Reportagens sobre o funcionamento da maior facção criminosa do País, o Primeiro Comando da Capital (PCC), revelam a sofisticação do setor de inteligência e como o grupo conseguir disseminar o medo no Sistema Penitenciário. A última ação do grupo, divulgada pela Revista IstoÉ, é a de afrouxar o sistema de “batismo” para ampliar a presença. A pretensão é a de alcançar 40 mil novos membros até o final do ano.
O presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (SINDIPOL/DF) e vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, afirmou que o crescimento do PCC só foi possível por conta do acúmulo de erros na aplicação da Lei de Execução Penal. Até mesmo criminosos que passam longe de ter um bom comportamento acabam recebendo benefícios. Um exemplo é a transferência do líder da facção, o Marcola, do regime de isolamento para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Agora ele terá direito à visitas privadas.
Leia as matérias na íntegra abaixo:
A sintonia restrita do PCC
Reportagem da Revista IstoÉ
Fecha na Restrita. Essa é a ordem dada pela cúpula do Primeiro Comando da Capital, o PCC, a um núcleo da facção que vem se estruturando e ganhando cada vez mais força para orquestrar execuções em diferentes estados do País, conforme afirmou à ISTOÉ um agente da Polícia Federal sob a condição de anonimato.
Em liberdade, esses membros recebem as instruções por bilhetes codificados e lacrados que viajam quilômetros até o destino final. Uma vez que a mensagem chega à Sintonia Restrita, a célula de inteligência se encarrega de delegar a missão aos executores. Em geral, são aqueles que possuem dívidas com o grupo ou têm histórico de indisciplina. “Se não cumprirem, sabem que também serão mortos”, diz o policial.
De acordo com as investigações do promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado de Presidente Prudente, Lincoln Gakiya, o núcleo principal é formado por três ou quatro pessoas de São Paulo, com movimentação por todo o País. “Eles planejam ações como levantamento de dados, vigilância, aluguel de imóveis e veículos para perseguir alvos e gerar terror”, afirma. Esses membros não utilizam celulares, afastam-se de funções relacionadas ao tráfico e ficam isentos de pagar a “mensalidade”. “Eles são muito dinâmicos e criam várias camadas de hierarquia para dificultar as investigações”, afirma Gakiya.
Embora atuem de maneira quase invisível, passaram a chamar a atenção dos investigadores após uma onda de assassinatos de agentes penitenciários federais. Em junho do ano passado, Roberto Soriano, membro da cúpula do PCC conhecido como Tiriça, deu ordens para o assassinato de diversos funcionários de dentro do presídio de segurança máxima de Catanduvas (PR).
“Não são ataques pessoais, são atentados contra a instituição, que ocorreram em represália aos padrões de disciplina”, afirma Carlos Augusto Machado, agente em Catanduvas desde 2010 e atual presidente do Sindicato dos agentes penitenciários federais do Paraná. Seguindo a ordem de Tiriça, membros do PCC alugaram uma casa vizinha à do agente Alex Belarmino. Em 2 de dezembro, o carro oficial que o agente utilizava para chegar ao trabalho foi cercado por um veículo com homens do PCC. Ele foi morto com 23 disparos.
Em abril deste ano, o agente penitenciário Henry Charles Gama Filho foi assassinado em um bar na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Segundo a Polícia Federal, criminosos se aproximaram em um carro e atiraram contra o servidor. Um mês depois, foi a vez de Melissa de Almeida Araújo, psicóloga do presídio de Catanduvas. Monitorada por 40 dias, era considerada um alvo fácil por não andar armada. No dia 25 de maio, foi alvejada por dois homens ao entrar no condomínio em que vivia com o marido e o filho de dez meses.
A série de assassinato espalhou o terror entre os agentes penitenciários. Com os suspeitos da execução de Belarmino a Polícia Federal encontrou uma lista com mais 20 nomes e endereços de funcionários de presídios federais tidos como alvos da facção criminosa. “Depois disso, vários protocolos foram melhorados para dar mais segurança ao deslocamento de agentes”, diz Machado.
Verba de R$ 150 mil
As missões especiais da Sintonia Restrita se tornaram tão sofisticadas que contam com estruturas próprias. O PCC paga até o treinamento para os membros encarregados das missões, como demonstram planilhas obtidas pelos investigadores. Elas detalham todos os gastos com os assassinatos. Uma denúncia encaminhada ao Ministério Público de São Paulo, em dezembro de 2016, pelo Gaeco, revelou cartas “restritas” apreendidas na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau com ordens para integrantes em liberdade localizarem dados e endereços de agentes públicos.
Após investigações, uma ação policial apreendeu em Ribeirão Preto documentos com determinações para “matar como se fosse latrocínio”, de forma a não levantar suspeitas sobre a cúpula da organização criminosa. “É para escolher quatro irmãos de sua confiança capacitados para executar fatal, que sejam pegadores para eliminar esses frangos”, diz um trecho da correspondência. A planilha apreendida indica um volume de R$ 150 mil gastos em viagens, celulares, veículos, passagens e até cursos para bancar estratégias do setor de inteligência.
Ações como essas podem ganhar um novo fôlego com a saída do líder Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, do regime de isolamento para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde se encontra presa a cúpula do PCC. “Ele vai receber visitas privadas, isso aumenta a facilidade com que as ordens entram e saem do presídio”, diz Gakiya. Nesse sentido, o vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais, Flávio Werneck, afirma que o País acumulou uma série de erros na aplicação da Lei de Execução Penal. “São concedidos benefícios a pessoas que passam longe de ter alcançado um bom comportamento”, afirma. Isso porque, mesmo em presídios de segurança máxima, há relatos de que informações são transmitidas por meio das visitas íntimas e sociais. “Apenas o tempo é controlado, não há qualquer monitoramento de áudio”, diz Machado. O que reforça a munição do já robusto setor de inteligência do crime.
“É um núcleo técnico que faz o levantamento de vulnerabilidade da vítima e dos riscos da ação. Assim, além de executar, conseguem disseminar o medo” – Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais
Em guerra contra rivais, PCC afrouxa regras de “batismo”
Reportagem do UOL
Os presídios e as bocas de fumo em todo o país sediam uma audaciosa campanha de filiação. Também conhecido como o “Partido do Crime”, o PCC (Primeiro Comando da Capital) começou nos últimos meses a afrouxar de vez suas regras de “batismo” para alcançar 40 mil novos membros até o final de dezembro. O objetivo é criar um “exército” capaz de encarar as facções adversárias, como a carioca CV (Comando Vermelho) e a amazonense FDN (Família do Norte).
O “batismo desenfreado” foi confirmado ao UOL por três integrantes da PF (Polícia Federal) e dois do MP (Ministério Público) de São Paulo.
“A informação que surgiu é que cada membro deveria batizar uma outra pessoa”, afirma o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, um dos maiores especialistas do país quando o assunto é PCC e integrante do Núcleo de Presidente Prudente do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado). “Eles estão pegando qualquer um.”
Levantamentos de órgãos de segurança pública estimavam que a facção possuía por volta de 20 mil membros no início do ano. Se a estratégia “cada um batiza outro” desse certo, a campanha resultaria no dobro de filiados.
Pelas antigas regras, para entrar no PCC um pretendente precisava ser convidado por um membro da facção e ter o aval de outros dois integrantes. Quem convidava tornava-se “padrinho” e responsável pelos atos do “afilhado”, inclusive sujeito a “pagar” pelos erros cometidos pelo novo membro.
“Eles já começaram a dispensar a necessidade dos padrinhos”, afirmou um delegado da PF que investiga a facção paulista.
“Na região Norte e no Rio de Janeiro, eles dispensaram o aval de um membro mais velho. Em outros lugares, estão usando uma estratégia diferente. Eles fizeram batizados coletivos de membros de facções locais que são aliadas do PCC. Isso aconteceu, por exemplo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Norte.”
O motivo da campanha
“Surgiram informações de que essa facção está interessada em aumentar o seu número de filiados principalmente por estar em disputa com outros grupos criminosos em diversos Estados”, diz Flávio Werneck, vice-presidente da Fenapef (Federação Nacional de Policiais Federais).
No segundo semestre do ano passado, salves (comunicados) e diálogos a respeito da necessidade de aumentar filiados foram interceptados em investigações sobre o PCC no período anterior a conflitos no sistema penitenciário que resultaram em massacres (como o de Manaus e o de Alcaçuz).
Desde o final do ano passado, o PCC entrou em guerra com o Comando Vermelho e suas facções aliadas, principalmente a FDN, a terceira maior do país. A disputa é pelo controle dos presídios e das rotas de tráfico no Brasil todo.
No fim de novembro, 157 presos integrantes do PCC e do Comando Vermelho foram trocados pelas secretarias de administração prisional dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo para evitar mortes em presídios, informou a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) paulista.
Em alguns Estados, a estratégia do PCC de aumentar filiados tem sido bem mais sucedida do que em outros. O Ceará é um caso exemplar; por volta de março de 2015, o PCC possuía menos que 250 filiados no Estado. Atualmente, o número é, pelo menos, dez vezes maior.
“O PCC tem priorizado os Estados que estão em fronteiras ou que possuem portos. Nestes locais a prioridade é o tráfico internacional para centros de consumo da África, Europa e Ásia”, afirma um membro da área de inteligência da PF, sob a condição de sigilo. Ele acompanha a movimentação do PCC na região Nordeste, onde a guerra de facções favoreceu o aumento no número de homicídios.
“Esse seria o motivo de a facção não querer perder espaço e mesmo se consolidar no Ceará, onde existem dois portos importantes: Mucuripe e Pecém.”
Em uma contabilidade da facção, o PCC teria chegado a exatos 2.494 filiados cearenses no último mês de maio. É o maior contingente fora de São Paulo, berço da facção, e do Paraná. “Atualmente já seriam cerca de 3.000”, estima o investigador da PF.
“Recrutar sem critério pode gerar risco”
Mas a estratégia de filiação a qualquer custo tem seus riscos. “Há de se considerar que como é um batismo de ‘menor qualidade’ esses caras são mais instáveis. Inclusive, são mais afeitos a cometerem besteiras e serem excluídos ou afastados, ou mesmo rumarem para outras facções”, diz o integrante da PF.
“Eu não sei se isso é realmente um ganho para eles em termos de ‘qualidade’. Recrutar sem critério pode gerar um risco. Pode gerar problemas difíceis de lidar a longo prazo”, afirmou o procurador Márcio Sergio Christino. Ele é o autor do recém-lançado livro “Laços de Sangue – A História Secreta do PCC” (Editora Matrix).
“Mas, no final, a guerra acaba sendo um grande negócio para as facções. Quanto mais gente entra, mais dinheiro se movimenta. Só que não há vida pós-facção. O cara vai morrer como morreram os de Manaus e os de Alcaçuz”, afirma o agente da PF.
“Os familiares das lideranças vivem como milionários, mas os chefes são ‘reis’ presos, alguns até o fim da vida. Há uma grande massa se matando entre as facções e fazendo atentados para uma pequena cúpula ganhar mais e mais.”
E o PCC chegará a 40 mil filiados até o dia 31 de dezembro? “Não, os dados mostram que eles chegaram a 25 mil, 26 mil. Mas não eles não vão parar de batizar mais gente.”
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