por Claudio Julio Tognolli e Aline Pinheiro
Criticado e aplaudido com o mesmo entusiasmo, o relatório do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz que deflagrou a Operação Satiagraha tem mais de 200 páginas de transcrições de escutas telefônicas, de e-mails e de análises, para mostrar como funcionam duas “complexas organizações criminosas” — uma seria chefiada pelo banqueiro Daniel Dantas e a outra, pelo investidor Naji Nahas.
O delegado — hoje afastado da operação para estudar, segundo a explicação oficial da Polícia Federal — começa o relatório dizendo que há indícios dos crimes de formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, tanto por parte do grupo de Dantas como de Nahas. No entanto, ele explica que, neste relatório (leia a íntegra no fim da notícia), se limita ao crime de gestão fraudulenta, que teria sido praticado pelo grupo de Dantas, e de lavagem de dinheiro, praticado pelo grupo de Nahas.
Na segunda-feira (14/7), a revista Consultor Jurídico divulgou um dos relatórios da PF sobre a Operação Satiagraha. Trata-se do “Relatório Parcial e Representação por Medidas Cautelares de Investigação”, assinado pela delegada Karina Murakami Souza. O relatório final da operação só será elaborado depois de feitas todas as buscas e prisões requeridas, ouvidas testemunhas e envolvidos. É nele que os acusados são indiciados. Este relatório que a ConJur divulga agora é responsável pela deflagração da operação.
Nele, Protógenes se preocupa em provar que Dantas era chefe do grupo Opportunity e que era ele quem decidia quais operações seriam feitas pelo grupo. Para o delegado, Dantas era o “alter ego” do grupo. Para provar isso, vale-se quase exclusivamente de transcrições de conversas gravadas e de e-mails apreendidos. Há várias transcrições, por exemplo, de diálogos travados entre Daniel Dantas e Verônica Dantas, irmã de Daniel e chamada de “braço direito” dele por Protógenes, quando Dantas estava
Em páginas com citações que vão de Dostoievski e Alexandre Dumas a ditados populares, o delegado transcreve trechos e mais trechos de conversas para tentar provar que “Daniel Dantas utiliza sua inteligência para praticar o mal” e que a organização criminosa deles era tão complexa “ao ponto até em determinados momentos eles próprios não ter (sic) conhecimento sobre a quantidade de empresas, o volume de recursos gerados por elas, nem tampouco a quantidade de investidores pessoas física e jurídica”. Nas palavras de Protógenes, Daniel Dantas é o “grande gênio fraudador”.
Sobre Naji Nahas, o delegado explica que ele atua tão debaixo dos panos que não foi encontrada nenhuma operação no mercado de ações no Brasil registrada no nome do investidor. Diz o relatório que Nahas “usa o nome ou empresa de terceiros, se utiliza de doleiros com fim de lavar os recursos auferidos ilicitamente”.
Jornalismo do crime
Para o delegado Protógenes Queiroz, as quadrilhas de Dantas e Nahas tinham também a participação de conhecidos jornalistas. Leonardo Attuch, da IstoÉ Dinheiro; Lauro Jardim, da Veja; Vera Brandimarte, do jornal Valor Econômico; Elvira Lobato e Guilherme Bastos, da Folha de S. Paulo; Paulo Andreoli e Thomas Traumann, da Época; entre outros, seriam alguns dos jornalistas que recebiam dinheiro para cuidar da imagem de Dantas e Nahas e das suas empresas nas reportagens.
O delegado não mostra, contudo, qualquer prova do envolvimento dos jornalistas com o grupo. As provas, para ele, seriam as reportagens escritas sobre os negócios de Daniel Dantas e o fato de jornalistas falarem com os dois personagens.
Ainda de acordo com o delegado, o jornalista Roberto D’Ávillla, da TV Brasil, recebeu R$ 50 mil por uma reportagem em favor dos acusados. Ao jornal Folha de S.Paulo, D’Ávila explicou que a remuneração se deve a trabalho feito pela sua empresa, a CDN, uma pesquisa de opinião sobre a imagem de Nahas na mídia.
Há referências, também, à jornalista da Folha Andréa Michael, que fez reportagem sobre a operação antes de ela acontecer e, por isso, teve sua prisão pedida pelo delegado, mas negada pela Justiça. Para Protógenes, Andréa é “integrante da organização criminosa, travestida de correspondente” da Folha
“O que estamos assistindo e desmascarando por meio do Judiciário Federal, com atenção auspiciosa do Ministério Público Federal, é repugnante sob o ponto de vista ético e moral do papel da imprensa”, diz o delegado.
No relatório, Protógenes Queiroz promete lutar para combater o que ele chama de mal. “Ante as ameaças de corsários saqueadores das riquezas do nosso país, deixo aqui registrado que o ‘amanuense’, que ora subscreve a presente peça, e por ‘cautela’ alerto aos incautos, seja de forma individual ou organizados criminosamente para tal finalidade, que estarei de prontidão comparado a um integrante das Brigadas dos Tigres, fazendo um acompanhamento detalhado do futuro Fundo Soberano e ao menor movimento de ações ilícitas destinadas a desvios de tais reservas cambiais ou fraudes com os papéis que o governo federal pretende lançar, começaremos desde já uma nova e complexa investigação, a fim de evitar o mal maior.”
Menos de um mês depois de assinar esse relatório, que tem a data de 23 de junho, o delegado Protógenes Queiroz deixou o comando da Operação Satiagraha. A explicação oficial é que ele foi participar de um curso obrigatório da Polícia Federal. Protógenes, no entanto, não ficou feliz em deixar o caso. Chegou a propor continuar instruindo o inquérito nos finais de semanas, mas a sugestão não foi aceita. Nesta quarta-feira (16/7), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a permanência de Protógenes na operação. Em entrevista coletiva, Lula disse que determinou ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que acerte com a PF a volta do delegado.
Leia o relatório de Protógenes Queiroz, que foi dividido em cinco partes por razões técnicas.
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