Fonte: Correio Braziliense
A corrupção que tragou a Petrobras vai retirar entre R$ 97 bilhões e R$ 100 bilhões da economia do país neste ano, o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB). A retração nos investimentos da petroleira, associada ao encolhimento do setor de construção civil, será responsável pela perda de 1,3 milhão de empregos, de R$ 15,3 bilhões em salários e de R$ 6,4 bilhões em impostos, além de provocar uma onda de inadimplência.
Apesar de robustos, os números negativos são considerados conservadores por Andrea Curi, economista e coordenadora de Projetos da consultoria GO Associados. “As consequências (do estrago provocado na Petrobras) são preocupantes e podem ser piores, principalmente pela perda de empregos formais na construção. Nosso levantamento mostra apenas uma probabilidade que, se confirmada, poderá até fazer o Brasil perder o grau de investimento”, ressaltou.
A corrupção na Petrobras foi desvendada pela Operação Lava-Jato e, segundo Andrea, trará consequências positivas para o país, por livrar a maior empresa do país de desvios impressionantes. Ela ressaltou que a PF deve apresentar provas contundentes, que precisam ser minuciosamente apuradas. Os malfeitos, no entanto, já contaminaram o setor produtivo, comprometendo a melhoria da infraestrutura do país e o desenvolvimento da indústria petroleira.
Para chegar aos impactos da corrupção descoberta na Petrobras na economia, a especialista considerou o volume de investimentos da Petrobras previsto em seu plano de negócios (2014-2018), de US$ 44 bilhões, e estimou corte de 20% nos desembolsos neste ano, o correspondente a US$ 8,8 bilhões ou R$ 27,5 bilhões. Ela também selecionou sete setores com perfis de investimentos no setor de petróleo e gás natural que podem ser diretamente impactados — o baque maior será na extração de petróleo, correspondendo a 68,5% do prejuízo.
Na construção civil, as perdas devem chegar a 9,3% do PIB do setor em 2015, ou R$ 3,3 bilhões. Mas não é só. Segundo Andrea, no mais recente relatório de estabilidade financeira, o Banco Central chamou a atenção para os impactos da corrupção na Petrobras não apenas sobre investimentos e empregos, mas também no setor financeiro, com forte contração no crédito.
“Conforme o Banco Central, a corrupção descoberta pela Operação Lava-Jato tem potencial para elevar a inadimplência do sistema financeiro em 2015. Não à toa, os bancos aumentarem a cautela na concessão de financiamento às empresas envolvidas na operação comandada pela PF. O resultado disso será maior dificuldade por parte das companhias para a captação de recursos em geral, não com bancos”, destacou a economista.
Na avaliação do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Adriano Pires, os prejuízos à economia podem ser maiores do que R$ 100 bilhões porque a Petrobras ainda não definiu os critérios de redução de investimentos e de vendas de ativos. “Infelizmente, só estão preocupados com a publicação dos balanços da petroleira. Não há um plano definido de negócios”, frisou.
Para Newton Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB), as expectativas de encolhimento do PIB e o aumento do desemprego em virtude da corrupção na Petrobras são preocupantes. Por isso, o governo precisa definir, urgentemente, uma estratégia para recuperar a confiança dos agentes econômicos, de forma que voltem a investir no Brasil.
Percalços na Operação Zelotes
Dificuldades no andamento da Operação Zelotes, que apura o tráfico de influência no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vêm causando estranheza a pessoas que acompanham de perto os bastidores das investigações. Para elas, é difícil entender por que a Justiça Federal não autorizou a prisão preventiva de seis pessoas suspeitas de envolvimento no esquema, assim como a temporária de outras 18. São investigados 24 indivíduos, das quais 10 têm vinculação com o serviço público.
“Se existisse um juiz como Sergio Moro em Brasília, o poder entraria em colapso”, comentou a interlocutores uma das pessoas envolvidas na Zelotes. Ela se referiu ao magistrado que atua no caso dos desvios de recursos da Petrobras, alvo da Operação Lava-Jato, conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Na Zelotes, além desses dois órgãos, atua na apuração dos desvios a Corregedoria do Ministério da Fazenda.
“Há uma teia muito forte de relações aqui em Brasília. Nomes que mantêm relações profissionais e também pessoais. E que, em função de tudo isso, esperam indicações e impulso em suas carreiras”, comentou a fonte. Até agora, a ação mais forte na Zelotes foi o cumprimento, em 26 de março, de 41 mandados de busca e apreensão de documentos, vários dos quais em escritórios de advogados no Lago Sul.
Em janeiro, quando as investigações já estavam em curso, foi afastado o presidente do Carf, o ex-secretário da Receita Federal Otacílio Cartaxo, um dos investigados no caso. Na casa do genro dele, Leonardo Siade Manzan, ex-conselheiro e também suspeito nas fraudes, foram encontrados R$ 800 mil em dinheiro vivo. Há 70 empresas dos setores industrial, agropecuário e financeiro suspeitas de terem pagado propina para eliminar débitos com a Receita.
Além da troca de comando no Carf, foram suspensos todos os julgamentos no órgão neste ano. São decisões que podem, porém, ter vindo tarde demais. “Se o Ministério da Fazenda tivesse metade da eficiência que afirma ter, esse tipo de desvio não teria acontecido. Estaria morto na origem”, afirmou Silvia Alencar, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários (Sindireceita).
Sofisticação
Na avaliação do advogado e ex-promotor de Justiça Fábio Medina Osório, as irregularidades reveladas a partir da Operação Zelotes indicam que nenhuma instituição ou servidor público está acima da lei. Ele detalhou que as investigações dos órgãos de controle, da PF e do Ministério Público Federal ainda estão começando, mas apontam para um sistema sofisticado de corrupção que precisa ser combatido em todas as esferas.
Osório ressaltou que dar transparência aos atos praticados em conselhos e tribunais administrativos e fortalecer os órgãos de controle são as formas preferenciais de combater fraudes semelhantes a descoberta na Operação Zelotes. “Parece-me que esses colegiados passarão por mudanças a partir de projetos que devem ser propostos por parlamentares. As experiências traumáticas ensejam o aperfeiçoamento das instituições”, comentou.
Segundo o professor de direito administrativo da Universidade Mackenzie Rodrigo Salgado, os tribunais administrativos do país têm um problema histórico relacionado a falta de pessoal e de transparência nas ações e medidas praticadas pelos membros dos colegiados. Ele ressaltou que faltam no país instituições sem qualquer ligação com partidos políticos, que exerçam controle social sobre colegiados como o Carf. “Esses escândalos são sistemáticos e corriqueiros no Brasil. Tudo precisa ser apurado e os culpados, condenados”, disse. (Colaborou Antonio Temóteo)
Feito para os grandes
O suspeito de comandar o esquema de venda de decisões favoráveis a empresas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é o seu ex-presidente Edison Pereira Rodrigues. A filha dele, Meigan Sack Rodrigues, ainda é conselheira do órgão. Segundo relatórios da Polícia Federal, Edison disse a representantes da Ford que a empresa tinha “95% de chances” de eliminar uma dívida de R$ 1,78 bilhão com o Fisco caso recorresse ao esquema de corrupção. Os bancos Santander e o Bradesco têm as maiores dívidas, respectivamente de R$ 3,34 bilhões e de R$ 2,75 bilhões, sob suspeita de terem sido negociadas criminosamente com conselheiros do Carf.
Dívidas de R$ 531 bi
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) existe há quase um século, desde 1924, com o nome de Conselho de Contribuintes. Conta com 260 funcionários, incluindo 44 cedidos pela Receita Federal. O contribuinte que pretende contestar débito com o Fisco pode procurar o Carf antes de entrar com uma ação judicial. Poderá fazer isso mais tarde, caso não tenha sucesso na esfera administrativa. O Estado, porém, não tem a mesma prerrogativa: a Fazenda Nacional é proibida de recorrer à Justiça caso seja derrotada no conselho. Dos recursos que são submetidos ao Carf, 95% são indeferidos. Os 5% restantes representam 80% dos valores julgados. As dívidas contestadas no Carf somam hoje R$ 531 bilhões.
Comments are closed.