro do sistema, de acordo com o ex-economista-sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Flavio Comim. Para o economista, que também é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, “a realidade da provisão dos serviços públicos é mais bem conhecida pelas ruas do que pelo índice”, diz, referindo-se às manifestações que tomaram diversas cidades brasileiras pedindo, entre outras pautas, acesso à educação e saúde de qualidade.
De acordo com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, calculados com base nos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010 pelo Pnud, hoje apenas 0,6% dos municípios brasileiros têm nível de desenvolvimento considerado muito baixo. Em 1991, eram 85,8%. Para Comim, esse avanço está fortemente correlacionado ao avanço de condições básicas para a população.
O IDHM Longevidade, que subiu 23,2% em duas décadas, é bastante influenciado pelos indicadores de mortalidade infantil. “As condições para as crianças melhoraram, mas no que é mais básico, como a nutrição”. Segundo o economista, esse indicador não trata do problema de que o serviço de saúde oferecido na maioria dos hospitais brasileiros para questões mais complexas continua bastante precário, por exemplo.
Para Comim, é natural que o país avance quando são considerados períodos de tempo mais longos, como no caso do IDHM. Em sua avaliação, no entanto, a evolução dos indicadores de desenvolvimento municipal não mudam a realidade de que o Brasil continua em 85º lugar em um ranking de 187 países elaborados pela ONU, atrás de Omã. “Na minha opinião, temos uma das mais baixas taxas de avanço no IDH entre países de renda média”. Entre 2011 e 2012, o Brasil estagnou no conceito de desenvolvimento da ONU, enquanto vizinhos como Uruguai, Argentina e Chile continuaram avançando.
Comim questiona ainda a metodologia do indicador, que é elaborada pelo Pnud, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro, do governo de Minas Gerais. Para Comim, que foi economista-sênior do órgão das Nações Unidas entre 2008 e 2010, é preciso elogiar o trabalho técnico que foi desenvolvido para lidar com estatísticas brasileiras deficientes, mas esse ponto positivo não anula à crítica ao IDH como um indicador envelhecido, “bom para o século XX, não para o século XXI”.
A crítica, diz, não vale apenas para os avanços mostrados pelo IDHM no Brasil, mas à metodologia usada globalmente para composição do indicador. Segundo o professor de Cambridge, já foram realizadas discussões intensas na tentativa de incorporar aspectos qualitativos ao índice, “mas a força da gravidade é muito maior”.
Comim reconhece que a simplicidade do IDH, que leva em conta expectativa de vida, renda mensal per capita e adequação entre série e idade escolar da população é um ponto positivo, mas sua avaliação é de que é possível tratar com questões objetivas aspectos subjetivos. “Quando elaboramos o Índice de Valores Humanos, em 2010, procuramos opiniões sobre realidades concretas, como a avaliação sobre o tempo de espera na fila para atendimento médico.”
Ou seja, é preciso buscar medir aspectos qualitativos do desenvolvimento. “A educação é muito mais do que ter livro e computador na sala de aula, a saúde é mais do que a contratação de médicos”, diz Comim.
O economista ainda avalia que o IDHM fica rapidamente defasado e, por isso, perde parte de seu papel como termômetro da evolução do país em nível regional. Como a pesquisa tem como base o Censo, que acontece a cada dez anos, não é possível captar a evolução do IDH em um ciclo eleitoral e utilizá-lo como régua para políticas públicas.
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