Presidente do TSE entende que texto aprovado no Congresso só tira das urnas quem for condenado depois da aprovação do Ficha Limpa. Parlamentares, OAB e movimentos sociais não chegam a consenso
Diego Abreu e Flávia Foreque
Aprovado pelo Congresso, mas ainda pendente de sanção presidencial, o projeto Ficha Limpa tem, sim, chances de ser aplicado nas eleições deste ano. No entanto, para especialistas ouvidos pelo Correio, mesmo que a lei torne-se válida em 2010, dificilmente a medida impedirá políticos de se candidatarem, pois a maioria avalia que só os que forem condenados depois que a lei entrar em vigor ficarão inelegíveis. É unânime, porém, a opinião de que ficará nas mãos do Judiciário a palavra final.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, afirmou ontem que a Corte vai se pronunciar sobre a aplicabilidade da lei antes do fim do prazo para registro de candidaturas, que termina em 5 de julho. Lewandowski interpreta que, caso seja mantido o texto aprovado pelo Senado, só estarão inelegíveis políticos que forem condenados por um colegiado após a lei ser sancionada. “A lei só pode retroagir para beneficiar alguém. Nunca pode prejudicar. Esse princípio vale no direito penal. Em tese, pode se aplicar na norma.”
A resposta sobre a eficácia da lei em 2010 será dada pelos sete ministros titulares do TSE, quando o plenário analisar uma consulta do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que pergunta se a norma vale de imediato. Pairam divergências, ainda, sobre outros pontos. Ontem, o deputado federal Jerônimo de Oliveira Reis (DEM-SE) apresentou nova consulta ao TSE, questionando se o Ficha Limpa terá efeito retroativo. A dúvida é se o projeto vai valer para ações judiciais que tramitavam antes da aprovação da lei. O deputado pergunta se a regra se aplicaria a casos já julgados, que estão agora em fase de recurso, e aos processos que, apesar de não ter havido condenação, já tenham sido iniciados.
Tempo verbal
A emenda apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) na quarta-feira esquentou o debate sobre a amplitude do Ficha Limpa (veja na página 3). Na avaliação de alguns parlamentares, a mudança no tempo verbal, substituindo o termo “tenham sido condenados” para o “que forem condenados”, impediria a aplicação das novas regras para processos pendentes. O Movimento de Combate à Corrupção eleitoral, que acompanhou a tramitação do projeto no Congresso, avaliou, entretanto, que o conteúdo não sofreu alteração. Em nota oficial, o MCCE afirmou que a correção feita por Dornelles não provocou “modificação na natureza do projeto”. O senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator do Ficha Limpa, defendeu a mesma tese. “Para quem foi condenado antes e interpôs recurso, o processo vai continuar depois nos termos do Ficha Limpa”, ressaltou.
O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), procurador licenciado, faz parte do grupo que aponta mudanças no teor do projeto com a emenda de última hora. O parlamentar reconhece que o cenário ideal para resolver o impasse é, mais uma vez, a corte do Supremo Tribunal Federal (STF). “O debate mais importante vai ser no Judiciário”, afirmou.
O presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alberto Machado, avalia que o texto aprovado atingirá todos os condenados por colegiado, tenha a condenação ocorrido antes ou depois de a lei vigorar. Para ele, a emenda ao projeto só alterou a redação. “A emenda não frustrou a OAB, porque a Ordem avalia que a lei continua se aplicando aos condenados antes de ela passar a valer. Se o TSE responder que a lei só atingirá futuras condenações, nosso sentimento será de frustração.”
Ministro titular do TSE, Marco Aurélio Mello avalia que a validade da lei nestas eleições está sujeita a aplicação do Artigo 16 da Constituição, cujo texto prevê que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. “A questão é saber se a lei altera ou não o que se entende como processo eleitoral. Não posso me pronunciar antecipadamente sobre esse pleito”, disse.
Para o advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE, a lei não poderia ter aplicabilidade nas eleições de outubro por conta do Artigo 16. Também ex-ministro do TSE, Torquato Jardim considera que a lei não altera o processo eleitoral e, assim, considera que a norma pode valer nessa eleição.
“A lei só pode retroagir para beneficiar alguém. Nunca pode prejudicar” Ricardo Lewandowski, presidente do TSE
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