Fonte: Fenapef
Por: Átila de Barros
No que diz respeito à atribuição por classes, dentro dos respectivos cargos, o Projeto de Lei Orgânica da Polícia Federal avançou positivamente.
Todos somos capazes em reconhecer que um policial principiante não deve (embora possa) coordenar ou chefiar atividades policiais, em situações que um policial mais antigo e experiente esteja disponível para realização do mister. Tampouco é recomendável que um policial novato esteja à frente nos mais variados setores da PF, preterindo o mais antigo.
Trata-se de hierarquia, uma subordinação necessária e bastante conhecida, todavia, desacreditada e sem merecimento, pelo menos na PF. A hierarquia constitui pressuposto fundamental para a harmonia e o bom desenvolvimento de qualquer instituição, existindo desde os primeiros grupos humanos, pressuposto da organização da família, religiões, empresas privadas e públicas.
A PF passa por grave crise interna de inversão de valores. Explico. Uma sondagem de opinião feita entre os servidores, recentemente veiculada no meio policial federal, revelou que a maioria dos ingressados no órgão o fez motivada por razões pecuniárias, atraídos pela perspectiva de boa remuneração, enquanto o quesito “vocação” foi o menos votado da enquete.
Não é de se estranhar que o alpinismo pelo poder dentro da PF seja um fato e que a manutenção desse poder subsista à custa do próprio sacrifício da essência do órgão: o servidor.
Durante a última greve da PF – e depois dela – surgiram ideias, esposadas amplamente e de maneira informal por muitos dos autodenominados EPA`s (sigla que designa os cargos de escrivão, agente e papiloscopista), que defendiam salários diferenciados, obviamente mais elevados, para os policiais que atuam como “analistas”. Por outro lado, alguns delegados sustentavam a necessidade de se criar o cargo de “analista de informações”, a fim de por termo à crise institucional instalada na PF, com a paralisação de operações, por conta da insurreição do “seleto” grupo de investigadores existentes em seus quadros.
Igualmente, na esteira do preconceito, os policiais que se proclamavam superiores aos outros por trabalharem “demais”, como “analistas”, esmaltavam seu falacioso discurso sob o argumento de que a maioria pouco saberia, ou não queria trabalhar. Pronto! Justificada estava, sob os aplausos da mentira, a suplantação da hierarquia por uma minoria de envaidecidos policiais, muitos dos quais incipientes.
Muito embora se saiba que é mais seguro e mais confortável passar anos numa sala com ar-condicionado, protegido do sol e do calor, durante o tempo de permanência na fronteira, “interceptando” e “analisando” dados, do que abordando veículos e pessoas nas estradas, portos, aeroportos, rios e matas, debaixo de chuva ou sol, calor ou frio, às vezes enfrentando insetos, em regiões insalubres, não raro pelas madrugadas, como é rotina para muitos policiais operacionais (ou os “substituíveis”), sem lanche, água ou cafezinho.
Naquele momento, durante a greve, restou claro que os demais policiais que não atuavam na área de análise de informações, incluindo o autor deste texto, estariam relegados a segundo plano, à margem do processo produtivo, condenados por seus pares ao trabalho alienante.
É como se a atividade policial federal se resumisse a escutas ou a interceptação de dados telemáticos. Ou se o acesso ao trabalho mais elaborado dentro da PF fosse oportunizado a todos. Ou, ainda, como se todos os outros policiais federais que não trabalham nos setores de “inteligência policial” fossem de “somenos” importância.
Nesta categoria, se incluiriam os grupos de policiais operacionais, tais como do Comando de Operações Tática (COT), da Coordenação de Aviação Operacional (Caop) e dos Núcleos de Polícia Marítima (Nepom); os que atuam na Corregedoria ou que representam a Interpol no Brasil; aqueles que diariamente são responsáveis pela transferência e escolta de presos, entrega de intimações, levantamento de informações, infiltração em organizações criminosas, segurança de testemunhas e dignitários, cumprimento de mandados judiciais de busca e apreensão e de prisões.
Há ainda os policiais que cruzam estados, para combater ilícitos nas regiões mais inóspitas deste país; que fiscalizam a atividade de segurança privada; que controlam produtos químicos e fazem diligências por conta de milhares de inquéritos em tramitação. Enfim, todos aqueles trabalhadores policiais que realizam uma série de atividades complexas em seus afazeres, que também ingressaram no órgão por meio de concurso público, em paridade como os demais que disputam os mesmo cargos.
“Porca Miseria!”
Felizmente, o pensamento exclusivista não permeia a cabeça de todos agentes, escrivães e papiloscopistas dito “analistas”, diga-se de passagem, bem como não foi esse o tom principal da greve dos policiais federais no ano passado. Todavia, chama a atenção o comportamento estereotipado existente nas fileiras da instituição.
A atitude de segregação é sectária, portanto, intolerante e facciosa, gerando sentimentos de injustiça e perturbando a ordem. A quem interessa e por quê? Talvez aos próprios alpinistas do poder.
Os atrabiliários da PF, sedentos por poder, estão sempre à espreita para atalhar o caminho. A hierarquia representa obstáculo a seus objetivos e garantia de respeito e valorização a todos que ingressaram no órgão, bem antes da “onda” de tecnologias e marketing pessoal, porque inibe pretensões precoces de poder e aniquila injustiças. Ela delimita qual o lugar de cada um e assegura o mínimo de liberdade àqueles que chegaram a “casa” antes.
Atribuir função por classe como consta no Projeto de Lei Orgânica da Polícia Federal é postura benfazeja aos ares internos que respiramos, pelo equilíbrio que proporciona, dentro da própria carreira policial federal e em cada cargo.
O respeito à hierarquia e à disciplina é medida de paz, imprescindível à nossa instituição, para acalmar ânimos, afastar ventos de ingratidão, desarmonia e desmotivação e tornar objetivo e claro o futuro profissional do policial federal. Mais do que ganhar um salário digno da função social nobilíssima que exerce, o policial merece sentir-se bem dentro da própria “casa”.
Neste momento de discussão de uma Lei Orgânica da Polícia Federal reflitamos: o policial federal, atualmente, atinge o topo da carreira (chamada classe especial) após 13 anos de exercício, seja qual for o cargo. Muitos de nós, em sua maioria, ainda teremos de trabalhar por mais dez, 15 ou 17 anos até a aposentadoria.
Em pouco tempo, a hierarquia existente no início da profissão, tão salutar e prestes a ser convalidada pela lei orgânica, caso esta seja aprovada, perderá seu efeito pelo decurso do tempo. Avançar na criação de uma classe para além da “especial” é medida que se impõe por questão de mérito e resultará em motivação aos policiais federais com mais de 13 anos na função.
Átila de Barros é Agente de Polícia Federal, classe especial. E-mail: correiodoatila@hotmail.com
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