Fonte: Correio Braziliense
As grandes questões do país passam longe dos debates para a escolha dos comandantes do Legislativo. Os candidatos preferem assuntos como salário maior ou espaço nas TVs da Casa.
Candidatos a presidente da Câmara centram o discurso e as promessas de campanha em questões internas do parlamento e deixam de lado temas importantes que serão votados em 2013, como a descriminalização das drogas e a revogação do Estatuto do Desarmamento
O futuro presidente da Câmara dos Deputados será o terceiro na linha sucessória da República e terá diversas oportunidades de se sentar na principal cadeira do Palácio do Planalto para governar o Brasil. Apesar da importância do cargo para os brasileiros, a disputa pelas vagas da Mesa Diretora da Casa passa bem longe dos interesses da população. O discurso dos principais candidatos à presidência da Câmara está centrado na defesa dos interesses dos parlamentares e no corporativismo. Temas como reforma política, descriminalização das drogas, revogação do Estatuto do Desarmamento, criação de uma lei anticorrupção e criminalização da homofobia — todos eles tramitando no Legislativo e de extrema relevância para a sociedade — ficaram de fora da pauta de debates na corrida pela presidência da Câmara.
Como somente os deputados votam nessa disputa, é normal que os candidatos tentem agradar o eleitorado com promessas que atraiam a atenção dos parlamentares. Mas especialistas criticam o leque restrito de temas tratados nesta campanha, especialmente a atenção praticamente exclusiva que os candidatos à presidência da Câmara deram a assuntos que interessam unicamente aos próprios congressistas.
Considerado favorito na disputa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) tentou ganhar votos com uma promessa que tem potencial para fazer crescer os olhos da maioria dos parlamentares. Ele defende a equiparação dos salários dos deputados federais com os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Henrique também gerou polêmica ao defender que os deputados condenados pelo STF não percam o mandato automaticamente e disse que não vai cassar os parlamentares considerados culpados por crimes graves, como os quatro condenados por envolvimento com o mensalão.
Para ganhar a simpatia dos colegas, a também peemedebista Rose de Freitas (ES) propõe criar um rodízio nas relatorias de projetos e medidas provisórias. Júlio Delgado (PSB-MG) segue essa mesma linha e defende a proporcionalidade na distribuição das relatorias e da presidência das comissões temporárias. Com esse discurso, miram os insatisfeitos com a hegemonia absoluta do PT e do PMDB na Casa. Os partidos têm as duas maiores bancadas da Câmara dos Deputados.
Melhorias
A briga por mais autonomia para o Legislativo é outro tema propagado com fervor pelos candidatos. Delgado distribuiu ontem um panfleto em que critica a atual relação do Legislativo com o Palácio do Planalto e com o Judiciário. “O Executivo abre e fecha os cofres públicos conforme os interesses da ocasião, transformando em favor aquilo que é o seu dever: o cumprimento da Lei Orçamentária”, diz o texto. “O Judiciário, por sua vez, preenche o vazio deixado pela Câmara e pelo Senado e legifera sem mandato para tal”, acrescenta o deputado.
A melhoria da imagem dos parlamentares é outra meta dos concorrentes ao cargo máximo da Casa. Os três incluíram em suas plataformas de campanha a promessa de mudança nos órgãos de comunicação da Câmara para ampliar a divulgação de seus mandatos. Para Júlio Delgado, é preciso “garantir a participação equilibrada de todos os parlamentares nos espaços da TV Câmara, Rádio e internet”. Henrique Eduardo Alves defende a cobertura das atividades dos parlamentares até mesmo durante as viagens aos estados e nos fins de semana, sem prever o custo que haveria para os órgãos de comunicação da Câmara. Entre as propostas de Henrique para agradar aos colegas, existe até mesmo a previsão de distribuição de aparelhos como tablets e smartphones.
A deputada Rose de Freitas nega que sua campanha esteja focada no discurso corporativista e garante que, se eleita, vai enfrentar os grandes temas nacionais de relevância para a sociedade, até mesmo aqueles em que não há consenso, como a reforma política. “Existe hoje essa cultura de evitar a votação quando não há consenso, mas não dá para adiar certos temas. Falta o debate de questões nacionais e a Casa tem ficado como mera espectadora”, critica a deputada.
Apesar de suas declarações e de seus panfletos de campanha ficarem praticamente restritos às promessas que agradam aos colegas, Henrique Eduardo Alves disse ontem que discutiu temas de relevância nacional no encontro com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. “Preocupação com segurança pública, políticas ambientais e infraestrutura é dever do parlamento”, disse Alves pelo Twitter logo depois do encontro (leia mais na página 3).
Críticas
Doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), Rafael Cortez, que é integrante da Tendências Consultoria e professor da PUC-SP, defende a ampliação dos debates sobre grandes temas nacionais. Ele lembra que o presidente da Câmara tem várias funções inerentes ao cargo e diz que a população fica alijada desse processo de escolha dos dirigentes da Casa. “O presidente da Câmara é o administrador do Legislativo, mas também o representante máximo desse poder perante a população. Infelizmente, os debates só ocorrem no âmbito do eleitorado, que são os próprios deputados, sem dar publicidade às discussões e sem abordar os grandes temas de interesse nacional”, diz Cortez.
Para ele, isso prejudica o controle feito pelo eleitor. “A divulgação de programas e de propostas de cronogramas de votações ajudaria a criar uma agenda dos temas mais relevantes e contribuiria para reforçar o controle do eleitorado. Essa campanha que é feita na disputa pela presidência da Câmara não contribui em nada para esclarecer a sociedade e acabou virando um jogo corporativista”, acrescenta Rafael Cortez. “Os candidatos acabam entrando em um jogo partidário de acordo entre bancadas, do qual os eleitores não têm nenhum conhecimento”, conclui o cientista político.
Marco Antonio Villa, historiador e cientista político da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), diz que, tradicionalmente, os presidentes da Câmara não se destacam pela participação política em grandes questões nacionais. “Não é acidental que eles só discutam questões corporativistas. A média das duas Casas é medíocre e os parlamentares não enxergam o Congresso como a casa do povo. Eles só veem o trabalho como um instrumento de negociação, no pior sentido da palavra”, comenta o cientista político.
“Os debates só ocorrem no âmbito do eleitorado, que são os próprios deputados, sem dar publicidade às discussões e sem abordar os grandes temas de interesse nacional”
Rafael Cortez, cientista político
“Não é acidental que eles só discutam questões corporativistas. A média das duas Casas é medíocre e os parlamentares não enxergam o Congresso como a Casa do povo”
Marco Antonio Villa, historiador e cientista político
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